Inauguração da Associação ARCÁDIA e Vernissage da Pintora Carola Justo
Inauguração da Associação ARCÁDIA e Vernissage da Pintora Carola Justo
intitulada “A Terra é feita de Céu” (8 de julho de 2012)
No
dia 8 de Julho de 2012, pelas 16 horas, realizou-se a inauguração da
“ARCÁDIA – Associação de Arte e Cultura em Diálogo” na Quinta “Outeiro
da Luz” em Chaque (Branca) com uma vernissage de quadros da pintora
Carola Justo. Estiveram presentes cerca de 150 visitantes, entre eles
professores de universidades de Lisboa e Coimbra, a Engª. Doroteia Sã,
representante da Câmara de Oliveira de Azeméis, a Dra. Rosa Tomás,
vereadora da Cultura e da Educação da Câmara de Anadia, o presidente da
Junta da Freguesia, Fernando Ferreira, e vários representantes de
Comunicação Social e de várias associações locais e regionais. O
presidente da ARCÁDIA, Dr. António Justo, apresentou a filosofia, as
metas e projetos futuros da ARCÁDIA. A ARCÁDIA é uma associação sem fins
lucrativos de projeção suprarregional. O Dr. José Augusto Fernandes fez
a laudatio da exposição. Disse que a pintora tem um estilo muito
original e inconfundível. “Os seus quadros têm um efeito terapêutico.” A
pintora Carola Justo discursou brilhantemente sobre a “fonte da
criatividade”. O enquadramento musical esteve a cargo dos guitarristas
Rui Martins e Dr. Carlos Teixeira. A vice-presidente, Dra. Dulcineia
Loureiro, moderou o evento. Os quadros da pintora alemã Carola Justo
tiveram um eco muito positivo nos visitantes. A pintora, esposa do
presidente e fundador da ARCÁDIA, já fez cerca de 50 exposições na
Alemanha e em países estrangeiros, com muito boas críticas por
jornalistas de jornais da especialidade e revistas. A exposição continua
até 3 de Agosto. Encontra-se aberta ao público aos domingos das 10 às
12 e das 14 às 18 horas, às segundas e aos sábados das 9 às 12 horas e
fora dessas horas segundo acordo telefónico: 963994458.
I
Discurso inaugural do presidente da ARCÁDIA
Minhas
Senhoras e meus Senhores Caros árcades, prezados amigos: É com muita
satisfação e alegria que em nome da “ARCÁDIA – Associação de Arte e
Cultura em Diálogo” tenho a honra de saudar um público tão distinto e
interessado e de agradecer a sua comparência. Bem-vindos à inauguração
da ARCÁDIA e à Vernissage de Carola Justo. A Direção da ARCÁDIA saúda
expressamente a Engª. Doroteia Sã, representante da Câmara Municipal de
Oliveira de Azeméis, a Dra. Rosa Tomás, vereadora da Cultura e Educação
da Câmara Municipal de Anadia, o presidente da Junta da Freguesia,
Fernando Ferreira, os representantes da imprensa e os representantes das
associações: Dona Dália pela Probranca, José Marques pela Auranca, José
Manuel Vieira pelo CDB, Dona Preciosa Camões Sobral, pelos Escuteiros,
Dona Rosa Ferreira pelos Ecos da Memória, Dr. José Cerca pela Irmandade
Santa Mafalda, Altino Pires, pela Comunicação Social, bem como o
Professor Doutor Joaquim Teixeira, o Professor Dr. Horácio Peixeiro e o
Professor Doutor Quadrado Gil. Um agradecimento especial a todos os
membros da Direção da ARCÁDIA que se empenharam para que este evento se
tornasse realidade e aos amigos que de longe aqui se deslocaram. Caros
presentes: Como associação sem fins lucrativos queremos ser uma casa de
todos, uma casa de porta-aberta onde se pretende contribuir para o
fomento cultural e artístico numa estratégia de integração e projeção de
pessoas, iniciativas, associações e coletividades a nível local,
regional, nacional e internacional. Conscientes de que a cultura e a
arte não são espaços economicamente privilegiados, a minha esposa e eu
disponibilizam, gratuitamente, espaços da quinta para atividades da
ARCÁDIA.
