Da Monocultura latifundiária pragmática contra a Pluralidade do Habitat
cultural
António Justo
Enquanto países asiáticos e de cultura árabe se vão
arranjando numa estratégia de autoafirmação apostando na força da sua
identidade cultural (patriotismo cultural da comunidade muçulmana, da Rússia, da
China, da Índia), o Ocidente e em especial a União Europeia esvaem-se num
“patriotismo cosmopolítico” baseado na filosofia económica globalista e na
moeda como tecto metafísico do conglomerado. A negligência da filosofia
enciclopédica e da ética cristã humanista coloca a EU numa posição favorável
para negociar a integração da Turquia na EU e para se autoafirmar
hegemonicamente no âmbito económico e militar; por outro lado, essa negligência
revela-se ingénua num mundo em formação em torno das culturas. Para mais quando
em democracia o povo é o elemento importantíssimo em questões de estabilidade política
e este elabora a sua identidade em torno de espiritualidades.
Por outro lado, a União Europeia encontra-se num dilema
ao impor-se um patriotismo cosmopolítico sem ter ainda alcançado uma consciência
de patriotismo europeu, vendo-se, para isso, interessada em destruir os
patriotismos das nações europeias e tradições culturais específicas
(Patriotismo é uma virtude ao contrário do nacionalismo!). Quer-se construir uma
soberania europeia masculina, sem alma, procurando para o efeito fomentar-se uma
condição de povo anónimo. A anonimidade popular e a destruição da soberania
política das pátrias europeias conseguem-se através do fomento de uma filosofia
política relativista (pensar correcto) e pragmatista. Em nome da diversidade cultural, a política exige dos seus cidadãos a
deslealdade para com a própria cultura e a renúncia a símbolos cristãos. A
EU encontra-se na fenda entre os patriotismos e os nacionalismos. Também o seu
missionarismo político em favor dum cosmopolitismo político democrático não tem
dado resultado, como se observa no norte de África, pelo contrário, as
rebeliões fortaleceram o fascismo. A ideia do globalismo corresponde a uma
filosofia católica original mas para a qual o mundo ainda não está preparado.
Há razões, mais que suficientes, para nos questionarmos se a praxis
turbo-capitalista aliada à estratégia marxista serão o melhor meio para se
impor o globalismo (Neste aspecto, a China estaria já numa posição vantajosa).
O modelo da Europa para o mundo encontra-se numa crise profunda
de valores e de sentido; cada vez lhe falta mais a congruência cultural e
consequentemente a visão e motivação. Uma política de rejuvenescimento da
europa através da imigração revela-se míope e perigosa devido aos grandes
contingentes de muçulmanos que embora com imensa juventude se revelam
contraproducentes devido à sua vida determinada pelo gueto religioso e
hegemónico; enquanto o cidadão europeu não encontra motivos para se definir em
termos de identidade europeia, os imigrantes muçulmanos que constituem a maioria
dos imigrantes afirmam-se em termos de fronteira patriota religiosa. A classe política, para evitar conflitos populares adopta uma política
pragmática em relação às exigências daqueles, implicando o recuo em relação a posições
laicas e risco num contexto de reivindicações políticas no futuro.
O fomento dum “cosmopolitismo enraizado” como pretende
Kwame Anthony Appiah no sentido do desenvolvimento de um burguesismo mundial, não se revela possível, numa EU em que a
natalidade muçulmana supera qualquer crescimento estatístico de nativos em relação
a outras confissões religiosas e seculares. Segundo estatísticas sérias, a
explosão demográfica muçulmana aponta para o desenvolvimento da Europa no
sentido de uma Eurábia. O politicamente correcto cala isto para não amedrontar
o povo, já preocupado; é um facto que as estatísticas demográficas possibilitam
previsões científicas mais exactas que quaisquer outras. As guerras do Ocidente
em países árabes só alimentam a ganância económica e fomentam a imigração árabe
para a Europa. Quem se encontra cada vez mais desenraizado na EU são os países
europeus e não os guetos muçulmanos que sofrem, na própria terra, por verem as suas aspirações hegemónicas
contrariadas pelos Estados Unidos da América que, por razões estratégicas
fomenta a rivalidade entre as confissões muçulmanas dos Sunitas e dos Xiitas.
