sexta-feira, 28 de julho de 2017

CORPORATIVISMO PORTUGUÊS DESVINCULADO E ALÉRGICO A CONSENSOS


Entre Coletivismo do Inconsciente nórdico e Individualismo do Inconsciente latino


Por António Justo

O apóstolo Paulo na Carta ao Coríntios 12, 12-31 oferece a visão mais antiga de corporativismo e concebe-o como uma forma orgânica de política e de sociedade como um corpo (metáfora do corpo místico de Cristo); no período da industrialização a Rerum Novarum (Papa Leão XIII1890) reconhece os direitos laborais corporativistas que servem de base às democracias cristãs e à organização de sindicatos. 

Esta concepção de corporativismo contrasta com um corporativismo encerrado nos interesses de agremiações estanques e contra o Estado.

O regime corporativista de Salazar era um modelo de “corporativismo económico” paternalista e anticapitalista (1), ligado à terra, que deu lugar a um modelo de “corporativismo ideologizado” mais sob a égide partidária em que a solidariedade social se opera já não tanto em termos naturais orgânicos de associações produtivas, mas de maneira abstrata em termos ideológicos, agora em conluio com o capital. 

O povo, já não vinculado à terra e aos seus grémios corre o perigo de passar a viver em balões de ideologias que lhe reservam sobretudo o papel de consumidor, prosélito ou mero votante.  Se antes dominava o paternalismo de Estado agora domina o Estado partidário (2).

Entre solidariedade social económica e solidariedade social ideológica


O corporativismo português é centralista, de caracter autoritário e ideológico; nele os modelos de acção e decisão das corporações mais que orientados para o consenso de grupos, para o cidadão e para o Estado encerra-se em grupos de interesses.  

O resultado do rendimento nacional e o estilo de discurso politiqueiro revelam que o corporativismo do Estado Novo foi continuado na sua mentalidade porque enquanto este procurava impedir a acção cívica individual substituindo-a pelo interesse dos grémios, o 25 de Abril cria novas solidariedades, já não tanto assentes na economia e na cultura, mas na solidariedade ideológica, também ela não fomentadora da acção cívica individual, porque baseada nos interesses de corporações partidárias. O 25 de Abril de coloração comunista aliado ao socialismo radical ad hoc nunca estive interessado em aceitar colaboração entre classes: o marxismo vive da luta de classes apostando, por isso, no conflito, não estando interessado numa política de integração das classes na sociedade; o capitalismo liberal de mistura também não está interessado numa política concreta de integração das camadas sociais porque parte do princípio que o mercado regula tudo por si mesmo….  O novo regime, na tendência, aposta numa utopia socialista transportando para os partidos a ideia fascista, de que “as diferentes vontades políticas das classes estariam representadas nas associações”. Os interesses do corporativismo afirmam-se à margem do cidadão em geral.

À ideologia da luta socialista marxista de classes vem mais tarde juntar-se o Individualismo liberal anárquico. Em Portugal, a representação de interesses, embora plural revela-se impeditiva da competição e como garante de um certo jacobinismo ideológico herdado da revolução liberal e cultivado pela rede da maçonaria infiltrada em diferentes organismos da política e do Estado. Confunde-se mercado económico com mercado ideológico, como se nota em certos sectores da universidades e em grande parte no MEC em espaços políticos controladas pelo espírito de um corporativismo ideologizado. 

A disputa entre associações empregado-empregador não é querida e por isso não parte da realidade no terreno nem do país real.  Em vez de termos uma democracia de caracter inclusiva concordante temos um sistema de divergências. Os extremos da ideologia capitalista e socialista juntam-se em Portugal impedindo-o 

Uma luta de identidades baseadas nos solos e subsolos de capelinhas mantem-se coesa sem ter em conta a identidade e a coesão de um Estado que para ser coeso dependeria da solidariedade de povo e das instituições, mesmo daquelas que se afirmam pelo contra, mas que deveriam estar conscientes da identidade tecto que é geograficamente o Estado.

No Jogo Yin Yang entre Família e Estado e Estado e Família


Neste contexto acho digna de nota a sociedade alemã na maneira como consegue integrar os necessários conflitos entre organizações sociais e económicas, (patronatos e sindicatos) entre indivíduo e sociedade, numa dinâmica inclusiva em relação ao Estado, também ele reconhecido, por todos, como factor de identidade. Aqui o Estado integra o conceito de família, enquanto nas sociedades latinas a solidariedade familiar é mais de espírito privado e como tal mais individualista. 

É interessante ver-se como os estados de cunho mais protestante projectam o espírito familiar no Estado enquanto os Estados latinos atomizam mais esse espírito e esvaem-se no individualismo; quem vê de fora, certamente, constata uma certa contradição na dinâmica polar entre os países de cariz católicos mais centrados na comunidade (no nós) e os países de cariz protestante mais concentrados no eu; a um colectivismo do inconsciente nórdico parece opor-se o individualismo do inconsciente latino (existencialmente mais comunitário). Cada sociedade parece reagir externamente de maneira oposta a uma filosofia de substrato, procurando a vivência a nível imanente não se interessando por uma análise comparativa para lá do inconsciente colectivo. É interessante observar a vivência polar ad intra e ad extra das forças comunitárias e individualistas, dentro das sociedades e na relação destas com as diferentes culturas, num jogo de relações tipo yin e yang. 