Pretendemos,
por iniciativa própria ou em parceria, realizar ações, iniciativas,
projetos e estabelecer pontes de diálogo nos sectores da arte e da
cultura,
fazendo intercâmbio entre artistas e associações,
localidades, instituições e multiplicadores da cultura e da arte.
Pretendemos ser também uma plataforma de implementação pública de
pessoas que privadamente criam arte ou iniciativas que mereceriam o
reconhecimento público… No respeitante às artes plásticas, artistas de
perto e de longe têm a oportunidade de exporem as suas obras na Galeria
ARCÁDIA e no Ateliê. Para artistas de longe a ARCÁDIA tem o projeto
Férias ExTra, que proporciona passar férias, trabalhar e expor (pintura,
escultura, etc.). Seria interessante se conseguíssemos artistas do
estrangeiro a expor em Portugal e artistas portugueses a expor no
estrangeiro (Intercâmbio). Entre outras iniciativas temos “Serões
Culturais” de cultura e arte ao vivo. Destes poderão nascer tertúlias
musicais, literárias (poesia), teatro, etc. Pensa-se introduzir uma
certa regularidade nos “Serões Culturais”. O próximo será aqui no dia 27
de Julho, pelas 21 horas. A Associação também tenciona organizar grupos
de trabalho específicos ligados a projetos, iniciativas, conferências e
atividades várias. Não queremos fazer tudo nem ser concorrentes de
ninguém. Para isso já há muitas associações com trabalho importante.
Queremos qualidade e dirigimo-nos especialmente a um público exigente e
criativo, a um público que, mais que espectador, é agente e
multiplicador cultural e social. Como exemplo de atividade que
pretendemos realizar, refiro um projeto que tencionamos iniciar com o
seguinte título: “Adolescentes e Jovens escrevem História”. Apoiados por
um catálogo de perguntas os jovens documentariam a vida dos avós (e
pessoas a partir dos 60) em que estes falariam das experiências da sua
vida e diriam o que têm para nos comunicar sobre a vida (já que não lhes
falta sabedoria para nos transmitir). Aqui, os jovens entrevistadores
poderiam descrever também a sua vivência pessoal com eles e reuniriam
fotos documentais. Textos e fotos seriam expostos aqui na Galeria
Arcádia e, depois, em colaboração a combinar com peritos, com a junta de
Freguesia, Câmara Municipal e Bancos, etc., poderia ser publicado um
livro com os trabalhos escolhidos. Paralelamente ao projeto
“Adolescentes e Jovens escrevem História” poder-se-ia elaborar um outro
projeto, que seria: “Crianças escrevem histórias”.
Um
outro exemplo de iniciativa a concretizar poderia ser o seguinte: fazer
uma exposição conjunta de artistas que apresentam obras elaboradas a
partir de produtos de reciclagem e convidar também professores e alunos
de escolas e jardins de infância a visitarem essa exposição, com a
finalidade posterior de crianças e jovens elaborarem obras a partir de
coisas que se deitam para o lixo ou para o ferro-velho. Tal projeto
realizar-se-ia aqui na quinta sob a orientação de artistas e membros da
ARCÁDIA. Um outro projeto, semelhante ao primeiro que apresentei, seria
mais complexo, a organizar mais tarde e depois de recolhido o conselho
de departamentos municipais da cultura: “Os Traumas da Guerra do
Ultramar”. Um outro projeto intermunicipal seria a organização de uma
via artística em que os artistas de cada localidade participariam num
projeto conjunto com exposições locais a serem visitados pelas pessoas
das diferentes terras e com palestras em cada local relativas a cada
exposição específica e ao conjunto das exposições.
