A alta tecnologia promete
sonho mas consome liberdade – Tudo e todos têm de mudar
Por António Justo
Encontramo-nos num processo de
desenvolvimento em que o pensar linear será substituído pelo global e em que
consequentemente as visões da realidade a-perspectiva substituirão paulatinamente
as actuais visões e equacionamentos lineares da realidade. Passaremos do tenho razão para o
temos razão, atendendo à consciencialização da complementaridade dos diferentes
biótopos da natureza, da complementaridade dos diferentes biótopos culturais e
da complementaridade dos diferentes sistemas de pensamento e à fragilidade da formação
da opinião regulada por monopólios globais. A estratégia que se encontra por
trás desta mundivisão aproxima também a linguagem e metáforas de mitos e
religiões às expressões e concepções científicas.
Iphone, automóveis com propulsão própria, drones usados no comércio como serviço de entrega, robôs inteligentes, etc. parecem substituir cada vez mais o Homem reduzindo-o
ao papel de espectador. A alta tecnologia promete o sonho
à custa da liberdade. O exercício do
pensamento passa para os computadores e a força revolucionária parece ter
passado para a técnica e o trabalho manual é cada vez mais substituído pela
produção mecânica. Tudo isto está a provocar uma mudança radical das nossas
impostações éticas, da nossa maneira de pensar e agir. É o que se observa e
sente hoje que nos encontramos em pleno epicentro da revolução Vale do Cilício:
uma revolução que quer tornar possível a felicidade individual realizada através
dos padrões de grandes monopólios anónimos à margem de democracias, das
culturas e das religiões. Aristóteles diria hoje em termos portugueses: ”nem
tanto ao mar nem tanto à terra”.
Aos industriais e aos barões do petróleo sucederam-se os Bancos e os Gestores
de fundos Hedge. Actualmente encontra-se em via de realização a era da
revolução digital – com os génios dos computadores e das altas tecnologias.
Antes os líderes contentavam-se com o poder da riqueza depois passou-se ao
poder do dinheiro. Hoje os líderes do
mundo (protótipo Silicon Valley na Califórnia) querem mais; aspiram a
determinar não só o que consumimos mas também a maneira como consumismos e como
vivemos juntando na mesma mão (ou organização) o ideário, a economia, a
ideologia e a produção numa Agenda bem definida. A nova ideologia-praxia é
tentadora porque sabe empregar também a linguagem e as metáforas das religiões
e das literaturas.
Religiões e outras instituições abertas aos sinais dos tempos terão de
estar atentas às suas estratégias! Delas poderão aprender muito em termos de
resposta ao globalismo.
No princípio era a fé em Deus,
depois veio a fé no dinheiro e agora experimenta-se a fé na mensagem da Alta
Tecnologia como doutrina de salvação, que transfere a esperança para a
perspectiva das possibilidades infinitas da tecnologia! (Já há pessoas que se deixam
congelar para serem descongeladas na altura em que a técnica tenha descoberto
soluções para a morte – uma ilusão que desconhece a realidade do ser criado ou da
matéria mas que como utopia dá resposta, à sua maneira, a necessidades do ser
humano). Para os apóstolos da nova
mensagem, os estados, as religiões, as filosofias tornam-se em empecilhos de
progresso. Fixados na sua filosofia que de forma eclética se serve da
ciência e da religião como expressão da necessidade humana, elaboram um sistema
de ortodoxo-praxia orientada pelo desejo criativo que se realiza na inovação. Reduz-se
o ser a uma determinada forma de estar na vida. A ideologia substitui cada vez
mais as soluções práticas passando muitos projectos a ser efectuados segundo os
óculos da ideologia e do momento.
No princípio era a fé em Deus que se encontrava no âmago do Homem. Hoje é a
fé na tecnologia que já não se encontra dentro do homem, dependendo só dele e
ao não fazer parte do seu centro corre perigo de o alienar totalmente.
A filosofia da alta tecnologia (economia digital) incorpora nela também Marx
e Engels definindo o alienante como aquilo que nos tira do tempo, do concreto;
assim se reduz a pessoa à materialidade que se esgota na actividade produtiva que
é ao mesmo tempo fonte da consciência; por outro lado considera a religião,
Deus e o dinheiro como factores alienantes que nos desviam da realidade
material. A nova fé encontra no Joga e em exercícios semelhantes uma maneira de
estar prática e de subjugar instâncias metafísicas.
A nova alienação prende a consciência
humana à sua mera actividade. O produto é a luz da vela que resulta da energia
do trabalho e o indivíduo esvai-se nela. A ideologia moderna, que a todos
parece iluminar, aliena-nos com produtos conseguidos à custa da desumanização
das pessoas reduzidas a mercadoria numa “metafísica” bruta construída, como no
caso da vela, a partir da relação produto-consumidor. Aqui dá-se a
identificação do indivíduo com o seu destino; tudo é reduzido a indivíduo saído
da materialidade para se consumir na materialidade. A promessa do
desenvolvimento infinito alimenta a nova alienação do indivíduo que ao ser
reduzido a produto passa a ser consumido na ilusão do que consome. A relação
entre produtor-produto e consumidor passa a ser a utilização, o imediato. A
teoria da alienação em Marx, para ser consequente reduziria o Homem a mera
biologia animal irracional. De facto, o pensamento, na sua qualidade de
abstracto, seria na sua essência uma alienação. Para ser consequente o
pensamento marxista e da aliança capitalismo-marxismo teriam então de declarar
o fim do pensamento.
Continua no próximo artigo sob o título “O
VALE DO SILÍCIO (Silicon Valley) E A ESCOLA DE SAGRES – MITOS DA
SUSTENTABILIDADE”
António da Cunha Duarte Justo
In
Pegadas do Tempo www.antónio-justo.eu
1 comentário:
Muita boa análise.
Acrescento apenas que houve muita perda de espaço das religiões. Isso , aliado a disseminação de modelos econômicos hegemônicos extremamente focados na ilusão da felicidade baseada no consumo, levam o homem a afastar-se de sí mesmo e portanto, de Deus. O espaço das religiões é o delas, se houvesse como este espaço ser preenchido por algum outro tipo de organização, isto já teria acontecido. E em geral, são as religiões que ensinam o homem a ser pleno, o que inclui a felicidade.
Somente um retorno à naturalidade (mesmo que por vias abstratas) podem devolver o estado natural do homem: Ser quem ele é, e não o produto do que querem que ele seja.
Saudações aos participantes em especial ao sr. Antonio Justo,
Vilson
in Diálogos Lusófonos
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