terça-feira, 4 de novembro de 2025

UCRÂNIA E O REDESENHO DO MUNDO

 

O CONFLITO GEOPOLÍTICO NA UCRÂNIA E O REDESENHO DO MUNDO

 

A guerra na Ucrânia expôs as contradições do Ocidente e revelou que o mundo já não se organiza em torno de uma única hegemonia. Entre velhas potências e novos polos, o futuro exigirá reconciliação, complementaridade e coragem política.

A narrativa que se desmorona

Quando o conflito geopolítico na Ucrânia acabar, a classe política e o jornalismo europeus enfrentarão um sério embaraço. Terão de reconhecer que a narrativa que ajudaram a construir foi parcial, simplista e, em muitos casos, manipuladora e enganosa. Portugal, infelizmente, não escapa a esse enredo de formatação da opinião pública que foi conduzida a uma visão distorcida dos factos.

Durante anos, o discurso político-mediático formatou o pensamento coletivo, condicionando a perceção popular dos factos. Mas a realidade factual, uma Europa em declínio, subordinada a uma NATO e a uma burocracia de Bruxelas cada vez mais distantes dos valores humanistas, acabará por impor-se.

Portugal e o peso da submissão diplomática

O Palácio das Necessidades, símbolo da diplomacia portuguesa, tornou-se quase numa “casa de necessidades”, administrando interesses externos em vez de defender a identidade nacional. Portugal, com a sua experiência multicultural e o seu histórico de convivência entre povos, poderia exercer um papel exemplar na diplomacia internacional, defendendo, para isso, uma política externa baseada na irmandade e complementaridade dos povos, e não na submissão a blocos.

Washington e Bruxelas perdem credibilidade à medida que o mundo se reorganiza em torno de novos polos, como os BRICS, que representam uma alternativa concreta à hegemonia anglo-americana. A Europa, porém, insiste num modelo de dependência militar e ideológica que a prende ao passado.

A guerra como instrumento geopolítico

O que se apresenta como uma “guerra entre a Ucrânia e a Rússia” é, na verdade, um conflito instrumentalizado, um tabuleiro geopolítico em que a Ucrânia é usada como “cavalo de Troia” de um mundo velho, por potências que pretendem prolongar a sua influência global. O povo ucraniano, composto por diversas etnias que antes viviam em paz, tornou-se vítima de uma guerra que serve mais os mercados e as indústrias militares do que a justiça ou a democracia.

Países como Estónia, Letónia e Lituânia enfrentam idêntico destino: são peças menores num jogo de hegemonias. Historicamente, o Ocidente tem sido o mais agressivo nas suas políticas expansionistas, fomentando desestabilizações internas para justificar a sua intervenção. Trata-se de um expansionismo refinado e hipócrita, que utiliza as fragilidades dos pequenos para ampliar o poder dos grandes.

O vazio moral da Europa tecnocrática

Enquanto líderes como Viktor Orbán, em Budapeste, afirmam uma visão alternativa de soberania europeia, a União Europeia mostra-se incapaz de responder à mudança histórica em curso. Enredada em contradições, aposta na indústria militar e compromete o seu próprio futuro económico.

A prosperidade europeia floresceu quando predominavam governos social-democratas e conservadores moderados que eram os herdeiros do humanismo cristão e do capitalismo social que nasceram do Iluminismo e da doutrina social da Igreja Católica. Essa herança ética e filosófica foi sendo substituída por um tecnocratismo sem alma, afastado da experiência humana real.

A nova ordem multipolar

A nova geopolítica já não se organiza em torno de um único poder. O futuro do mundo será moldado por hegemonias partilhadas, em que Estados Unidos e China se reconhecerão mutuamente como parceiros e rivais necessários. A paz não virá da imposição de blocos, mas da interligação das economias e da complementaridade entre regiões.

Nesse cenário, a Europa e a Rússia só terão futuro se compreenderem que a reconciliação entre elas é condição de sobrevivência. Ou se reconciliam e colaboram, ou se tornam irrelevantes na nova ordem bipartida que se desenha. O mundo está a tornar-se bipolar, mas ainda há espaço para uma terceira via, a via da lucidez, da dignidade e da paz.

Há momentos em que se torna imprescindível interrogar a legitimidade das decisões proferidas em contextos de profunda incerteza, sob o prisma cultural e político-social, de modo a enriquecer o debate e integrar visões até então marginalizadas.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10410

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