A
FILOSOFIA DA ARCÁDIA – Partimos de uma visão de vida integral, não
fragmentada em verdadeiro e falso; encaramos a vida toda, pois a vida só
no seu todo é verdade; isto pressupõe o esforço por uma vida fora de
categorias ideológicas, de classe ou raça, num espírito de entrega ao
Belo e ao Bem dos outros que são dádiva. Nos outros está cada um de nós
também, num encontro de um eu e de um tu que nasce e se realiza no nós.
Como base da ordem de trabalho da ARCÁDIA imagino uma mentalidade do
“nós”. O “nós” é o ponto de partida e de chegada do nosso pensar e agir.
Isto pressupõe uma atitude de vida em progressão, em que a dialética de
autoafirmação pela contradição se pressupõe como estratégia num
processamento de integração do que aparentemente parece contraditório.
Passar da atitude e estratégia do “ou…ou…” para a atitude do “não só…
mas também”, do “por um lado… mas por outro lado…” para uma visão nova
integral, uma visão aberta da realidade e dos factos. A Palavra ARCÁDIA,
formámo-la a partir das palavras iniciais AR (de arte) + CÁ (de
cultura) e DIÁ (de diálogo): Arte e Cultura em Diálogo. A Arcádia
histórica era uma academia que em Roma, em 1690, abrangia um círculo de
poetas, cientistas, filósofos e escritores. Numa era em que o sentimento
sufocava a razão, pretendiam os árcades voltar à simplicidade clássica
nas obras de arte, no espírito do bem, do belo e da elegância, da
tradição de Platão e Aristóteles sintetizada em Descartes. Também houve a
Arcádia Lusitana, criada em 1756, que queria combater o “mau gosto”
literário do séc. XVII. Almeida Garrett foi discípulo da Arcádia.
Sentimos hoje, à nossa maneira, a preocupação dos antigos árcades,
especialmente no que respeita ao espírito criativo inovador e ao
respeito pelo biótopo cultural regional e nacional. Somos uma associação
aberta e agradecemos as vossas sugestões e colaboração. Muito obrigado.
António da Cunha Duarte Justo
(Presidente e fundador da ARCÁDIA) www.arcadia-portugal.com http://www.facebook.com/arcadiaportugal
II
Laudatio do Pe. Dr. José Augusto Fernandes na Vernissage de Carola Justo intitulada
“A Terra é feita de Céu”, na Galeria Arcádia da Quinta “Outeiro da Luz” (Chaque, Branca)
A
pintora Carola Justo nasceu em 1955 no Sul da Alemanha, na Baviera.
Viveu a infância numa linda vila termal. O pai era decorador de casas e,
por algum tempo, teve um segundo emprego como acordeonista. A mãe
emigrou como refugiada da República Checa para a Alemanha, depois da
Segunda Guerra Mundial. A beleza foi um valor constante e muito
importante na família. Foi na idade de 13 anos que a Carola Justo
começou a interessar-se pelas Belas Artes ao observar um dia uma pintura
chinesa, que mostrava um simples ramo com um pardal nele pousado. O
quadro impressionou-a profundamente. Refere acerca desse momento: “Foi a
minha primeira experiência de arte.” Foi assim que, aos 13 anos, a
Carola decidiu frequentar o primeiro curso de pintura, um curso para
adultos. O pintor era expressionista e, segundo a mesma, ajudou-a a
entender a arte. Aí começou a sua atração pelo impressionismo e pelo
expressionismo. Os pais não apoiaram o desejo da Carola de seguir
belas-artes na Universidade. Acabou por formar-se em pedagogia social e
filosofia. Foi nessa altura que conheceu o António Justo, aquele que
mais tarde se tornou seu marido. O casal Justo tem 4 filhos. Os 3 filhos
adultos exercem todos profissões pedagógicas e todos desenvolvem algum
talento artístico: ou música ou pintura. A filha mais velha é atriz,
cantora e pedagoga de teatro. Entre 1982 e 1984 a Carola Justo formou-se
também em terapia familiar. Algum tempo depois era coeditora duma
revista regional, onde publicou igualmente artigos e contos da própria
autoria.