O mutismo
intercultural e inter-religioso entre as nações é mais que sintomático da
impossibilidade dum encontro a nível de direito moral. O relativismo cultural e
ética só pega nas nações ocidentais. As vitórias do secularismo europeu contra
o cristianismo transformar-se-ão em vitória do extremismo religioso muçulmano e
doutros extremismos dentro dos muros europeus. Temos a melhor
lição na primavera árabe que, em nome da liberdade e dum certo relativismo, se
tem revelado como um serviço ao absolutismo religioso. Estas nações para
chegarem ao tal cosmopolitismo precisariam de um desenvolvimento económico,
cultural e social como se deu na Europa dos anos 60 aos anos 90 e na luta
cultural provocada pelo protestantismo do séc. XVI e mesmo assim
comportar-se-iam diferentemente porque são portadores de uma outra antropologia
e sociologia. A sua sociologia assenta em princípios contrários aos da
sociedade de características ocidentais. Não é sem razão que a Turquia, Egipto,
etc. contrariam o fomento de cristãos nos seus quadros estatais superiores e
noutros países muçulmanos, se chega a considerar os cristãos como espiões dos
USA.
Só quem está interessado num pragmatismo de consenso
superficial poderá passar por cima da realidade em que a Europa vive; facto é
que a realidade internacional e do desenvolvimento global assentam nas culturas
e especialmente nas suas filosofias que são as religiões; o sistema económico é
apenas uma consequência da razão filosófica destas. Há que explorar e
contextualizar melhor o capitalismo e o socialismo que, como filhos pródigos do
judeo-cristianismo têm instabilizado uma mundivisão, que, purificada de
excessos e na complementaridade, poderia servir de modelo para um globalismo
mais justo.
Gregor Gysi, o número um do partido comunista na
Alemanha, é um ateu declarado, e disse algo notável num programa da TV alemã:
"Foi um fracasso histórico dos comunistas perseguir o cristianismo. Pois a
essência dos cristãos: amor ao próximo, igualdade (diante de Deus) e a
observância dos mandamentos são muito semelhantes aos ideais do
comunismo.”
Sempre me admirei por irmãos se combaterem, pelo simples
facto de um olhar muito para o céu e o outro olhar demasiado para a terra. Uma
simples olhadela não determina a realidade e não faz de um, espírito, nem do
outro, matéria! Torna-se importante não esquecer que também a verdade é feita
de céu e terra. E o mais importante para a europa é a sua união cultural e
deixando de se autodestruir em guerrilhas ideológicas de leigos contra fiéis
par reconhecerem a própria riqueza na numa relação de complementaridade.
O pensar baseado no politicamente correcto tem fomentado
uma discussão teórica e uma tolerância infantil mais interessadas em encobrir
os problemas, do que em ajudar a resolvê-los duma forma humana e justa. Há
monstros a dormir nas sociedades que ressurgirão no momento em que as crises
políticas se generalizarem. O movimento
secular e o cristianismo de expressão moderada serão os que mais sofrerão as
consequências da falsa política social e económica que se seguiu depois da
última grande guerra.
A procura de valores globais, como sugere Hans Küng ,
exige mais da política do que ela está disposta a dar. De faco, o seu mero recurso
a um pragmatismo de políticas locais, limitadas a dar respostas locais aos
problemas populacionais e interculturais mais urgentes, sofre de miopia. Aqui
empanca o tal cosmopolitismo que, sem teto metafísico, quer viver de capelanias
de pontos de vista limitados, fomentadores de cabeças viradas para uma terra,
cada vez, menos mãe. É verdade que a consciência para a gravidade da situação
surge no foco e não na periferia e os problemas da humanidade continuam a ser
focados como problemas abdominais.
Quer-se uma ética urbana para um mundo, na grande
maioria, rural e estranho a intelectualismos e a éticas generalistas ou de
nível elevado. Não há uma sociedade mundial tal como não há um biótopo mundial.
A coerência dos biótopos sociais não pode ser alcançada por uma rede económica
frágil e injusta, nas mãos de poucos e à margem duma literatura mundial. A
natureza continua a mostrar, na sua inter-relação de biótopos naturais como protótipo
dos “biótopos” culturais. Para já, seria apressada a ideia de querer, sob a
mesma atmosfera, igualar as diferentes regiões climáticas (culturais) sem
atender às suas especificidades, e para mais num tempo em que as tendências
hegemónicas das culturas entre si ainda são tabu ou apenas relegadas para o
sector económico ou religioso. Neste sentido é absurda a ideia de que o negócio
universal e a moeda se possam transformar em elementos criadores duma
identidade global. A ideia de um cosmopolitismo político torna-se numa
estratégia para distrair intelectuais. Como se pode defender a floresta quando nela
não só se cortam e arrancam as árvores mas também destrói o seu húmus cultural?
A moderna missionação ocidental com o seu centro de
gravidade na democracia e nos direitos humanos, não se revela tão eficiente
como seria de esperar, dado, duma sociedade para a outra, sociológica e
antropologicamente, mentalidades e modos de vida, se revelarem quase
antagónicos. O conceito duma sociedade aberta para se chegar a um
cosmopolitismo não se encontra aferido, nem à sociedade ocidental, porque a empobrece
culturalmente, nem às outras sociedades porque as não respeita. É preciso
trabalhar no sentido duma terceira via. A
lusofonia oferece uma oportunidade para se trabalhar neste sentido. Para isso
fica o apelo da História no sentido de se superar a humilhação envergonhada e a
exaltação orgulhosa.
