Republicanismo e Terrorismo em
Luta contra a própria Descrença
Atentado de Paris - Cultura árabe e sua
Ficção em Efervescência
António Justo
O mal é como o cuco; procura ninhos
alheios onde coloca os ovos que outros chocam.
Não nos encontramos num conflito
religioso como a república, o cinismo ou a ingenuidade da ‘correcção política’
nos quer fazer entender; trata-se, por um lado, de um confronto de culturas em
que uma cultura árabe, através da religião, quer afirmar a sua supremacia
geoestratégica contra outras supremacias e mundivisões; trata-se da falência de
uma política ocidental de estratégica errada que tem desestabilizado o mundo árabe
e as sociedades ocidentais e trata-se por outro lado dos paradigmas da ciência
(razão) e da religião (sentimento) falidos que se confrontam num estado secular
vazio e desautorizado.
Estados
malcomportados recusam-se a encarar as consequências das suas ideologias, políticas
económicas e realidades sociais por elas criadas, pensando que os problemas com
que se debatem se podem iludir e adiar, bastando para isso qualificar o
efervescer da sociedade como conflito religioso ou como uma questão de
estrangeiros, extremistas e racistas descontentes. Isto não passa de uma
impostura fraudulenta, de que a república secular se serve, para jacobinamente
desacreditar a religião dos seus cidadãos para melhor poder continuar a
desobrigar-se num modo de vida ad hoc.
O cerrar fileiras da classe política
europeia e o sucesso da “marcha republicana” de Paris, não nos pode iludir do
facto que os modelos da religião, da ciência e da política falharam,
encontrando-se a sociedade no início de um caos de guerrilha e de asilo
interior. Profanaram o templo do povo e agora andam à procura dos
cacos!
O Ocidente
perdeu o sentido, não me refiro ao religioso; perdeu o seu tecto metafísico,
abusou de si e dos outros; agora colhe os frutos do que plantou.
A alienação ideológica, religiosa,
secular, científica e política, em que se tem vivido, demole todos os padrões
acabando na autodestruição. Na falta de sentido e visão global da
vida, resta a guerrilha da opinião em nome de não importa o quê. Uns combatem
em nome da república contra Deus, outros em nome de Deus contra a república,
cada qual atrás da sua bandeira, sem contar com o próximo. Chega a ter-se a
impressão que um estado ou uma religião que prescindisse de combater perderia
os seus heróis e os seus santos/mártires.
Numa sociedade
moderna estressada, tudo passa a ser soldado num campo de batalha em que todos
se provocam; os caricaturistas lutam pela liberdade, os islamistas combatem
pelo seu Maomé e os tolerantes lutam contra a intolerância dos intolerantes. Na
nossa luta pelas verdades republicanas tudo se julga bom sem notar que
justifica a luta pela luta e procura o sentido nela.
Se se observam
as coisas mais de perto, pode chegar-se à conclusão que o combate é o mesmo e tem a mesma fonte: islamistas e caricaturistas combatem a própria
incredulidade. Os radicais da república, da liberdade ou da religião têm
problemas de balance, faltando, na sua personalidade, o equilíbrio entre
sentimento e razão, passando assim a um estado de recalcamento, nuns da
religiosidade (afecto), noutros da racionalidade. E como racionalidade e
afectividade não se juntam o homem combate-se a si mesmo.
Na Europa o povo
sente-se inseguro; não se sente levada a sério pela classe política e tem medo
de falar espontaneamente porque o seu falar pode não corresponder ao pensar politicamente correcto que
determina o que é opinião boa ou opinião má e isto tem consequências
drásticas imediatas no seu ambiente de convívio, porque, de repente, pode ser
deitado ao ostracismo, pelo simples facto de pensar diferente da manada ou dos
seus diferentes pastoreios. O pensar politicamente correcto, tem medo do
pensamento diferenciado e, para manter a sua hegemonia, logo coloca uma opinião
não conforme, na esquina ou cena dos extremistas de direita ou de esquerda. Isto
acontece na escola, entre colegas docentes, entre amigos ou conhecidos e em
meios sociais como Facebook, etc. Deste modo se evita uma maneira de estar
racional e humana porque evita o pensamento logo à partida e impede a prática
da tolerância.
Por todo o mundo há incêndios e incendiários
mas a sociedade encontra-se à chuva e o busílis é que ninguém sabe onde
abrigar-se. O que a sociedade civil critica na sociedade árabe, como a prática
do gueto, pratica-o ela mesma, na medida em que cria os seus guetos de opiniões
e mentalidades cerradas (partidárias, religiosas,
ideológicas) numa sociedade declarada aberta mas com carris ideológicos que determinam
o desencontro das pessoas.
Por vezes tem-se
a impressão que, na opinião pública, estados laicos se servem do islão e da
religião para segundas intenções. Onde se procuram culpados não se procura
solução; ao poder interessa manter as massas distraídas e em filas para que uns
se contentem com o ter razão e outros com ter o poder.
A classe política, em muitos sectores,
brinca com o fogo, contentando-se com o rumor do ventre da sociedade que se
expressa em posições antagónicas de grupos, por vezes direccionados, que se
desqualificam uns aos outros e deste modo ilibam os governos de
responsabilidades. Além de não saberem lidar com sentimentos só sabem enquadrar
a realidade em termos alternativos de sim-não e de ou-ou.
Continua em “O
pensamento está de férias em tempos emocionais”
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu
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