O Jogo do Rato e do Gato entre Povo e Políticos no Processo Europeu
António Justo
Críticos do Tratado Europeu de Lisboa não aceitam a sua aprovação parlamentar e intentaram acção contra ele no Tribunal Constitucional da Alemanha. Os queixosos atestam a União Europeia (EU) dum défice democrático e um minar da soberania nacional. A decisão parlamentar aprovadora do Tratado de Lisboa, que o Presidente da República não assinara, constitui matéria de dúvida também da parte de vários juízes. Quatro países da União Europeia ainda não assinaram o tratado.
O tratado de Lisboa prevê uma ampla reforma da União Europeia. Esta recebe maiores competências em relação aos estados da União. Estes deixarão de poder vetar as decisões passando a valer o voto da maioria. Países que na estejam de acordo com as decisões terão, apesar disso, de as acatar. A EU adquire personalidade jurídica e terá um presidente eleito por períodos de dois anos e meio.
Anteontem, parlamentares do parido social cristão alemão e outros instauraram processo contra o Tratado de Lisboa porque este cria propriamente um estado europeu e, para isso, seria necessário um plebiscito nacional e não apenas os votos dos deputados. A política é cada vez mais determinada pela EU e não pelos parlamentos nacionais. De facto os 27 Estados da EU são cada vez mais limitados em políticas de económica, justiça e de segurança. Os estados nacionais perdem também a sua competência na política dos Negócios Estrangeiros e na decisão de acções militares. Já hoje muitas das acções de governos nacionais a se resumem a actos de cumplicidade com o poder central da EU.
Na Irlanda, o ano passado foi recusado o Tratado por plebiscito nacional. Os políticos querem-no repetir no Outono deste ano. Há grande incerteza nos resultados da votação popular. Na República checa o Parlamento vai decidir, mas como a decisão precisa da assinatura do presidente e este é crítico à EU, há uma icógnita. O presidente da Polónia também só quer assinar a decisão parlamentar depois dos irlandeses votarem.
No caso do Tribunal Constitucional da Alemanha recusar o Tratado, ou de exigir algumas mudanças ao Tratado de Lisboa, este não tem mais sentido atendendo a que a Alemanha é o país membro mais importante da EU. No caso da Irlanda recusar o Tratado não é tão grave atendendo a que com para países pequenos se podem acordar regras próprias e mesmo a sua não pertença à EU não seria muito problemática.
Portugal assinou o Tratado no Parlamento sem problemas nem grandes discussões. Em alguns países os políticos têm a vida facilitada no encontro de decisões porque o povo não se intromete e muitas vezes falta uma opinião pública diferenciada.
É notória grande precariedade no processo de formação da EU. Esta é querida e forçada pelos políticos mas o povo encontra-se renitente. De facto a EU, no seu afirmar-se, tem implementado um socialismo administrativo e um liberalismo capitalista exagerado, à custa duma democracia social dominante até 1989 e de carácter mais humano que o sistema dos Estados Unidos da América, a que a EU se encosta cada vez mais, na qualidade de sistema político, social e económico. A nível cultural assiste-se a um crescente menosprezo da cultura e da tradição nacional. Na Alemanha, o partido conservador CSU (Cristãos Sociais Democratas) procura estar mais do lado da tradição europeia procurando equilibrar interesses económicos, culturais, populares e nacionais com a abertura internacional necessária. Daí a iniciativa dele em contestar a rectificação do Tratado.
Mesmo com a sua aprovação geral o processo de formação da EU não deixará de permanecer contencioso. Criam-se realidades de facto que pressuporiam maior consenso e não apenas uma inteligência racional.
Talvez este processo frágil de legitimação seja tacitamente querido, porque no caso de um país querer sair da União, mais tarde será legitimado a fazê-lo através de plebiscito nacional, dado a EU ter sido implementada por uma política que marginalizou o povo.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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