A Festa repete-se e Portugal também
António Justo
Romantismo – Diagnóstico e Cura
Também, este ano, alguns portugueses celebrarão o seu dia de Portugal. A maioria terá dificuldade em festejar por viver fora de Portugal ou porque as preocupações pela sobrevivência não deixam espaço para festejos. A comemoração oferece, porém, uma oportunidade para se frazer o ponto da situação. Que dia de Portugal se continuará a celebrar: o macho ou o fémia, o dos seus representantes ou o do povo?
Ao compararmos o Portugal de hoje com o de ontem, verificamos que repete os mesmos vícios e virtudes do regime liberal e republicano. A nível de processo íntimo, as revoluções em Portugal parecem decalcáveis: os mesmos mitos, as mesmas lutas, os mesmos mostrengos, as mesmas ideias, a mesma estratégia, os mesmos políticos (desdobráveis) e os mesmos erros, a mesma mentalidade. Cada nação tem a sua doença colectiva específica. Diagnosticá-la será já meio caminho andado para a sua cura.
Em “Viagens na minha Terra”, Garrett faz uma descrição modelo da situação e dos problemas do Portugal de sempre. Nos protagonistas da narrativa, Carlos, símbolo dos progressistas e Joaninha, símbolo dos tradicionalistas, temos uma boa diagnose aplicável à actualidade sobre a situação dos partidos e da cultura portuguesa num Portugal que teima ser irreconciliável.
O romantismo liberal inicial de Garrett e Herculano, tal como, depois, o de Antero de Quental procuram aportuguesar o liberalismo (masculino) e o socialismo político importado (inicialmente bravio depois oportunamente acomodado) e dar-lhe uma perspectiva lusitana (feminina). Constatam o falhanço do projecto de liberalizar e democratizar Portugal. Portugal falha pelas mesmas razões que Carlos e Joaninha falharam. O comodismo instalado e o espírito Sancho Pança predomina em todos os sectores nacionais dominal a camada responsável.
O desenrolar da democracia do 25 de Abril parece seguir os mesmos passos encontrando-se já na fase da “desistência cívica”. Por isso desejo lembrar dois autores românticos, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, cujo ideário se encontra na continuação genuína da originalidade nacional e de Camões e, bem analisado, poderia dar impulsos novos e correctivos, atendendo que apresentam as mais variadas perspectivas do espaço português.
O protagonista Carlos, de “Viagens na minha Terra”, símbolo de Portugal do progresso abandona a província (Santarém) e assim enjeita Joaninha (cultura tipicamente portuguesa) incompatibilizado, ao mesmo tempo, com Frei Dinis (antigo regime) e vai à procura de novos ideais para a cidade (liberalismo) envolvendo-se nas lutas liberais (conflitos entre socialistas e conservadores). Neste novo espaço transforma-se e conhece, entre outros bens, a cor da luz dos olhos da Georgina e da Soledade (os belos corpos duma modernidade que permanece alheia). Depois de desenganos e frustrações volta a Santarém (cultura tradicional nacional) mas aí sente-se já estranho; tinha-se mudado e a mudança tinha sido tão radical que já não comportava a integração da memória no seu ser. Entretanto foi-lhe revelado que era filho do padre Dinis (um sinal talvez de que deveria reconciliar a tradição com o progresso ideológico, o pólo masculino com o pólo feminino da nação). Pelo contrário, desiludido da ideologia e da terra, que já na pode amar porque a ideologia e os bens o tinham desnaturado, volta à cidade e faz-se barão. Declara-se perdido. Joaninha enlouquece e falece.
Esta tem sido a perspectiva dum Portugal insatisfeito fatalmente irreconciliável consigo mesmo. Em Carlos podemos ver a masculinidade portuguesa infiel e homossexual que vive dos bordéis estrangeiros e em Joaninha a feminidade portuguesa fiel mas fechada em si mesma quase lésbica. Este é o problema de Portugal. A sua masculinidade e feminidade não se integram num todo. A luta do saber cínico (Carlos) contra a crença ingénua (Joaninha) conduz, segundo a experiência histórica, a uma portugalidade amorfa e indiferente. Isto conduz àquela “apagada e vil tristeza” dum Portugal não vivido mas com a ilusão de viver que lhe vem da sua divisão num Portugal de alguns tantos eremitas e poetas refugiados, de alguns barões da ceita e dum resto lamuriento.
