Um
Exemplo para Portugal e para a Lusofonia: Bad Wörishofen
António Justo
Bad Wörishofen pode considerar-se
um modelo em questões de integração de inteligências e interesses
complementares no âmbito da saúde, da política, da economia, da formação e da
cultura; os diferentes sectores da cidade desenvolvem estratégias comuns,
investindo, de maneira complementar e cooperativa, reagindo assim, de maneira
adequada, às potencialidades do meio, aos gostos do tempo e à procura do
mercado. Aqui se vê o testemunho de que a matéria-prima mais rica, que um lugar
tem, é a inteligência e a vontade de o transformar.
Quando, em 1975, estive em Bad
Wörishofen e, por curiosidade, pratiquei alguns exercícios de aplicação de água
fria nos braços e nas pernas, nas instalações dos parques públicos, recordei-me
de uma curiosidade de espírito semelhante, que tinha verificado em Portugal. Em
1972 encontrava-me como orientador de
alunos de Izeda, numa colónia de férias da praia da Areosa, a norte de Viana do
Castelo. Fiquei então surpreendido quando vi, no lusco-fusco da manhã, mulheres
vestidas, agarradas às pedras da praia sofrendo o embate das ondas frias sobre
seus corpos. Foi-me então explicado que o faziam por razões de saúde.
Em Bad Wörishofen impressionou-me
verificar como, o simples facto da diferença de temperatura de águas, aliada às
ideias e experiência de um visionário (“Pároco Kneipp”), ter transformado uma
aldeia de vacas numa vila que se pode considerar a sala de visitas de toda a
região com renome internacional. Quando penso em Portugal, lugar privilegiado
no mundo pela diversidade de riqueza de suas águas termais, já há dois mil anos
exploradas pelos romanos, surge-me um sentimento de melancolia e uma ideia
brilhante de um Portugal em florescência.
Por isto e por outras, todo o
pessoal de termas deveria visitar Bad Wörishofen para ver como aqui se
conseguiu unir,
em torno de uma ideia, o saber, as necessidades, as pessoas, a natureza, os
balneários, os parques, a cura, a cultura, as caixas de previdência, a repartição
de turismo e as finanças, no sentido de uma indústria da cura e do bem-estar
físico e psíquico geral. Bad Wörishofen juntou a tendência das necessidades
individuais e sociais com a inteligência económica, vivendo, hoje, toda a
cidade, dos frequentadores das “termas”, tornando-se actualmente também num
lugar de fixação de pessoas idosas abastadas. Esta pequena cidade com quase
15.000 habitantes tornou-se, segundo a apreciação da revista TIME, numa das 12
cidades da Alemanha mais dignas de visita.
Hidroterapia
e Dietética do Naturista Sebastian Kneipp
Sebastian Kneipp (Stephansried, 17
de maio de 1821 — Bad Wörishofen, 17 de junho de 1897) foi um sacerdote
católico, defensor do naturismo, que se dedicou ao estudo e promoção da terapia
através da água, revolucionando a medicina alternativa. Foi director das termas
de Bad Wörishofen e criador da Terapia Kneipp, uma estratégia hidroterapêutica
e dietética com muito sucesso.
Filho de uma família pobre do sul
da Alemanha, trabalhava
como pastor das vacas da sua aldeia, mas quando a casa da família ardeu e com
ela as suas árduas poupanças de 70 Gulden, abandonou a aldeia para trabalhar
fora, na condição de criado.
Como era inteligente, um capelão
ensinou-lhe o latim, preparando-o para a frequência do liceu. Durante os
estudos, tomou contacto com o herbalismo (uso e estudo das plantas
medicinais)
Era estudante de teologia quando
adoeceu de tuberculose e como conhecia o livro “Lições do Poder de Cura da água
fria” de Johann Siegmund Hahn, banhou-se repetidamente por alguns momentos na
água gelada (entre 5 e 10 graus) do Danúbio, ficando, depois disso, curado.
Este acontecimento impressionou-o de tal modo que o encorajou a fazer
aplicações diárias com amigos que sofriam de tuberculose e que se viram também
curados.