O
cosmopolitismo, em via, mostra erros sociologicamente análogos aos da revolução
industrial do séc. XIX e XX, focalizado num materialismo ideológico (marxismo)
e prático (consumismo) expresso na economia financeira
internacional fomentadora duma mentalidade proletária de aspiração burguesa a
florescer num globalismo financeiro mundial que tudo reduz a mercado de
clientelismo anónimo. Isto conduz a um pragmatismo sem horizonte destruidor de
qualquer fé política ou religiosa que não se subordine ao pensar do correcto
oportuno. Com uma fachada liberal
destrói biótopos culturais e espirituais para criar um novo habitat de género
latifundiário e de monocultura proletária.
A Europa
encontra-se num grande impasse; destrói sistematicamente a sua identidade ao
colocar a economia financeira como leitmotiv da civilização. Isto é
constatável se observamos o seu pragmatismo selvagem que não reconhece na
Constituição os seus pilares éticos do judeo-cristianismo, do direito romano e da
filosofia grega para se abrir ao desconhecido e à anarquia do voto do braço erguido.
A ganância económica e o lucrativo negócio com as armas justificam uma
imigração selvagem criadora de grandes problemas para as gerações futuras e a
destruição de aquisições humanas que se pensavam irreversíveis.
(Que uma sociedade aberta como a europeia renuncie a
fronteiras é consequência do seu desejo de se formar como bloco perante outros
blocos. O seu maior erro está, porém, em renunciar às colunas que constituem a
civilização ocidental. O trágico está na irreversibilidade da situação que se
criou já não baseada numa filosofia consistente mas no imperativo do
pragmatismo factual que segue um liberalismo económico desrespeitador de tudo o
que é pessoal e cultura adquirida. Devido à sua proximidade com a Europa e à,
cada vez maior incapacidade de discernimento dos povos europeus, a longo prazo,
a beneficiada desta filosofia pragmatista, será a cultura árabe, a não ser que
se forme nela uma camada social média abrangente, fruto duma revolução
religiosa cultural, à imagem da revolução protestante na europa, que a liberte
de restrições religiosas a nível de ética e hábitos e em que a antropologia
ganhe relevância sobre a sociologia.)
Necessita-se uma política antropológica contrária à
ideologia económica monetarista e ao liberalismo vencedor desencarnado.
Naturalmente que o reconhecimento do outro também mexe com a própria
identidade; esta revelou-se a vantagem da civilização ocidental perante outras
civilizações: uma abertura com significado e sentido. Nesta base será possível
determinar novas políticas. Johan Baptist Metz, fundador das Novas teologias
políticas, defende a valorização da Autoridade do Sofredor na humanização do
mundo. Neste sentido, seria óbvia uma ética que reconheça o rosto da verdade
nos pobres e que distribua a riqueza pelos continentes.
Não se trata de criar identidades submersas mas de
integrar a própria diversidade na unidade duma realidade integral à maneira da
complementaridade da verdade expressa na fórmula trinitária.
Daqui resultam direitos e deveres – responsabilidade ética
- de cada um perante todos e de todos perante cada um (pessoa simultaneamente
individuo e colectivo). A pessoa alcança um caracter universal e, como parte
dele, é portador da sua dignidade. Há que voltar à reflexão cultural. A redescoberta
da fórmula trinitária poder-se-ia tornar numa plataforma da complementaridade
das partes num grande todo sem lugar para hegemonia duma cultura/religião sobre
a outra, dado a diversidade natural e cultural serem a melhor condição possibilitadora
de desenvolvimento individual e colectivo. Torna-se urgente a formulação de uma
política do diálogo intercultural neste sentido.
A apreensão da realidade, tal como a sua moldação, depende
do ponto de vista ou da perspectiva, como dizem os jesuítas. A sabedoria está
em reconhecer a complexidade das diferentes necessidades e usos. Uma anedota
relativamente inofensiva, que li no “manager magazine” 10/2013, conta que um
beneditino, um dominicano, um franciscano e um jesuíta se encontravam a rezar
na Igreja. De repente, apagam-se as luzes. O beneditino continuou a rezar
firmemente as orações do seu breviário, porque ele sabia-as de cor. O
dominicano quer liderar um debate sobre a luz e as trevas na Bíblia. O
franciscano louva Deus por ter dado a
escuridão ao povo. E o jesuíta levanta-se e vai mudar o fusível. Todos têm
razão, na medida em que agem em função do todo. A atitude pragmática do jesuíta
revela-se eficiente e apresenta-se como uma perspectiva duma realidade que se
modela diferentemente.
©António da Cunha
Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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