Estado Novo como Corporação económica paternalista e Regime de Abril como Corporação mais ideológica

Assim, tecnológica e economicamente, os países do Sul estão condicionados à dependência dos nórdicos. Uma política sem interesse numa economia nacional própria, consequentemente, não fomenta a formação de consensos entre as corporações e entre as políticas… As relações entre empresários e trabalhadores, mais que fundadas na realidade económica e nos interesses económicos nacionais, assenta nos interesses individualizantes de forças partidárias de ideologias extremamente concorrentes (falta-lhe a experiência de uma economia social) que deste modo beneficiam uma ideologia de mercado.

Grande parte do discurso nos jornais portugueses de referência não se preocupa em fazer uma análise tipo sinopse relativamente ao regime de Salazar e ao regime de Abril, contentando-se em seguir os ditados da política assumida ad hoc e só na demonização do Estado Novo. O regime corporativista de Salazar, como modelo corporativista do Estado, foi sub-reptícia assumido e modificado no sentido do 25 de Abril, com o particular de se ter tornado ainda mais ideologizado pelo facto de o papel do Estado ser em grande parte assumido pelos partidos com os seus tentáculos, fundações, PPPs, etc., no lugar das corporações e associações produtivas…  Das corporações económicas do Estado Novo com o Regime de Abril passa-se para corporações ideológicas. A solidariedade social é organizada pela política em conluio com o capital da macroeconomia.

As corporações sindicais mais que especialistas em economia e interessadas numa interacção corporativa e na construção de um Estado de economia social preferem continuar a ter o patrão como papão (esquecem que trabalhadores empenhados fortalecem o empresário e este enriquece os trabalhadores – exemplo da VW e da economia alemã baseada no fomento de pequenas e médias empresas – as grandes empresas são importantes na concorrência a nível internacional). Um modelo de Estado arbitrariamente intervencionista, atua, muitas vezes, à margem da economia real da sociedade e dos interesses do bem-comum e, devido à prevalência ideológica (neocapitalismo e socialismo) fica condenado a ter de correr sempre atrás das macroeconomias.… 

Enfatiza o moralismo político com mediador de redes de interesses num mercado sem capacidade competitiva, com demasiada jerarquia funcional, e burocracia controladora dentro de um Estado com o monopólio de representação; o Estado não tem pejo em sobrecarregar as pequenas e médias empresas com os óbolos que têm de pagar para manter a burocracia formadora e fiscal. A nível de política de educação para melhor controlar a ideologia nacional considera as escolas particulares concorrentes e não elementos complementares enriquecedores do sistema, como se verifica em Estados ocidentais não socialistas.

Contraditoriamente segue-se o ditado da economia liberal e por outro um burocratismo parasita que além de reduzirem a produção impedem o desenvolvimento das pequenas e médias empresas. A Alemanha pode ser o exemplo de um Estado, com um orçamento com superavit, precisamente porque tem organizações fortes a nível de empresariado e de sindicatos, em que os interesses de mediação mais que ideológicos assentam em dados reais (o mesmo se diga da Suiça com oito milhões de habitantes e que alimenta os nacionais e muitos imigrantes que a enriquecem atrai imigrantes). Deste modo têm rendimento para manter um certo grau de justiça social, sem que o creme fruto da produção nacional não se limite só a alimentar as elites.

Independente deste texto recomendo a leitura de “O Poder local em Tempo de Globalização” (Fernando Taveira da Fonseca) que é um documento independente de ideologias e pode contribuir para  uma melhor compreensão e moderação da actual discussão político-social em Portugal.

© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo (Português e História)
(1)    “A organização corporativa, com toda a sorte de organismos que dela fizeram parte, foi a mais saliente e inovadora criação institucional dos estados corporativos no sentido de domesticar o capitalismo, compartimentando os interesses e impondo a colaboração entre «capital» e «trabalho» num plano nacional”. O corporativismo do Estado Novo sofre da mesma doença que sofre o corporativismo ideológico que se lhe seguiu: é um corporativismo ad hoc. O corporativismo num Estado pequeno pode perpetuar a velha mentalidade vazada sucessivamente em vasos novos. Tem-se por um lado a afirmação de interesses monolíticos e uma sociedade em geral ao sabor do vento.
(2)     Um aparte: A sociedade parece cada vez viver mais de uma dicotomia desequilibrada entre natura e cultua. Se no passado dominava a natureza atualmente domina a cultura (o desequilíbrio das duas forças vivenciais fomenta a crise e a pressa do declínio do Ocidente – numa luta da cidade contra o campo e na abstracção da vida social). Assim hoje vivemos numa sociedade chamada de mercado e da concorrência de mercados, mas na realidade não encontramos mercados reais localizados, mas lojas de mercadores anónimos presentes em todas as cidades.  Concretamente, também a economia e o mercado se transformaram numa ideologia que se impõe e determina um modo de vida cada vez mais artificial.

1 comentário:

António da Cunha Duarte Justo disse...

O regime de Salazar era corporativista, mas o Estado assumia um caracter dirigista! O Corporativismo do Estado Novo foi teoricamente extinto em 1974 (setembro) mas grande parte dos documentos mais relevantes necessários para o estudo do Corporativismo do Regime de Salazar e suas implicações e cumplicidades com o novo regime de Abril, foi escondida ou destruída devido a interesses ideológicos do novo sistema político! Isto torna-se numa perda irreparável para se poder compreender melhor o espírito e os vícios de um “corporativismo político-ideológico-administrativo” que hoje ainda vigora!
Nem conservadores nem progressistas estão interessados no estudo aprofundado deste capítulo, porque revelaria muito do oportunismo político que apesar de barreiras ideológicas está mais interessado na politiqueira do dia a dia enquanto Portugal se adia! http://antonio-justo.eu/?p=4422