Em contacto com a “Associação
Amigos da Água”, que se ocupava do tratamento com água, mais se motiva a
dedicar-se à cura pela água. Um farmacêutico levantou uma queixa em tribunal
contra ele, pelo facto de violar a lei do comércio (curar sem credenciais, sem
licença para isso); foi então condenado a pagar 2 Gulden por “crime contra a
proibição de curar”; esta lei ainda vigora hoje, sendo necessário para o
exercício de curar, um título ou diploma. O pároco Kneipp foi várias vezes
processado pela medicina escolar. Dado ele não levar dinheiro pela cura e só
tratar casos declarados como impossíveis de cura pelos médicos, foi-lhe então
permitido curar os tais casos dados como perdidos pelos médicos.
Wörishofen
recebe o título de estância termal (= Bad)
Na altura grassava na região uma
epidemia de cólera e ele, ao ver tanto sofrimento e miséria, desrespeitou a lei
curando 42 pacientes, sendo, por isso, apelidado de “capelão da cólera”. Apesar
disso, o próprio bispo, instigado pelos críticos de Kneipp, instruiu-o no
sentido de se dedicar apenas à sua missão de cura de almas. Em 1855 foi
transferido como capelão para o convento das dominicanas em Wörishofen. Aqui, pessoas de ambientes ricos,
nobres e clericais cada vez procuram mais a sua ajuda.
Atendendo ao sucesso de Kneipp, o
imperador Wilhelm von Preußen declarou a liberdade de cura para a região da
Baviera; a Associação dos Médicos protestou contra a nova lei.
Kneipp passa a atender então as
pessoas juntamente com um médico que o apoiava. Kneip escreveu os livros “Minha
Cura com a Água” e “Assim deviam viver”.
Em Agosto de 1889, Wörishofen já
não tinha capacidade para albergar os 4.000 candidatos à cura; dois anos depois
já eram 6.000 e em 1893 Bad Wörishofen já contava com 33.134 clientes hóspedes
de cura e mais de 100.000 outros visitantes. Constroem-se muitos balneários e
surgem então associações Kneipp.
A Câmara municipal interessa-se
pela exploração da cura em Bad Wörishofen; Kneipp exigiu à Camara a
criação de um departamento de caridade para órfãos e doentes carentes com
direito a serem tratados gratuitamente e a um médico. Em 1892 é contratado um
médico de termas para tratar gratuitamente pacientes pobres.
Kneipp viajou por muitos países a
expor o seu método terapêutico com a água. Hoje o seu método encontra-se
aplicado internacionalmente em muitos lugares de cura. O filantropo viu a sua
acção coroada ao ser recebido pelo Papa e nomeado Camareiro secreto pontifício.
Em 1920 a cidade Wörishofen
recebeu o título Bad=lugar de cura, passando a designar-se Bad Wörishofen. Na Alemanha há hoje 600
associações Kneipp com cerca 160.000 membros.
Aplicação
do Método Kneipp nas Termas / Lugares de Cura
Sebastian Kneipp tinha um pensar holístico e dizia:
"A natureza deu-nos em abundância tudo o que se precisa para ficar
saudável." Considerava o ser humano integrado no seu biótopo, advogando um estilo de vida em
equilíbrio e em unidade de vida com o seu ambiente natural; propagava, nessa
qualidade, as curas naturistas e a medicina preventiva.
Os cinco pilares da sua filosofia eram: água,
plantas, movimento, alimentação e balance (equilíbrio na acção).
Corpo e alma encontram-se numa relação estreita de
equilíbrio com os elementos da natureza, água, plantas, movimento ("A
movimentação aumenta a paixão pela vida e ajuda o homem através do
fortalecimento do seu corpo"), nutrição ("Enquanto não houver uma
mudança drástica no nosso sistema alimentar, não podem ser resolvidos os danos
de que a humanidade sofre; não resolvidos, ainda se tornará pior.", etc.
