quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Falta de Cultura da Europa face a outras Culturas mundiais
Europa Berço da Cultura jurídica da Humanidade
Da Visita de Bento XVI à Alemanha
António Justo
O seu discurso no Parlamento alemão foi tido por todas as fracções parlamentares como uma aula académica de alto nível sobre os fundamentos intelectuais do Estado.
O ecossistema cultural ocidental já manifesta grandes buracos de ozono na sua cúpula metafísica que provocam um estado de perturbação e uma atmosfera decadente. Bento XVI mostra-se preocupado com o desenvolvimento da sociedade e recorda: “A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico.”
“Os teólogos cristãos associaram-se a um movimento filosófico e jurídico que estava formado já desde o século II a.C., num encontro entre o direito natural social, desenvolvido pelos filósofos estóicos, e autorizados mestres do direito romano. Neste contacto nasceu a cultura jurídica ocidental, que foi, e é ainda agora, de importância decisiva para a cultura jurídica da humanidade. Desta ligação pré-cristã entre direito e filosofia parte o caminho que leva, através da Idade Média cristã, ao desenvolvimento jurídico do Iluminismo até à Declaração dos Direitos Humanos e depois à nossa Lei Fundamental alemã, pela qual o nosso povo reconheceu, em 1949, «os direitos invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a comunidade humana, da paz e da justiça no mundo».
O acesso à casa da realidade tem várias portas, quem conhece apenas a razão ou o materialismo como porta de entrada reduz a realidade e a pessoa.
Bento VXI reconhece o contributo da ciência positivista do mundo, como “parcela grandiosa do conhecimento humano”, mas chama a atenção para os seus exageros e para o facto do banal funcional do dia-a-dia não poder ser suficiente fonte do direito nem a razão positivista poder atribuir-se o monopólio e considerar-se como o único critério de acesso à realidade. Bento XVI convida os deputados e a ciência à reflexão dizendo: “O conceito positivista de natureza e de razão, a visão positivista do mundo é, no seu conjunto, uma parcela grandiosa do conhecimento humano e da capacidade humana, à qual não devemos de modo algum renunciar.” Contudo, esta “não é, no seu conjunto, uma cultura que corresponda e baste ao ser humano em toda a sua amplitude… Onde a razão positivista se considera como a única cultura suficiente, relegando todas as outras realidades culturais para o estado de subculturas, aquela diminui o homem, antes, ameaça a sua humanidade. Digo isto pensando precisamente na Europa, onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito, enquanto todas as outras convicções e os outros valores da nossa cultura são reduzidos ao estado de uma subcultura. Assim coloca-se a Europa, face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura e suscitam-se, ao mesmo tempo, correntes extremistas e radicais. A razão positivista, que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber algo para além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de cimento armado sem janelas, nos quais nos damos o clima e a luz por nós mesmos e já não queremos receber estes dois elementos do amplo mundo de Deus.”
Ao falar “ sobre os fundamentos do direito”, Bento XVI adverte que o lucro material e o sucesso não pode ser o último critério e motivação para a actividade do político. “O sucesso pode tornar-se também um aliciamento, abrindo assim o caminho à falsificação do direito, à destruição da justiça”. “A política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz.”
Questiona a verdade sem fundamentos filosófico-éticos baseada apenas em estatísticas e votos de maiorias. “É evidente que, nas questões fundamentais do direito em que está em jogo a dignidade do homem e da humanidade, o princípio maioritário não basta…”
Torna-se incompreensível que precisamente o Catolicismo seja hoje a religião mais atacada por uma camada intelectual desiludida que viu os seus ideais falhados na queda do sistema soviético e por um modernismo racionalista unilateral, quando esta religião foi a que possibilitou a distinção entre direito divino e direito de estado. “Dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de césar”, dizia o mestre da Galileia.
“Ao contrário de outras grandes religiões, o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado, um ordenamento jurídico derivado duma revelação. Mas apelou para a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito; apelou para a harmonia entre razão objectiva e subjectiva, mas uma harmonia que pressupõe serem as duas esferas fundadas na Razão criadora de Deus”.
Hoje tudo parece ser negociável. “Vivemos num tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem. A ética foi substituída pelo cálculo das consequências“, constata Bento XVI.
«Só quem conhece Deus, é que conhece o homem» – disse uma vez Romano Guardini. Sem o conhecimento de Deus, o homem torna-se manipulável”.
Independentemente do aspecto moderno ou conservador, de se ser crente ou ateu, facto é que o Papa é quem mais tem contribuído para a civilização ocidental no que ela tem de mais humano e genuíno. Ele considera-se “um colaborador da verdade”!
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
www.antonio-justo.eu
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