A
Virtude da Tolerância desafia a Virtude da Coragem
Por António Justo
O medo, o anseio por segurança, a
leviandade mental são característicos de uma sociedade em redemoinho que
destrói a personalidade e impede a reflexão individual do cidadão para o
engavetar em padrões sociais medíocres.
A insegurança e o medo domam as
energias criativas e impedem a compreensão da vida, conduzindo a uma situação
de pânico que provoca uma reacção de ânsia de sucesso imediato material e
espiritual. A insegurança e a arbitrariedade no julgamento de práticas
políticas e religiosas fomentam um moralismo preconceituoso e precipitado longe
de uma ética reflectida abrangente. Deixa-se de combater por ideais nobres para
se pelejar com guerrilheiros que se encontram mais próximos ou que são mais
oportunos.
A falta de discernimento conduz a
opiniões precipitadas e intolerantes, pela positiva ou pela negativa. Daí a
importância de distinguir entre ética e moral e de constatar a evolução da
ética e dos costumes a nível de pessoas, instituições e civilizações para
possibilitar um diálogo interactivo e produtivo entre pessoas e culturas. As
culturas só têm a oportunidade de se aproximarem ou de se guerrearem. Se a
sociedade continuar com a mesma política dos últimos 60 anos a guerrilha
proliferará de maneira avassaladora.
Ética é a
orientação consciente por regras ou normas; implica uma
conduta de vida criteriosa e ter a capacidade de decidir com discernimento
entre acções boas e más.
Moral diz
respeito ao cumprimento das normas por que se orienta a maioria e que
correspondem a determinadas ideias/imagens na vida interpessoal. As normas
adoptadas podem ser aplicadas consciente ou inconsciente.
Podemos considerar
quatro etapas do desenvolvimento da ética e das sociedades que a praticam:
Na primeira
etapa é permitido castigar uma acção sofrida com uma acção pior.
Exemplo: alguém rouba algo e como castigo é-lhe cortada a mão (cf. lei da
Sharia no islão); o homem é o lobo do homem (homo homini lupus!). Na segunda
etapa da evolução ética passa a ser aplicado o princípio de talião que
corresponde a responder a uma acção com outra acção correspondente: “olho por
olho e dente por dente” (vingança igual). A terceira etapa que se
encontra já no Antigo Testamento, no Hinduísmo, Confucionismo e na Filosofia
grega, orienta-se pela “regra de ouro” que determina: “Não faças aos outros o
que não queres que te façam a ti” ou “Faz aos outros o que queres que te façam
a ti”. A quarta etapa da ética é a ética das Bem-aventuranças, a ética
do amor ao inimigo e do vingar o mal com o bem; é declarada no Sermão da
Montanha mas muito difícil de praticar e em certos conflitos levará até à
eliminação do bem, tal como aconteceu com a crucificação do maior Mestre
aparecido na História. Pelas obras se mede a qualidade ética das acções, que se
tornam mais ou menos virtuosas.
Virtude é a capacidade de
comportamento determinado por um valor. Pressupõe uma decisão baseada numa
atitude e numa mundivisão (experiência de vida, idealismo). A virtude tem como
actor contra ela (o vício) a agressão (o outro lado da calma) dado a agressão
parecer o meio natural de autoafirmação (movimento egoísta contra altruísta) na
intenção de formar e afirmar identidade.
O filósofo Aristóteles distinguia
entre duas espécies de virtudes: As virtudes racionais (dianoéticas)
inteligência, sabedoria, o pensamento científico, etc. e as virtude éticas ou
da vontade. Para se determinar a virtude, Aristóteles elaborou o padrão do
Meio-termo, o meio justo (Mosóteles), vulgarmente dito na expressão, “a virtude
está no meio”. Por exemplo, coragem é o meio entre covardia e imprudência
(Temos o momento da falta, o momento da virtude e o momento do exagero,
exemplo: falta: Sofrer de injustiça – virtude: justiça – excesso: praticar a
injustiça).
A virtude depende de um valor
mais alto. Na história da ética reconhece-se como valor mais elevado, a
felicidade, Deus, o paraíso (nirvana), espiritualidade… A virtude pressupõe
educação, hábito e relação interior através da compreensão, da alegria e do
sofrimento.
Max Klopfer, na sequência de
Aristóteles, nomeia, para a determinação de cada virtude, as seguintes características
gerais: a) o meio entre dois extremos (aspecto formal), b) fundamento num
bem maior (aspecto material); e para uma determinada virtude as
características especiais dela: a) baseada numa determinada situação e b)
relacionada a uma determinada pessoa (subjectividade).
As virtudes encontram-se todas
numa relação de reciprocidade. Platão fala de quatro virtudes cardeais:
sabedoria, coragem, prudência e justiça. Aristóteles fala de 14 virtudes:
Sabedoria, coragem, prudência, justiça, serenidade, serenidade nobre,
generosidade, magnanimidade, elevação, honra, amizade, dignidade, indignação
justa, sinceridade, destreza social.
O cristianismo
acrescentou-lhes, fé, esperança e caridade. A Burguesia do século XIX
acrescentou-lhes as virtudes secundárias: ordem, aplicação, limpeza,
pontualidade, etc. Hoje, a sociedade europeia parece esgotar-se na virtude da
abertura e da tolerância esquecendo que estas são virtudes secundárias de
outras virtudes oprimidas por uma sociedade demasiado preocupada com o
pragmatismo político.
O homem no decorrer do tempo
histórico foi deixando as marcas do seu desenvolvimento ou reacção às
experiências sociológicas e antropológicas prévias.
Ética da lei
Na tradição judaico-cristã vale a
orientação pelos dez mandamentos, em especial o amor ao próximo e a Deus (Mat.
22,37-40). Não se trata aqui de preceitos exteriores mas de configurações
internas fluidas, não empedernidas na letra mas a serem sempre actualizadas
pela atitude sempre nova e viva. A referência cristã mais que de um livro ou
norma é a pessoa do JC. A ideia base é a igualdade de todas as pessoas baseada
na semelhança de toda a humanidade com Deus. Friedrich Nietzsche lamenta a
herança cristã dizendo: “Na igualdade das almas perante Deus é dado o padrão
de todas as teorias dos mesmos direitos para todos”.
A ética muçulmana, essa sim, é
uma verdadeira ética da lei ou do livro que dificulta qualquer teologia porque
Deus se formaliza no Corão não dando lugar à teologia, quase se esgotando na
jurisprudência.
Ética do dever - orientação pelo senso comum
Kant criou a ética do dever como
um tipo especial da ética que se fundamenta na racionalidade humana. Para o
filósofo o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo
que se torna num imperativo categórico desde que o modo de agir possa ser
generalizado e a dignidade e liberdade da pessoa respeitada.
Os estoicos já tinham ligado a
moral ao dever, fundamentando-a na ideia do direito natural, baseado na
natureza e que tinha como objectivo o domínio dos afectos e do prazer. Seguir o
prazer pressuporia desconhecer a essência do próprio ser; para o estoico, é
sábio e livre quem ultrapassa a felicidade e a infelicidade; para ele tudo é
indiferente. No outro polo desta filosofia encontrava-se o epicurismo.
Ética do útil (Utilitarismo)
Epicúrio (um 341 a.C.) centrava a
ética no proveito individual dirigido para a felicidade e o prazer. Pretende
fomentar necessidades que maximizem o prazer e o mundanismo radical. Enquanto
para Epicúrio o objectivo era a felicidade individual, para os anglo-saxões era
a felicidade do grupo.
Nos países anglo-saxões (Bentham,
1748-1832) o critério de avaliação da acção é o princípio da utilidade para
todos os participantes. Bom é o que é útil para todos; a diversidade das
necessidades individuais não conta grande coisa.
Segundo O. Höffe a ética
utilitária inclui 4 princípios: o princípio das consequências (não interessa a
atitude mas os resultados para decidir da acção); o princípio da utilidade (a
avaliação das consequências orienta-se pelo bem abstracto, trata-se de
consequências úteis); o princípio do prazer (o fim último é a felicidade, bom é
o que dá prazer e traz alegria); princípio social (não conta a felicidade
individual mas a de todos).
O utilitarismo favorece o direito
das maiorias. Hoje, o fim não pode justificar os meios, estes têm de ser
aferidos pelos direitos fundamentais do Homem.
Ética da responsabilidade
O agir responsável pensa nas
consequências que a acção actual tem para as próximas gerações. O ser humano
tem de julgar ética e moralmente as consequências da sua maneira de agir. Não
se pode fazer tudo o que se pode, embora a técnica o possa permitir, a vontade
tem limites se quer assumir responsabilidade e garantir sustentabilidade. A
ética da responsabilidade presume uma educação para a liberdade; uma educação
que não instrumentalize o medo como meio de tornar o Homem maleável e funcional
no sentido das instituições actuais.
Continua em “Ética da Responsabilidade pressupõe a Educação para a
Liberdade”
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
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