O padre que tratava toda a gente por tu, não
exceptuando sequer o imperador, dizia: "Nada se pode tornar mais
prejudicial para a saúde do que o modo de vida dos nossos dias. Deve ser
encontrado um equilíbrio, a fim de revigorar os nervos supertensos e manter a
sua força”.
"Para
mim, se há um meio de cura, esse será a água", dizia o Cura Kneipp
A Água
Através de esguichadelas de água
(estímulos, de leves a fortes) provoca-se o fortalecimento dos poderes de
auto-cura do corpo. A
energia que surge da aplicação externa de água de temperaturas fria e quente,
estimula a circulação sanguínea, promove o metabolismo corporal e a
desintoxicação do organismo.
Há cerca de 120 aplicações da
água, entre elas, lavagens, banhos de ervas, banhos alternados com água quente
e fria, “esguichos relâmpago de água”, embrulhar em roupa.
Uma delas, a imersão dos braços em água fria, também chamada "O café de
Kneipp" revigora o corpo e actua contra a fadiga mental.
A aplicação mais conhecida de
Kneipp é a pisa da água fria. “O ‘jacto de água fria lançado no joelho’
torna-se eficiente contra os pés frios, fortalece o sistema imunológico e ajuda
quando se têm pernas pesadas, varizes, agindo ainda como anti-inflamatório”
(Cf. http://www.kneipp.de/de/kneipp_philosophie/wasser.html).
As Plantas
A fitoterapia (medicina à base de
plantas) conhece, para
cada sofrimento, uma erva correspondente.
Das 45 plantas que Kneipp usava,
segundo ele, a mais querida era a erva arnica que operava maravilhas contra
hematomas, contusões, entorses, dores musculares e doenças venosas.
Alecrim estabiliza a circulação, Junípero (a
fertilidade), erva-doce, alho (anti envelhecimento, afrodisíaco) e cardamomo. Aléo Vera - o "cactus das
feridas"- relaxa, limpa a pele e fortalece o sistema imunológico.
O emprego das ervas medicinais
(“medicina monástica”) sempre foi usado nos mosteiros e era mantido na tradição
dos jardins dos mosteiros.
São bem conhecidas as propriedades
curativas de ervas e plantas seleccionadas, tal como o emprego da argila praticado e
transmitido em muitos conventos, como já recomendava o nosso papa médico
português João XXI na sua obra "Tesouro dos Pobres" onde descreve o
tratamento com produtos medicinais vegetais, animais e minerais. Nela se
encontram receitas tanto para abortar como para fomentar a fecundidade. Hoje
empregam-se, de forma eclética, os mais diferentes modos de terapia.
O Movimento
Comparava o corpo com uma máquina
de ferro que exposta ao tempo, sem movimento, ganha ferrugem. Nos seus
exercícios, à moda do tempo, recomendava cortar lenha e a debulha, caminhar
descalço, nadar, etc. "Tudo a seu tempo e tudo na medida certa". "O que faz bem à mente, não
pode prejudicar o corpo".
A Alimentação:
Uma vida saudável implica que se
desfrute com todos os sentidos. Para isso é importante uma atenção especial ao
estilo de vida e aos hábitos alimentares. Água, plantas, exercício físico e a
alimentação são os elementos que colaboram para o balanço da vida saudável e
fomentam o entusiasmo pela vida. (Cf. http://www.kneipp.de/de/kneipp_philosophie/ernaehrung.html)
Não é preciso fazer dieta para se
sentir bem; para Kneipp é importante uma alimentação equilibrada e reduzir a
gordura; é útil moderar o consumo de carne em favor do peixe e consumir muita
fruta e vegetais; beber muito (2 litros) especialmente águas minerais e chá de
ervas ou fruta. Um grama de gordura animal tem o dobro de calorias de um grama
de carboidrato ou de proteína. Recomenda o pão integral, cereais, painço e
espelta. É de suma importância o equilíbrio da saúde física, emocional e
energética.