O carácter másculo da revolução desmistifica a vida nacional fazendo dela um deserto desconsolado e mono-perspectivo. Não percebe que uma nação vive de muitas fidelidades. Não chega a mudança pela mudança como pretende o touro revolucionário, é precisa a fidelidade duma relação que possibilite a evolução.
Portugal ajoelhado e preso ao cadeado do racionalismo francês
O destino de Carlos e de Joaninha são, até agora, o destino de Portugal, o destino dum Povo fracturado. Foi este o destino da época do Marquês de Pombal, da época liberal, da época republicana e parece ser o futuro da revolução de Abril com a sua democracia. Nas diferentes épocas referidas repete-se o mesmo esquema: estrangeirados e sequazes importam a ideologia renovadora e, com ela, o seu espírito jacobino e dialéctico. Falta-lhe a própria reflexão, a reflexão portuguesa. Não chega o esperma da ideia, é preciso o corpo da nação em que ele fecunde. Portugal tem desonrado a nação (cultura nacional) dando mais carinho à amante do que à mulher!... O racionalismo francês, incorporado no socialismo português tem andado inebriado de si mesmo deixando-se levar pelo som das próprias patas em direcção duma direcção sem orientação. Vai sendo tempo de Portugal deixar de ser o bordel de alguns rufiões. Estes têm que integrar a feminidade em vez de a violarem.
Portugal serve o estrangeiro descurando o seu ser e os seus interesses. As revoluções, não aferidas ao espírito português, tornadas apanágio de alguns e desconhecedoras do seu ser cristão, monista e panteísta, tornam-se ciclos viciosos. Assim os que se apoderam de Portugal comportam-se, no país, como senhorios ao curso dos ventos estrangeiros, determinando, de suas “lojas”, o sentir e o ser dos seus inquilinos. Dançarinos do poder e da cultura importam as ideologias da França (ou Rússia) com o prejudicial jacobinismo como se tratasse da importação de máquinas.
Em Portugal quem consegue viver de fora não vive mal. Metade dos portugueses vive fora de Portugal e a outra metade vive dos de fora. Também o pensamento e a reflexão têm sido artigos estranhos de importação. Não chega pernoitar com eles.
As crises sociais e políticas portuguesas repetem-se ciclicamente como os ventos. O vício comum tem sido o desinteresse e irreflexão cultural, acompanhados pelo jacobinismo dos renovadores liberais, republicanos e socialistas (abrilistas). Estes são individualistas e internacionalistas a quem falta a consciência pátria; são os continuadores dos oportunos que na batalha nacional de Aljubarrota se puseram, à margem do povo e ao lado de Castela, que prometias mais comendas. Se, à custa do povo e da cultura nacional uns se puseram ao serviço dos interesses de Castela, os posteriores puseram-se ao serviço da França (maçonaria saúda os invasores franceses) e finalmente (entrega das províncias portuguesas à hegemonia comunista com o 25 de Abril) do socialismo russo e cubano. Um povo vazio, sem ideia nem ideias, facilmente se deixa levar pelos vendedores da banha da cobra que ciclicamente aparecem na arena pública. Portugal se quiser sarar terá de descobrir a sua feminidade e criatividade. Para isso terá, porém, de voltar aos berços da nacionalidade.
Não chega que alguns estranhos à cultura e ao povo, se aproveitem do 25 de Abril e de Portugal, tal como os barões se aproveitaram da revolução liberal. Estes sim, têm razão para festejar e se congratular com os proveitos da revolução; para a nação deixam a ideologia requentada. O problema deles é, não terem nascido do húmus, nem da reflexão portuguesa, faltando-lhes assim um conceito de cultura nacional processual, tornando-se eles mesmos no impedimento duma evolução portuguesa normal e equilibrada de espírito livre e desenvolvido à margem de complexos másculos nem fêmeos. O viver do encosto provoca no povo uma atitude de encostados das instituições.
Um socialismo militante, irreflectido e desintegrado e um conservadorismo emocional e burguês, sem tradição teórica nacional básica, têm sido os ingredientes que fazem do destino de Portugal o destino de Carlos e Joaninha.
Para festejarmos temos primeiro que restaurar Portugal, teremos de nos tornar Carlos e Joaninha mas reconciliados. Doutro modo não passaremos duns machistas da nação sempre à procura dum outro pão.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
(Continua em: “Com o Romantismo nas Pegadas de Portugal”)
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