Contemporaneamente
ao serviço de docente de línguas na Universidade Popular, após o
nascimento do terceiro filho, tornou-se também estudante em vários
Cursos de Pintura durante muitos anos. Em 1997 começou a expor os
próprios quadros. Até hoje tem já cerca de 50 exposições no seu
portfólio. Com vários pintores a Carola Justo aprendeu sucessivamente as
técnicas de pintura a óleo, a aguarela, a técnica de desenho e,
finalmente, a técnica de pintura a tinta acrílica. Até 1996 pintou
apenas quadros realistas. No entanto, já quanto era estudante de
pintura, sempre desejou ultrapassar o realismo e encontrar um estilo
próprio. Nas suas palavras, “o estilo próprio não é algo que se possa
forçar. Ou vem ou não vem. É uma graça um artista encontrar o seu
próprio estilo original.” E acabou por vir. Porquê ultrapassar o
realismo? Sem dúvida que é admirável a boa arte de pintar
fotorrealisticamente. No entanto, o realismo nunca pode transmitir a
sensação do misterioso e não tem a capacidade de surpreender. Desde a
invenção da máquina fotográfica, o realismo perdeu o seu valor. Deixou
de ser necessário documentar pela pintura a realidade exterior. O
verdadeiro papel da pintura é expressar a realidade interior, dando,
sobretudo, acesso ao mistério e à surpresa. Foi esta necessidade que
levou a Carola a abandonar o realismo. Acontece que, em 1992, a Carola
Justo ficou completamente entusiasmada com uma exposição de pintura a
acrílico de um pintor indiano moderno. Decisão imediata: “No futuro o
acrílico será a minha tinta”. A partir daquele momento deixou de vez o
óleo e mudou para a tinta acrílica. Foi nesse mesmo ano de 1992 que
começou a surgir o estilo próprio que, pouco a pouco, se desenvolveu e
aperfeiçoou até hoje. A óleo nunca mais pintou. Algumas palavras suas
para elucidar esta mudança: “Uma experiência entusiasmante de arte pode
tocar profundamente o coração e até mudar a própria vida. As grandes
mudanças aconteceram comigo na infância e em 1992. Naturalmente que a
porta da inspiração nunca fica fechada. Surge sempre quando se
contemplam obras de arte inspiradas.”
Foi
o que aconteceu ainda no ano de 1992, quando, numa exposição,
contemplava quadros de um conhecido pintor austríaco, Hundertwasser.
Estes quadros deram-lhe renovada coragem para exprimir o que já tinha no
coração: cores fortes e paisagens de fantasia. No início, o estilo da
Carola era algo semelhante ao de Hundertwasser, como aliás foi referido
por jornalistas que comentaram a sua primeira exposição, que teve lugar
na sede da Comissão Europeia em Bruxelas. Depois desenvolveu cada vez
mais um estilo próprio, difícil de subordinar a estilos de outros. Tem
elementos da Arte Nova, por vezes ainda com semelhanças a Hundertwasser
ou Kandinsky, mas o seu estilo é mesmo original e, em grande parte das
suas obras, é mesmo difícil de encontrar um percursor. Ressalvada esta
porta de inspiração, sempre possível, através da contemplação de obras
significativas de outros artistas, a inspiração de Carola Justo vem-lhe
normalmente do ambiente em que se encontra no dia a dia. Embora o clima
da região onde vive seja habitualmente chuvoso e escuro, a sua
criatividade nada sofre porque vive das cores fortes que lhe vêm de
dentro. Os passeios diários na natureza são mesmo fundamentais, tal como
a meditação que também faz diariamente. Um parêntesis para uma arte de
outro tipo da Carola. Além de pintora, também é docente de meditação na
Universidade Popular de Kassel e dá inúmeros cursos de meditação em
mosteiros. Nos quadros de Carola Justo nota-se bem a sua ligação e amor à
natureza. Nas palavras de um historiador de arte, o Prof. Dr. Leo
Weber: “O grande tema da pintura da Carola é a ligação (Vernetzung).” A
ligação de tudo com tudo, especialmente a ligação do homem com a
natureza. A Carola não gosta de falar diretamente do meio ambiente, mas
sim da criação. Os homens, os animais e as plantas, para ela, fazem
parte de uma grande família. A sua obra quer ser uma oposição clara ao
desrespeito pelas pessoas, animais e plantas que graça em todo o mundo. A
sua obra valoriza e acaricia toda a natureza.
