terça-feira, 9 de março de 2010

PADRES A MENOS E PASTORES A MAIS



Celibato – Ontem uma Bênção – Hoje um Problema (1)

António Justo
A Igreja Católica conta com 1.131.000.000 católicos no mundo e dispõe de 407.262 padres e de 815.237 membros de ordens religiosas (estatísticas de 2008).

As comunidades cada vez contam com menos padres. A frequência dominical diminui também. Enquanto na Polónia 40% da população vai regularmente à missa, na Alemanha, dos 25,461 milhões de católicos só frequentam regularmente a missa dominical 17%, isto é 3,492 milhões (estatísticas de 2008).

Pelo contrário, a Igreja Evangélica, onde não há obrigatoriedade de celibato para os seus pastores, vê-se obrigada a dividir um tempo inteiro de pároco por dois pastores, com meio tempo para cada um, pelo facto de ter pastores e pastoras em superabundância. A Igreja Católica, por seu lado, encontra-se numa situação desesperada de luta com a falta de padres.

As Igrejas ortodoxas russa e gregas, nas quais os padres se podem casar, não têm problemas de formação e angariação de padres. Tradicionalmente as famílias de padres fornecem também novos padres. Os bispos são recrutados, geralmente, das ordens religiosas.
Em Portugal conta com 81,10 % de católicos. Segundo a Agência Ecclesia, em 2006 havia 2.894 padres distribuídos por 21 dioceses em 4.366 paróquias. Por cada dois padres que morrem é ordenado um. A Igreja, para responder ao problema organiza “Unidades Pastorais” com equipas de sacerdotes responsáveis por várias paróquias; além disso recorre à formação de diáconos casados.

Até ao século XX, a obrigação do celibato para os párocos revelou-se como medida inteligente, na Igreja Católica. Duma maneira geral, a Europa era constituída por uma sociedade de classes, fechadas em si mesmas. O povo não tinha acesso às classes superiores nem à cultura das elites, não podendo, por isso, assumir lugares de responsabilidade pública. As grandes famílias distribuíam o poder (postos) entre elas. O sacerdócio celibatário impedia a concentração do poder eclesiástico em famílias tendo sido, ao mesmo tempo, um elemento democrático no meio do clero, da nobreza e da burguesia.

A extensão da obrigação celibatária das ordens (clero regular) às paróquias (clero secular) possibilitou uma solidariedade entre elites e povo. O padre, que, geralmente, provinha das classes populares tinha hipótese de subir e fazer parte do alto clero. A sua presença contesta a prática secular das grandes famílias nobres/burguesas e possibilita a subida da classe desfavorecida aos postos superiores da sociedade eclesiástica, impedindo que se formasse uma oligarquia sem base popular. O povo, através do sacerdócio, trazia sangue novo e renovador à oligarquia da Igreja, solidarizando-a com o povo. Aqueles que não aguentavam com o jugo do celibato e abandonavam o seminário ou o cargo, provindos embora do povo, passavam para a sociedade secular onde ocupavam cargos relevantes e deste modo assumiam também uma presença popular nela.

Quando se fala de padres e de celibato é necessário distinguir entre os celibatários por vocação, (membros de ordens e congregações religiosas) e os celibatários por encargo aos quais a legislação eclesiástica impõe o celibato como condição de acesso ao exercício da missão sacerdotal paroquial. O celibato para os párocos foi tornado obrigatório pela Igreja Católica na idade média. A Igreja Ortodoxa não aderiu a esta medida disciplinar. Apenas exige o celibato aos bispos. A ligação do exercício do sacerdócio ao celibato não tem fundamento bíblico. Pelo contrário, a Bíblia opõe-se ao ascetismo exagerado e à proibição do casamento aos padres (cf. 1Tim3,1-13 e 4, 1-5).

Entretanto o celibato tornou-se no principal factor impedidor da abundância de padres. O benefício que o celibato traz para a estratégia administrativa é adquirido contra a integração cultural e estrutural do cristianismo nas estruturas seculares. Uma mentalidade fechada e ingénua tem levado as elites da administração eclesiástica a adiar o problema em detrimento da Ecclesia semper reformanda e da integração religiosa nas estruturas culturais. A estruturação da sociedade hodierna exige não só novas medidas em relação ao clero mas também uma nova estratégia de presença cristã nas sociedades. A sua nova reestruturação não pode ser feita apenas para dar resposta à falta de padres. O papel dos leigos numa comunidade viva consciente e activa não pode esquecer a importância do testemunho de vida e missão na sociedade em que estão inseridos.

Clericalismo e anti-clericalismo são sintomas de Sociedades desintegrada
Nas sociedades nórdicas, a influência dos pastores casados e suas famílias está muito presente a nível cultural e político-social nas nações. O seu contributo cultural para a sociedade secular faz lembrar o contributo cultural de alto nível dos judeus, no seio dos povos onde se encontram inseridos. É importante constatar-se que, nos povos nórdicos, não há o anti-clericalismo que se encontra em países latinos. Isto tem a ver naturalmente com a integração social e o relevo cultural dados pelas famílias dos padres evangélicos às nações. É frequente ouvir-se políticos tomar posição em público fundamentada em princípios cristãos e isto tanto em partidos de esquerda como de direita.

Nas nações latinas, tradicionalmente de maioria católica, os padres também contribuíram muito para a cultura secular dos países; faltou-lhes porém a disputa com a vida concreta do dia a dia, o enraizamento familiar e a consequente influência. O povo nas sociedades latinas são mais indiferentes e mais dependentes da opinião momentânea do que os povos das nações nórdicas. Os filhos dos pastores evangélicos foram muitas vezes pioneiros a nível de cultura e movimentação política crítica, integrando-se nas mais diversas expressões da arte, da ciência e da religião. Deste modo a Igreja torna-se indirectamente a guardiã do progresso e ao mesmo tempo a defensora de valores tradicionais e humanos.

Clericalismo e anti-clericalismo são fenómenos doentios de sociedades mais desintegradas.

Cidadãos e crentes têm que suportar as estruturas e suportar-se a si também!

© António da Cunha Duarte Justo
http://antonio-justo.eu/
(continua no próximo (2) texto sob o título “DO PODER DIVINO PARA O PODER POLVO”)

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