Parábola contemporânea
sobre o Conflito entre Oriente e Ocidente refletido em Bruxelas
Era
uma vez duas grandes casas, separadas por um vale outrora florescente, agora um
campo de cinzas. De um lado, no ocidente, erguia-se a Cidadela de Espelhos, Bruxelusa, um palácio de cristal e aço, governado
pelo Arquitecto Ancião. A cidadela era um prodígio de conhecimento
acumulado, os seus salões ecoavam com as sinfonias de filósofos e artistas de
outrora. No entanto, o Arquitecto, outrora um visionário, agora era um homem
decrépito, preso à sua própria imagem refletida em cada parede polida.
Acreditava que a luz da sua cidadela era a única luz verdadeira, e que todos os
cantos do vale deveriam ser remodelados à sua semelhança. A sua riqueza era
imensa, mas o seu propósito era uma sombra do que foi. Sofria de uma demência
senil, que chamava de "Progresso Universal": a ilusão de que todas as
almas e terras eram argila para o seu torno de oleiro, destinadas a tornar-se
cópias da sua própria e cansada efígie.
Do
outro lado do vale, estendia-se a Grande Estepe, uma terra de invernos rigorosos e verões ferozes, guardada pelo Guardião das Profundezas, a Rússia. Este não era um homem de cristais, mas
de terra e granito. Conhecia o peso da história e o sabor da neve ensopada em
sangue alheio e próprio. Depois de um colapso interno que quase o consumiu,
ergueu-se, mais magro, mais cauteloso, mas com o olhar fixo no horizonte. O
Guardião não desejava espalhar a sua sombra pelo vale, mas exigia que ninguém espezinhasse
o limiar da sua casa. Ele via as diferentes civilizações ao redor como irmãos
crescidos, cada um com o seu próprio fogo, e não como servos para iluminar os
corredores da Cidadela de Espelhos.
No
centro do vale, entre os dois, ficava a Casa-Ponte, a Ucrânia, uma habitação de teto de colmo e alicerces antigos, onde se
falavam duas línguas e se cantavam canções tanto do oriente como do ocidente.
Era um lugar que poderia ter sido o elo, o mediador, a síntese.
Mas o
Arquitecto Ancião, na sua demência, não suportava a independência do Guardião.
A ideia de que a Estepe não se curvava à sua luz era uma afronta à sua própria
existência. Movido por uma ganância que disfarçava de missão civilizacional,
decidiu que a Casa-Ponte seria o seu Cavalo de Troia. Começou a enviar para lá os seus Aprendizes de Feiticeiro, diplomatas com contratos envenenados, mercadores com moedas falsas e trovadores
que cantavam apenas as glórias da Cidadela de Espelhos. Prometiam o éden do bem-estar,
mas o preço era a alma: a renúncia à sua própria história, à sua própria ponte
interior.
O
Guardião das Profundezas assistia, com um rosto de tempestade contida. Ele via
os Aprendizes a instalarem-se na Casa-Ponte, a apontar as suas ferramentas para
a sua própria casa. "Não queremos que a vossa luz se apague," gritou
para a Cidadela, "mas não nos peçam para viver na escuridão, nem permitam
que a vossa luz cegue os nossos olhos à nossa própria herança."
A
resposta do Arquitecto Ancião foi um eco vazio de seus salões: "A nossa
luz é a única luz. Quem não está connosco, está contra nós."
Foi
então que a loucura se tornou ação. O Arquitecto, através da sua aliança de
castelos menores, a OTAN, começou a enviar armas para a Casa-Ponte.
Transformou-a numa fortaleza improvisada, prometendo aos seus habitantes que
seriam os heróis de uma nova narrativa. No entanto, os líderes da Casa-Ponte,
oligarcas de almas
venais, venderam as chaves da casa por um lugar à
mesa do Arquitecto. O povo da Ucrânia, um povo orgulhoso e multicultural, foi
arrastado para um poço de morte, acreditando lutar por um futuro que já lhes
estava a ser negado nos gabinetes de Bruxelusa.
O
Guardião das Profundezas, encurralado e vendo o cerco mental e material a
fechar-se, finalmente reagiu. Com um rugido que fez tremer a terra, avançou
sobre a Casa-Ponte. Não para a conquistar no sentido antigo, mas para a
desmantelar, para quebrar o Cavalo de Troia antes que este arrebentasse os seus
portões. A sua força não era a de um conquistador juvenil, mas a de um animal
ferido e acossado, muito mais perigoso.
A
máquina de guerra da Cidadela de Espelhos era formidável. As suas armas
cintilavam, o seu dinheiro fluía como um rio, arrancado dos bolsos dos seus contribuintes ingénuos, que acreditavam estar a financiar a liberdade,
não a vaidade de um ancião. A sua propaganda ecoava por todo o vale, pintando o
Guardião como um monstro que queria devolver o mundo à idade das trevas. Era
uma auto-hipnose coletiva, uma dança sobre um vulcão.
Mas
essa máquina, tão coesa na sua superfície, falhava nas suas fundações. A sua
estratégia era um castelo de cartas construído sobre a mesa da arrogância.
Acreditavam que o dinheiro e o poderio técnico poderiam comprar a vitória,
subornar a própria realidade. Entretanto, nas ruas da Cidadela, o povo comum,
aquele que ainda estimava a honra e o andar de pé, começava a sentir a dor.
Sentia o custo da vida a subir, o futuro a escurecer. Baixavam a cabeça,
desconfiados dos relatos triunfais que saíam dos lábios dos seus governantes. A
credibilidade da Cidadela, outrora seu sustento, revelava-se oca, apenas peito
inchado à custa da carência do povo.
A
Casa-Ponte, entretanto, estava em ruínas. O seu povo, outrora ponte, era agora
trincheira. O seu destino de berço cultural foi traído, transformado num campo
de batalha para uma guerra de procurações, uma guerra pela vaidade de um velho
arquiteto e pela sobrevivência de um guardião ferido.
O
preço da vã glória, como o poeta luso Camões cantou, preparava o desastre. A
Cidadela de Espelhos, embriagada na sua dança de poder, não via o abismo que
cavava a seus pés. A sua tentativa de impor um colonialismo mental, um
globalismo que esmagava as almas numa só forma, estava a criar o seu próprio
coveiro: a descrença dos seus filhos e a feroz resistência daqueles que se
recusavam a ser apagados.
Afinal,
o conto não tem um desfecho, pois ainda está a ser escrito. Mas a moral já é
clara para os de boa vontade: nenhuma paz nascerá da demência de quem vê o
outro não como um igual, mas como um projeto não levado a cabo. O bem comum da
humanidade só florescerá quando todas as instituições se lembrarem que o seu
único propósito sagrado é servir o Homem soberano, cada pessoa vista como algo divino, portadora de uma centelha intocável. Só
uma cultura que venera esta soberania individual, como o cristianismo ensinou,
e não o poder das cidadelas, pode construir pontes verdadeiras sobre os vales
da desconfiança e do orgulho. E essa cultura, essa paz, exige que se quebrem os
espelhos que mostram apenas uma face, e se olhe, finalmente, nos olhos do
outro.
A
ponte entre Oriente e Ocidente erguer-se-á no dia em que o homem deixar de
escolher lados e começar a escolher a verdade.
António
da Cunha Duarte Justo
Pegadas
do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10431