A
árvore, símbolo da vida, faz figura em muitos dos seus quadros. A
árvore significa crescimento, enraizamento e alinhamento pelo céu.
Podemos compreender os conteúdos dos seus quadros não tanto como simples
figuras mas como símbolos. Por exemplo, a menorá, o candelabro judaico
de sete braços, aparece frequentemente. Na menorá a Carola vê uma
árvore, e vê também uma cruz escondida ou então sete braços que se
esticam para o céu. Significa luz. A vela do braço do centro serve para
acender as outras velas com a própria chama. Quatro dos seus braços
também significam os pontos cardiais e os restantes dois braços
significam a terra e o céu. A menorá, tal como a cruz, é a ligação da
Terra e do Homem com o céu e é um símbolo que se usou nos primeiros
tempos do cristianismo em ligação com o símbolo do peixe. A cruz também
aparece mais ou menos escondida em muitos dos quadros da Carola Justo.
Ela confidenciou-me que começa muitos dos seus quadros pintando uma
simples cruz, partindo daí para desenvolver o motivo. A cruz, que para
muitos se tornou apenas num símbolo de sofrimento e de morte, na
realidade é um símbolo da vida. É duplamente símbolo da vida, primeiro
porque significa Ressureição, e também porque exprime a união dos polos:
do masculino e do feminino, do céu e da terra. Três dos seus quadros
são muito verticais, muito estendidos para o céu (altura de 90 cm,
largura 20 cm). Mostram cruzes que têm no meio um círculo vermelho: o
coração ou o núcleo das coisas (“der Kern der Dinge”). O coração
encontra-se no cruzamento do vertical com o horizontal. A tendência de
Carola Justo para pintar muitas vezes o símbolo da menorá também tem a
ver com a sua inclinação pessoal pelo número 7, número místico. Nos
quadros encontram-se muitas vezes 7 linhas, 7 troncos, 7 pétalas ou 7
círculos. Não servirão certamente estas explicações para iniciar a
contemplação dos quadros em exposição com a procura de pormenores como
símbolos ou números. Observarão certamente cada quadro como um todo e
esperarão que ele comece a falar-vos por dentro.
Esta
exposição tem um grande número de quadros expostos e, por isso, não é
possível contemplar intensamente cada um deles. É melhor escolher os que
mais interessam e ficar algum tempo a contemplá-los. É sempre possível e
aconselhável voltar num outro dia para observar e dar largas à
contemplação dos quadros preferidos, em silêncio e com a guia pessoal da
pintora. Como terão oportunidade de verificar, Carola Justo tem um
estilo muito original e excecional. Estudou o fenómeno de criatividade
não só na prática, mas também teoricamente e já fez muitas conferências
sobre criatividade. Diz ela: “Quanto à maneira de ser criativo, há
artistas que se orientam apenas pelo exterior: isto é: ou para agradar à
maioria das pessoas ou para causar escândalos. Há artistas que olham
para dentro de si mesmos até ao nível (auf die Ebene) da pura disposição
e vontade (Lust und Laune) e não filtram nada. E há também artistas que
olham para baixo até ao nível do reprimido, dos traumas, da raiva, do
nojo, do patológico. Estes não têm a força de nos inspirar ou de nos
elevar. Puxam-nos é para baixo. E, finalmente, há artistas que se deixam
guiar pela força da inspiração, que é uma força que vem de dentro do
coração, embora também venha de fora, no sentido de que escutam atenta e
atenciosamente o sussurrar da inspiração, uma força que vem de baixo no
sentido do fundo, duma fonte interior, e também de cima: do céu. Estes
são os artistas que nos inspiram.” Nesta exposição está à vista de todos
que a Carola é uma artista como estes últimos. Parabéns à Carola e um
grande obrigado por ser uma destas artistas que mexe com a vida e nos
inspira e anima a viver unidos entre nós humanos e com toda a criação.
