No Prelúdio da Era global urge a Mudança radical
António Justo
A coesão da sociedade ameaça fracturas que só podem ser reparadas com uma solidariedade aberta entre os diversos grupos.
O desenvolvimento científico e tecnológico tem proporcionado grandes passos no sentido dum maior contacto e dum maior diálogo no caminho da união e da realização duma verdadeira globalização. A ciência política começa a dar-se conta da interdisciplinaridade de todas as matérias e interesses na construção do globalismo.
O processo dialéctico da afirmação do mais forte constrói-se e baseia-se na precariedade do outro, na banalidade do factual. Este modelo da filosofia grega tornou-se eficiente nas épocas da individuação cultural, nacional e individual. Agora que nos encontramos no prelúdio da era global seria a altura da mudança do modelo grego para o modelo judaico – cristão subjacente nas mitologias doutras culturas como a chinesa e a indiana. O modelo trinitário ainda se encontra debaixo das cinzas da civilização. Este modelo integral, já não só do diálogo, mas especialmente do triálogo implicaria uma mudança radical na prática da solidariedade cívica e natural. Assim a nova estratégia a desenvolver nas relações interpessoais, nas nações e nas culturas, não esquecendo porém a força dialéctica e a asseveração dos contrários na afirmação do ser, terá de optar por uma nova fórmula relacional a que chamaria trilógica ou trinitária. Uma mudança da ortodoxia para a ortopraxia do logos inicial.
Iniciamos a era do triálogo num processo de comunitarização que leva à comunhão no processo relacional trinitário no respeito e reconhecimento mútuos. Não se dá o encontro de produtos estáticos mas de sujeitos em processo criativo que implica ao mesmo tempo a mudança e a consciência de se encontrar e querer a diferença criadora. A procura comum, já no seu processo comunicativo, produz um sentimento de solidariedade que estimula o caminhar comum. Assim vão desaparecendo as conotações egoístas de raça, nação, cultura, sistema político ou religioso, conotações, estas, dialécticas e não trilógicas (trinitárias). Na nova era trilógica, a solidariedade seguirá o processo da inclusão e não o da exclusão. Será a era da solidariedade da nova democracia, a solidariedade do amor ao próximo. Já não se pretende a solidariedade dos iguais mas a solidariedade dos diferentes. O bem-comum, a felicidade já não se afirmará em nome do eu, em nome do partido, em nome da nação, mas em nome do nós integral. Então, não é a classe, o indivíduo, o partido que ganha, mas cada um como povo peregrino em marcha a desaguar na humanidade global. A meta não é a vitória de umas classes sobre as outras, do capitalismo sobre o socialismo nem vice-versa; a meta, mais que uma sociedade, é uma comunidade sem classes em que todos actuam numa dinâmica de incarnação e espiritualização no seguimento do chamamento. A meta é a construção da cidade de Deus, a cidade do Homem na dinâmica da realidade solidária trinitária. Nela espírito e matéria complementam-se em processo criativo. Nela não reina a ideia da vitória ou do “quem manda, quer e pode” mas a relação amorosa que produz o Espírito. Dá-se uma nova compreensão da vida humana e natural em comum. O que recebemos oferecemo-lo, de novo, enriquecido na dinâmica duma entrega mútua. Consequentemente, em vez do ressentimento surgirá o agradecimento como forma de expressão dum sentimento de vida, duma vivência social.
No exercício da solidariedade de co-criadores sofremos na alma a prisão da carne pelos que vivem à margem da sociedade. Porque aceitamos sistemas de injustiça social tornados normalidade e que geram tantos Cristos abandonados? Na nova vivência não se trata de me tornar miserável com os miseráveis mas de me aproximar da minha humanidade neles maltratada e ameaçada. Não se trata de, em nome do bem, perpetuarmos o mal, como temos praticado eficaz e persistentemente até agora, em todos os sistemas e regimes políticos, económicos e sociais. Todos os que nos sentimos mais responsáveis pela situação teremos de nos levantar para pensar e agir em comum. Não é suficiente divertirmo-nos ao faz de conta falando contra as injustiças dos outros. Nós todos estamos comprometidos no sistema e somos todos injustos. Quanto mais ricos e mais sábios somos mais injustos somos.