Aplicações e tratamentos
O mais conhecido dos cinco
pilares da filosofia da Sebastian Kneipp é a aplicação de água fria e quente,
que é feita através de esguichadelas, banhos de braço, banho com mangueira a
partir do pé e subir para a perna e vice-versa, banho do joelho, banho do corpo
inteiro, embrulhamento depois do banho, pisa da água e andar descalço. As
aplicações causam efeito sobre o sistema imunológico, a pele, e muitos outros
processos metabólicos.
Indicações terapêuticas
Deficiência imunológica,
Resiliência, Bronquite, sintomas
respiratórios, infecções dos seios, sinusite rinite crônica, doenças otorrinolaringológicas crônicas, doenças urinárias ou ginecológicas;
calafrios, crises de gota; doença cardiovascular, má circulação, cólicas
menstruais, dor nas costas, lombalgia, dor nas
articulações, tensão, dor ciática, doença
degenerativa das articulações, osteoporose, irritação
articulações, músculos; reumatismo, mal-estar, fadiga,
cansaço físico e psicológico; distúrbio
metabólico, doenças de pele, eczema, Estresse, reforço da resistência,
distúrbios vegetativos, insónias, mau humor, doenças de órgãos funcionais; doença venosa, varizes, problemas circulatórios, tinnitus, flebite,
Indigestão, constipação e distensão abdominal, condições espasmódicas na área abdominal.
Como prevenção: doenças da idade e estilo de vida, infecções, resfriados, estresse.
À Laia de
Conclusão
Bad Wörishofen
fez de Kneip o seu escudo, a marca dos seus reclames e sucesso.
As riquezas
naturais da mais-valia das termas portuguesas poderiam ser ainda mais
enriquecidas com o conceito, métodos e técnicas que se reúnem em torno de Bad
Wörishofen e da filosofia de Kneipp. Imaginemos os potenciais económicos e de
mercado que se encontram no âmbito do turismo, de tratamentos e também de
aposentadoria para pessoas abastadas de proveniência internacional. Imagine-se
uma acção concertada com os países da Lusofonia! Aí se encontram investidores e
clientes com vontade de realizar uma via própria da lusofonia.
O potencial da
economia termal para o desenvolvimento local e da hotelaria e do turismo
nacional, já nos é indicado desde o Império romano, em que a classe alta romana
frequentava as termas de Portugal.
Unir o
termalismo e os lugares de cura a uma política de promoção do regionalismo e a
uma cultura do bem-estar e do turismo da saúde, são objectivos que poderiam
atrair rios de dinheiro da União Europeia; para isso são necessárias concepções
e projectos bem fundamentados com perspectivas económicas. (A dedicação a estes
projectos, pelos nossos deputados provenientes das regiões, justificaria grande
parte da sua acção!...). Temos de deixar o jogo das escondidas das conversas
para se passar a uma política e economia de acções concertadas. A conversa nunca é certa se deixa
espaço para reticências. Uma sociedade avançada atesta-se nas obras.
Portugal tem
condições excepcionais para se tornar, a nível europeu, na vanguarda termal e
com excelentes lugares de cura. Precisam-se, para isso, investidores e
políticas viradas para o fomento dos recursos locais. Precisam-se inteligências
livres e fábricas de pensamento que, a nível local/regional, consigam projectos
envolventes que as autarquias depois concretizem em colaboração com os
diferentes parceiros.
Torna-se
necessária e oportuna a aplicação da directiva comunitária Europeia nº 24/2011
relativa aos cuidados de saúde transfronteiriços. Não chegam congressos,
precisam-se acções concertadas dos políticos da região, de investidores
nacionais e internacionais (Capital de Angola!), médicos, técnicos da saúde e
do turismo, com o apoio das universidades locais como motores do fomento
económico e regional…. No sector da formação poderia haver formação e
intercâmbio de práticas de cura promovidos pela UE…
Seguir o desenvolvimento da
hidrologia, a nível prático, tornar-se-ia muito eficiente no combate às doenças
crónicas, perturbações funcionais e doenças da civilização. O investimento na
indústria da saúde será a aplicação mais rentável para as próximas gerações.
Qualidade e humanidade são critérios muito atraentes para
diferentes públicos com exigência/posse.
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu
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