Desejo a todos uma contemplação profunda e deixem-se desafiar a reviver
os laços originais de família com toda a natureza, sobretudo com os
seres humanos que são a excelência da criação. Boa contemplação,
proximidade, sintonia de alma!
José Augusto Fernandes
III
Discurso de Carola Justo na sua Vernissage de 8 de Julho de 2012
na Galeria Arcádia da Quinta “Outeiro da Luz”
Excelentíssimas senhoras, excelentíssimos senhores, caras amigas, caros amigos, caros familiares.
Obrigada
por terem vindo de perto e de longe. Muito obrigada aos membros da
presidência da ARCÁDIA que se esforçaram tanto para preparar esta
exposição. Muito obrigada também ao Pe. Dr. José Fernandes pela laudatio
e aos músicos Dr. Carlos Teixeira e Rui Martins.
Gosto
muito de entrar em comunicação com vocês, não só através dos meus
quadros, mas também através da palavra. Há muita gente que quer saber
que tintas é que o artista usa e que técnica, quanto tempo leva a pintar
um quadro, etc. O que acho mais interessante é a pergunta: donde vêm as
ideias? Qual é a fonte da criatividade? O grande pintor Vincent van
Gogh escreveu ao seu irmão e patrocinador Theo: “Tu mal imaginas como é
paralisante quando a tela branca olha para ti com um olhar fixo e quando
a tela diz: tu não vais conseguir nada. A tela branca tem um olhar fixo
idiota e hipnotiza o pintor. Muitos pintores têm medo da tela, mas a
tela tem medo do pintor corajoso e apaixonado pela arte que invalida a
sugestão de ‘tu não vais conseguir nada’.”
Quando
a tela branca ou a tábua de madeira branca olha para mim e me tenta
desencorajar, não respondo com um plano. Respondo com tinta, espalhando
pouco mais que uma cor na superfície – ou azul, ou verde ou vermelho.
Assim o olhar fixo da tela é coberto. Depois não sigo um plano bem
pensado, só tenho uma ideia vaga. Seguir um plano obedientemente mata a
criatividade. A inspiração vem-me ao olhar para a cor. Um plano rígido é
como uma camada de betão que não deixa aparecer a inspiração. Mas a
planta da inspiração às vezes chega a furar uma camada de alcatrão. O
cérebro constrói estas camadas, por isso é melhor, no princípio do
processo criativo, não pensar demasiado, mas brincar, esquecer a lógica e
revogar as leis naturais: o céu pode estar em baixo, o rio pode correr
para cima, entre as nuvens podem passar barcos, os pássaros podem ser
maiores que as casas, o grande é suportado pelo pequeno e mais fraco.
Tudo é possível e esta liberdade dá alegria. Mas criar obras de arte não
significa pura alegria e liberdade, significa também disciplina,
significa deixar-se guiar e ao mesmo tempo controlar, ser livre mas
seguir regras, empurrar para trás o raciocínio, mas também inclui-lo.
