NACIONALISMO SURGENTE - UM SINTOMA DE CRISE E DE INSTABILIDADE
Salvar a Europa ou as suas
nações?
António Justo
Na Europa assiste-se a uma onda de indignação
contra a onda do nacionalismo crescente que indignado reage contra
transformações políticas, económicas e sociais, sentidas como ameaças à própria
identidade e aos bens adquiridos. A União
Europeia insurge-se contra os europeus e os europeus insurgem-se contra a
Europa.
Concorrência
no mercado das opiniões
A ideologia socialista que num primeiro momento da
industrialização se revelou oportuna precisaria de uma revisão radical, para se
não tornar prejudicial, num momento da História que precisaria de maior tempero
e equilíbrio na rapidez do progresso para se proporcionar um desenvolvimento
sustentável mais adequado às pessoas e aos povos. O mesmo se diga do
capitalismo liberal!
A ideologia nacionalista,
como sintoma de crise e de instabilidade económica e social, corresponde à maré
vazante depois de uma maré cheia anterior (de melhor bem-estar
económico e social) demasiadamente
aberta, virada para fora, para a expansão e desacautelada em relação ao próprio
centro (os interesses do próprio Estado, da cultura e da economia nacional foram
negligenciados e a imigração muçulmana, incontrolada e, em parte, incontrolável,
atenta contra a unidade cultural continental). Uma cultura prematuramente
aberta e apressada questiona o próprio desenvolvimento orgânico e ordenado, a
que poderia chegar com mais eficiência em ritmo menos acelerado.
O nacionalismo começou a ganhar maior expressão
com a revolução francesa e especialmente com a revolução industrial inglesa que
desestabilizou a ordem social, ao provocar a emigração dos lavradores e dos aldeões
para as cidades.
De
aldeão para cidadão
Com o abandono da terra e do campo e com a consequente
concentração do povo nas cidades deixa de valer a estabilidade de uma economia
de caracter familiar para se passar para uma economia de caracter individual
mais acentuada no capital. Passa-se das famílias alargadas para as famílias
pequenas - estas condicionadas por uma economia de proletariado agarram-se a
novas mundivisões).
A insegurança do indivíduo na cidade e a
instabilidade política citadina teve como consequência o fomento do
individualismo que passa a procurar a segurança na nação (Um certo patriarcalismo familiar desaparece e o indivíduo, longe dos
seus, procura o seu substituto na nação). A emigração do povo do campo para a cidade leva-o a deixar a igreja na
aldeia e a desvalorizar a importância da família alargada (actualmente até
a família pequena é posta à disposição dos maiores ataques). Nas cidades as
torres da Igrejas começaram a ser atafegadas pelas chaminés das fábricas e
pelas torres dos bancos. Mudam-se os costumes mudam-se as mentalidades.
A concentração das pessoas na cidade cria um novo tipo de pessoa: surge o
cidadão a tecer novos sonhos que posteriormente se revelam, também eles,
sem asas, com as naturais desilusões.
A família, a geografia, o campo e a agricultura
deixaram de ser garantes de valores duradouros e de estabilidade a nível
individual e social. O indivíduo distancia-se e afirma-se perante a família: destrona-se o pater famílias, destrona-se o
rei; o nós das famílias transpõe-se para o nós nacional.
Surge o indivíduo isolado, com menos laços; o que
vale agora é a força de trabalho e o capital que ela produz; o citadino, procura
agora a estabilidade social e afectiva em novas ocupações e organizações; a
vida da polis, a organização laboral e do Estado, fomentam nele o sentimento
nacional.
A República vai-se afirmando como barco no mar
revolto e o cidadão já não vê outra perspectiva senão agarrar-se ao
nacionalismo, quando as ondas da economia tumultuosa do século XIX e do início
do século XX assolaram as cidades.
Uma crise económica e social na Alemanha, na
sequência do acordo de paz de Versailles (imposto à Alemanha em 1919),
revela-se como acordo fomentador do nacionalismo porque ao estagnar a economia
alemã cria instabilidade social que leva ao nacionalismo que preparou a segunda
guerra mundial.
A
solução é ambivalente: Salvar a UE e/ou salvar o destino dos países
A crise económica e financeira de 2008 transbordou
de tal modo que castigou a classe média e média inferior, aquela que é a base da
sustentabilidade das sociedades nos Estados.