Solidariedade é dar e receber em comunhão. A comunhão transcende a solidariedade económica, científica ou social.
A tarefa de criar uma razão solidária não é fácil. Faz parte do ideário e da praxis cristã empenhar-se pelo outro mesmo que ele seja mau. O ideário cristão tem falhado e desesperou no marxismo. Em cada pessoa há um núcleo bom. A dinâmica do amor ao próximo, uma característica do cristianismo, ainda não encontrou acolhimento nas estruturas suportes das sociedades. Solidariedade baseia-se na reciprocidade progressiva
A indiferença pressupõe estar-se preso nas próprias sombras.
A nova solidariedade ultrapassa as fronteiras da própria comarca. Cristo entrega-se por toda a humanidade indiferentemente de ela ser ou não cristã e proclama a moral superior do amor ao próximo e o amor aos próprios inimigos. Deus é pai de todos fazendo de nós irmãos, Cristos em potência. Solidariza-se não só com os necessitados mas também com os culpados. O ideário cristão define o ser humano como ser para os outros com uma missão individual, global e cósmica.
No sentido cristão não há programas fixos ou já completos, não há dogmas no verdadeiro sentido da palavra. A solidariedade acontece em todos os sentidos. É a realidade pai-filho-espírito, no sentido do divino e do humano, dando primazia ao humano, na prioridade do mais baixo, do mais fraco. O sol surge de baixo para cima e a luz dos iluminados deve ser reflectida para baixo. A solidariedade a implantar chega aonde outras solidariedades não chegam: abandonados, pobres do espírito…
A defesa da dignidade humana de cada pessoa constitui programa para todo o homem – mulher de boa vontade, de irmãos na mesma origem e na mesma situação comum.
Implica uma ética da solidariedade prática baseada numa nova consciência e atitude perante o Homem e a natureza. Esta mudança, que passa pela renúncia, para podermos ser uma oportunidade para os outros, é mais que óbvia, também no sentido de possibilitarmos futuro aos que vêm depois de nós.
Daí a necessidade de tornarmos as ideologias solidárias e não estanques ou exclusivas. Do mundo mecanicista e estático do século XIX daremos o passo para o mundo do mistério, o mundo Trinitário, já pressentido e verificado na física por Einstein, Planck , Chardin e outros. De facto a física já chegou ao mistério apesar de muitos continuarem a persistir no fanatismo religioso e no fanatismo científico. São necessárias todas as forças e todos os esforços na procura de respostas abertas e ajudas para todos, na realização dum mundo melhor. Uma abertura contínua torna-se então gratificante na experiência do mesmo espírito que a vivifica. A conexão do todo não nos deixa cair no vazio nem no desespero.
A solidariedade é o caminho seguro para mais liberdade. Não se trata de nos igualarmos mas de entrarmos na relação libertadora. Todos temos andado perdidos em ideias, sentimentos ou missões cada vez mais vazios e distantes de nós e dos outros. A solidariedade não pode continuar enterrada dentro dos diversos grupos; ela tem de destruir os muros que nos separam uns dos outros, o erro da afirmação dialéctica selectiva.
A pluralidade duma sociedade verdadeiramente livre permite riqueza e variedade sem a determinação de um grupo sobre outros. A sociedade precisa dum teto metafísico que a cubra, necessitando este do trabalho construtivo e solidário de todos os grupos sociais. O direito e a tradição judaico – cristã, numa dinâmica trilógica, poderão ser os grandes pilares do grande do tecto metafísico duma sociedade com passado presente e futuro.
Naturalmente que toda a pessoa precisa de ligação a algum grupo da sua confiança, doutro modo correrá risco de cair em depressão. Toda a pessoa precisa de comunicação autêntica de permuta de experiências e ideias. Esta comunicação terá de ser aberta, numa sociedade aberta e num mundo aberto. Uma sociedade civil será tanto mais viva quanto mais grupos tiver. Direitos e deveres são evidências no reconhecimento da sociedade e dos cidadãos.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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