Como
veem, a criatividade une em si contrastes. Eu nunca tenho a intenção de
pintar árvores ou pássaros, montes ou casinhas. Eles aparecem. Olhando
para a cor espalhada na tela, na madeira, vejo alguma coisa, o começo de
uma cara, de uma árvore… e sigo. Vocês podem dizer: “então vem tudo do
acaso”. As imagens não aparecem sem razão nenhuma. Tudo o que aparece
vem de uma camada interior invisível, inconsciente, e é símbolo, às
vezes um símbolo que eu mesma só entendo muito mais tarde. Entendi o
significado do pássaro preto ou melro só depois de o ter pintado muitas
vezes. Lembrei-me de que na infância, nas tardinhas quentes de verão,
ouvia os melros cantar com o seu cantar muito especial. Só a estas horas
cantam assim. É mais uma chamada do que uma canção. Nestes momentos, a
chamada dos melros pareceu-me como uma chamada de um outro mundo, uma
chamada do céu. O melro que aparece muitas vezes nos meus quadros
significa a chamada desse outro mundo transcendente e significa também a
saudade. Porque o que eu sentia como criança nessas tardes de verão era
a saudade, embora nessa idade ainda não pudesse dar um nome a este
sentimento. Sentia só qualquer coisa e dava-me uma sensação de
felicidade diferente de outras sensações de felicidade e ao mesmo tempo
um desejo forte e doloroso, sem saber de quê. Hoje sei que era saudade o
que sentia.
As
imagens podem ser ambíguas. Por exemplo, os barcos que aparecem nos
meus quadros podem às vezes ser vistos como ninhos ou berços. Os barcos
são símbolos da viagem da vida ou de transição de uma fase da vida para
outra; o ninho ou o berço pode ser símbolo do abrigo e da proteção, do
lar. Tudo o que aparece nos quadros tem um significado, mas não é
totalmente explicável. Muita coisa fica segredo, também para o artista. E
é bom manter o segredo. Quando você mata a saudade, a saudade morre,
quando você explica o segredo, o mistério deixa de existir. A palavra
‘segredo’ diz-se em alemão: Geheimnis. Esta palavra contém a palavra
Heim, isto é, o lar. O segredo é anossa habitação. O filósofo alemão
Gronemeyer disse: “Em vez de querer revelar o segredo devíamos
habitá-lo.”
Olhando
para os quadros com o desejo de os compreender totalmente, só vai
causar dores de cabeça e afoga o murmurar do quadro. Como o pintor não
deve pensar demais para deixar surgir a intuição, a pessoa que vê obras
de arte também não devia pensar demais para também deixar a própria
intuição surgir. Deve esperar até que o quadro comece a falar consigo.
Como eu estou habituada a seguir a minha intuição, corro menos o perigo
de adaptar-me àquilo que todos dizem, que todos fazem e que todos
apreciam. Por isso tenho a liberdade de negar o culto do feio, do
negativo, do patológico – que hoje está na moda.
Neste
mundo, que é ao mesmo tempo bonito e doente, precisamos de uma mensagem
positiva, precisamos da cor e da beleza que traz ordem e paz interior,
precisamos da esperança e de ideais, para não nos tornarmos insensíveis
perante a saudade do nosso coração.
A
minha pergunta inicial era: donde vêm as ideias? A esta pergunta não se
pode dar uma resposta completa. Eu concordo totalmente com Fernando
Pessoa que, falando sobre a inspiração literária, ficava admirado com
aquilo que escrevia. Este fenómeno pode-se transferir aos pintores,
escultores, a toda a gente que se abre para a intuição. Fernando Pessoa
disse: “Depois de escrever, leio. Porque escrevi isto? Onde fui buscar
isto? De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu. Seremos nós neste
mundo apenas canetas com tinta com quem alguém escreve a valer o que nós
aqui traçamos?” Esta é a experiência que artistas fazem de vez em
quando, que a obra parece ultrapassar as próprias capacidades. São
momentos de surpresa, momentos de gratidão pelo que se recebeu de
alguém.
O
título desta exposição é: “A terra é feita de céu”. É uma frase de um
poema de Fernando Pessoa. Todos nós sentimos às vezes, em momentos muito
especiais e raros, que o mundo recebeu um brilho muito particular, as
coisas parecem brilhar mais que o normal. Então parece como se o céu
tivesse caído à terra, como se a terra fosse feita de céu. Desejo que
este dia contenha para vocês esses momentos de brilho.
Carola Justo
Sem comentários:
Enviar um comentário