O Brexit é a consequência e
expressão séria do nacionalismo que por todo mundo efervesce. De facto, os políticos da EU que
representam os interesses das organizações e relações internacionais
encontram-se num beco aparentemente sem saída. Efectivamente, a Europa encontra-se numa situação ambivalente entre os
interesses nacionais e os interesses civilizacionais continentais (em
concorrência com outras civilizações).
Muitos representantes das nações sentem que para
resolverem os problemas nacionais teriam de quebrar com as relações da UE (como
faz o Reino Unido). A situação é
desesperada porque a tentativa de resolução de uma situação pressupõe o ataque
à outra de que também se depende. Por um lado, o desenvolvimento da civilização
ocidental exige de si uma organização supranacional; por outro lado, o não desenvolvimento de
muitíssimos países no sentido de consciência nacional, de povos nação (típico
europeu) exigiria um abrandamento no
desenvolvimento do centralismo europeu até agora seguido no sentido de formação
de um bloco coeso; o abrandamento teria como consequência o fortalecimento das
culturas nacionais a nível mundial e proporcionaria mais tempo de formação da
consciência nacional a países a que o sentimento de Estado-povo-nação não é
próprio, devido a uma socialização de tipo mais regional e tribal e a uma outra
velocidade civilizacional.
As nações não podem sobreviver sós. Surge
a ambivalência: salvar a União Europeia ou salvar o destino dos países. Por
outro lado, em situação de crise quem difama a ideologia nacionalista esquece
que o convívio internacional tem o seu
substrato e legitimação nas nações. As
relações internacionais e mundiais baseiam-se numa estrutura social e geográfica
de um mundo que consta fundamentalmente de nações e a sua destruição
conduziria a um internacionalismo caótico que só favoreceria ideologias extremas
de uma esquerda improdutiva e ao atropelamento do desenvolvimento de povos (por
ex., países africanos delineados pela régua e regras de protectorado) que ainda
não sofreram os processos de desenvolvimento social e políticos a que esteve sujeita a Europa na sua longa história
de cultura, conflitos e concorrências que a levaram ao que se tornou no
pós-guerra.
No meio de tudo isto, e para colocar algumas achas
na fogueira do nacionalismo, temos os estados soberanos em dívidas e uma
Alemanha, que, em nome da EU, obriga os estados membros a receberem os
refugiados muçulmanos que além de gastos trazem consigo problemas exclusivos e
o aumento da ameaça. O agir da economia
e da política favorece o nacionalismo e este, por sua vez, legitima o
autoritarismo e a intolerância. Uma política da ambivalência gera
dependentes e fanáticos.
A acentuação do imperialismo na EU tem
desrespeitado uma digna autodeterminação das nações; para as nações
economicamente menos fortes o mercado livre e aberto vai contra os interesses
nacionais porque não têm capacidade tecnológica de concorrerem com os mais
fortes nem capacidade competitiva na concorrência com economias mais fracas
devido a ordenados e estatuto de trabalhadores mais baixos.
A classe dominante ocidental queixa-se do
nacionalismo russo e chinês e vê-se confrontada com a cultura árabe de caracter
hegemónico. Levada pela força da inércia não muda de estratégia e adia o
encontro de soluções aferidas e válidas.
O nacionalismo e a ideologia
hegemónica legitimam o autoritarismo e até a ditadura como se observa no
fenómeno Erdogan e Turquia. São fenómenos que incrementam a desconfiança contra o vizinho e, como tal,
tornam-se nos melhores armeiros do futuro. Cada sociedade tem a sua economia e
as suas crises e gera em cada tempo a ideologia do mainstream e ideologias
acompanhantes; de momento garça o nacionalismo de um lado e o esquerdismo do
outro, as melhores forjas do fanatismo e do dogmatismo da opinião.
A Europa já sente o rumor do nacionalismo no seu
ventre. Os EUA, para legitimar novas tomadas de posição, puxam agora do trunfo
nacionalista na luta contra a concorrência chinesa que tem beneficiado da economia
liberal que deu origem a um grande défice comercial americano em relação à
China.
Grupos extremistas são os beneficiados
de guerras, crises e do caos. Importante é que governantes e governados não percam a cabeça porque o
nacionalismo é um tubo de escape em situações de crise; afinal, uns e outros
formam a mesma nação; o que seria mais apropriado para uns e outros seria um
patriotismo moderado.
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e
Pedagogo (História e Português)
Pegadas do
Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4230
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