quinta-feira, 11 de março de 2010

SEXUALIDADE E ESPIRITUALIDADE



Sexualidade e Espiritualidade são Energias complementares

António Justo
Vida sem erotismo é ausência, é frieza. De facto, a sexualidade e a espiritualidade atravessam o coração humano. A sexualidade é uma dádiva que não deve ser tabuizada nem instrumentalizada. Ela é sinal de alegria na vida.

Apesar duma sociedade sexualmente pervertida em que o comércio se apoderou da sexualidade, a Igreja não pode manipular a sexualidade dos seus padres muito embora o argumento do testemunho pese muito.

A propaganda reduz a mulher a mercadoria. A mulher é transformada em alegoria de mercadoria ao lado dum Mercedes. Este é o melhor sinal de como o mercado já colonizou o corpo da mulher com as fantasias sexuais a ele unidas. A mercadoria tornou-se mulher e a mulher mercadoria. Ela tornou-se reclame. A indústria comercializou o desejo sexual pondo-o ao seu serviço.

Toda a pessoa se encontra sob tensão entre necessidade e valores, seja qual for a forma de vida escolhida, a caminho do possível.

Maturidade afectiva pressupõe a capacidade de renúncia a necessidades e a capacidade de diferenciação entre o papel que se desempenha e a pessoa que se é. Só assim se pode observar os próprios abismos. Até ao concílio de Espanha (Elvira) era comum os padres poderem compartilhar a corporeidade com a esposa. A acentuação do ofício sobre a pessoa exige super-homens sem necessidades, condicionando a santidade do ofício à especialidade do homem padre. Em nome da independência sexual tornam-se dependentes da administração. O facto dos párocos terem feito o voto de castidade não os deve impedir de ter coragem para esclarecer o povo, muito embora a coragem seja dificultada por uma obediência mal entendida.

A igreja não pode calar-se em relação à sexualidade do padre nem pode aceitar que o sacerdote seja torturado pela sexualidade.

A sexualidade consta de relação, fecundidade, identidade e prazer. A Igreja solucionou muito bem a relação e a fecundidade, através de rituais e sacramentos. O problema do prazer e da identidade reserva-os para a controvérsia, sem lhe dar resposta.

O celibato é uma forma de vida, uma opção livre nas ordens e congregações religiosas. É um testemunho especial do evangelho de disponibilidade para o espiritual. Porém o processo da incarnação e da ressurreição e o mistério da trindade não permitem apenas a visão bipolar de extremos contraditórios. A espiritualidade cristã não se esgota no diálogo ela vive do triálogo e por isso da complementaridade dos “elementos”. Esta integra a dialéctica na mística.

A obrigação celibatária do clero secular traz, hoje, muito mais desvantagens que vantagens para o povo de Deus.

Uma sociedade sexualizada faz dos celibatários exóticos levando-os ao isolamento. O exercício sacerdotal torna-se hoje mais difícil que ontem. A vida celibatária traz consigo mais disponibilidade mas acarreta também perigos, além de arrogância e de egocentrismo, na falta do elemento correctivo comunitário ou do parceiro, pressupostos necessários para haver desenvolvimento. A abstinência genital sexual não implica abstinência emocional sexual, isto tanto para casados como para solteiros. A renúncia à prática genital pode aumentar a emocional possibilitando uma maior relação com a comunidade, com os membros e com Deus; o mesmo se diga duma prática genital sexual familiar. Há muitos caminhos para chegar a Deus e nem sempre os que se manifestam mais directos são os mais rápidos!

Celibato é uma questão para adultos. Pessoas que não aceitam e não conhecem a sua sexualidade devem renunciar ao celibato. A contenção sexual é uma prática também presente no matrimónio.

Também há perturbações (fobias) da personalidade que se podem esconder no celibato. O amadurecimento da personalidade é um processo e como tal não deve ser parado em nenhum sector.

Nos tempos em que havia grande afluência de vocações sacerdotais aos seminários, os orientadores prestavam grande atenção à maturidade intelectual, psíquica e afectiva; hoje, a carência pode tornar os critérios de selecção mais laxa, o que pode ter más consequências. O padre deve continuar a ser uma instância moral, também o pode ser como casado! A instituição não pode limitar-se no mundo a ser um universo paralelo. Os padres não são criaturas sem necessidades. A natureza quer-se dominada mas não negada. A negação da necessidade implica a negação da realidade. Uma afirmação da instituição à custa da negação da necessidade pode tornar-se exploração e pode conduzir à hipocrisia e à sobranceria.

O padre caminha ao lado das pessoas. Nas missões e no meio dos pobres realizam acções heróicas. A sua entrega é total, vivem com os pobres de dia e de noite, assumem as suas preocupações. Ele é cura de almas e presencia o divino. Todo o cristão está chamado a esta missão.

O voto da castidade pode tornar-se, com o tempo, numa grande carga, numa prisão da sexualidade e é já hoje uma renúncia a fomento de cristianismo nas instituições democráticas.
A Igreja católica, num acto de angústia, viu-se na necessidade de proclamar, a 19 de Junho de 2009, um ano sacerdotal.

Com isto espera das comunidades cristãs e dos padres maior empenho. Os bispos, continuam a reagir como a avestruz que em situações de perigo metem a cabeça debaixo da areia. Em vez de analisarem o porquê da crise sacerdotal e a prescrição celibatária preferem continuar a apostar no celibato do pároco, a reduzi-lo a um perfil de desafio entre aceitação e rejeição, apesar da penúria que se alastra por todas as paróquias.

A instituição ainda não se deu conta que explora a pessoa do padre e por vezes abusa de pessoas sobrecarregadas com cargos honoríficos, que os chegam a envolver em activismos exaustivos. Naturalmente que embora o trabalho feito, não reverta em favor da instituição mas em favor da comunidade, esse facto não deve desresponsabilizar a administração no cuidado que deve ter pelos seus membros. Naturalmente que uma igreja pobre ao serviço dos pobres não tem fundos de meneio suficientes para poder fomentar uma rede de colaboradores leigos mais eficiente. Embora a fórmula trinitária seja plena em relação à dialéctica, a organização não pode fugir à realidade dialéctica da disputa de dois pólos: um pólo constante do exercício e da procura da verdade e outro variável de expressão e adaptação cultural.

© António da Cunha Duarte Justo
http://antonio-justo.eu/
(continua no próximo (4) texto sob o título “Restauração das Comunidades Cristãs”)

Sem comentários: