NATAL NÃO É SÓ UMA “FESTA CRISTÃ “
António Justo
Tal como o catolicismo, num acto
de aculturação e inculturação, assumiu muitos dos costumes, ritos e festas dos
povos com quem esteve em contacto (p.ex.: as celebrações em torno do solstício
de inverno), também o mundo secular de hoje assume festas cristãs, nas suas festas
irreligiosas, como se observa no Natal onde o aspecto religioso quase não se
nota. Se antes se dava uma cristianização de
costumes pagãos, hoje assiste-se à paganização de costumes cristãos. Assim a
nossa atenção perde-se, por vezes, no cheiro da canela, no vinho quente, nos
bolinhos, rabanadas, luzes e velas.
Como se vê, pessoas crentes e
mesmo ateias aprendem umas das outras muitas vezes, seguindo a força da rotina.
Nestas condições a religião corre o perigo de ser banida da vida ou relegada
para um sector do cotidiano como o futebol ou o teatro, num pacote do tudo
incluído na luta pela existência, pelo dinheiro e pela saúde.
Embora o Natal continue presente
de várias formas, a religiosidade é um bem humano fundamental a perseverar e não
perder.
No passado, a sociedade ocidental
era determinada pela orientação religiosa, por vezes, moderada por alguns
grupos irreligiosos. Este facto levava a pastoral eclesiástica a descurar estes
grupos que, por outro lado, precisariam de cultivar o seu caracter religioso.
Entretanto os grupos seculares
assumem mais relevância o que obrigará a Igreja a encontrar formatos e maneiras
de diálogo (por exemplo com a arte e com iniciativas locais) que sejam comuns
ao mudo secular e religioso. O padre terá de sair do seu gueto para que não se
formem dois grupos (o religioso e o secular), ambos a caminhar paralela e
solenemente um ao lado do outro. Será preciso criar sobreposições e pontos de
encontro em acções comuns. Quem não
reconhece que a realidade acontece no ponto de intersecção dos diferentes
interesses, passa a vida a fugir dela ou a combatê-la.
A mensagem do Natal ensina que
todo o ser humano veio ao mundo por vontade divina. Deus criou o mundo e viu
que o que fez era bom. Quem reconhece no cristianismo um projecto de excelência
para o mundo deverá deixar o Espírito Santo actuar nele e deste modo
descobrir-se e renascer continuamente. Ele é aberto e não limita, ele chama
todos à comunidade da noite da consoada como o pai que não discrimina os nomes
dos filhos. O fogo natalício de cada pessoa será a luz que poderá iluminar
outros a descobrir o Nazareno e a iluminar a noite do mundo.
Tradição: Um Elo de União
Há tanta gente a queixar-se do
estresse natalício ou do consumismo em torno do Natal. Fazem lembrar a parábola
do Evangelho das sete virgens prudentes e das sete virgens loucas!
O Natal é uma oportunidade para
se romper com a normalidade da vida cotidiana; é o tempo das tréguas e da paz. Depois
do tempo do jejum ou do estresse, que por vezes nos divide, todos se reúnem em
torno de uma mesma mesa, todos juntos não só uns com os outros mas também com
as gerações passadas, unidos na tradição de comidas e bebidas e na encenação
com velas, e no brilho emocional em tudo colocado na preparação da festa. A arte da rica culinária individualizada, destes
dias, é também ela testemunha de carinho, dedicação e ligação às pessoas e à tradição;
tudo isto nos demarca do dia-a-dia ou do consumo do supermercado. Esta
magia do natal não se deixa reduzir a sentimentalismos nem a lembranças da
infância, como quereriam os agentes da razão. Em Belém junta-se a luz das
alturas, a luz da razão, à luz do coração.
Saint Exupéry em “O
Principezinho” constata que “Só se vê
bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos. " Alguns, para não terem de chorar
preferem ficar no mirante de uma racionalidade fria não se deixando cativar
como dizia ainda Saint Exupéry “A gente corre o risco de chorar um pouco quando
se deixa cativar…” De facto, o presépio ensina que “Amar não é olhar um para o
outro, é olhar juntos na mesma direção...”.
Natal é família
As
expressões familiares vão-se mudando mas a família permanece. Na família tudo
se junta, passado e futuro, o divino e o humano.
A gruta
de Belém dá à luz uma nova luz. Uma virgem torna-se mãe, também para nos dizer
que na gruta de cada um de nós Deus pode nascer.
Também
Deus não queria viver sozinho, por isso se veio encontrar-se connosco na gruta
de Belém para festejarmos e cantarmos com os seres celestes e terrestres o
hosana nas alturas. Na metáfora do presépio, na origem da cristandade,
participam não só pai, mãe e filho, mas também os anjos, os seres celestes, os
pastores, o burro, a vaca e os reis magos. No presépio tudo se encontra e
reconcilia para se tornar irmão e poder reconhecer-se no irmão Jesus. Jesus
também nasce fora da família apetecida, fora da família da propaganda do
chocolate.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu
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