segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Alma da Europa sofre – O seu Corpo também



QUINQUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO CONCÍLIO VATICANO II


António Justo
Há 50 anos (11 de Outubro 1962) a Igreja Católica apostou no aggiornamento. João XXIII convocou os bispos de todo o mundo a reunirem-se em Roma, em concílio (2.400 bispos de todo o mundo, acompanhados de 200 teólogos e 100 observadores doutras confissões cristãs, cf. HNA de 15.10.2012).

Na abertura do Concílio, o Papa João XXIII deixou o trono em que era transportado e seguiu a procissão a pé.

O Vaticano II começou por reformar a liturgia passando o sacerdote a celebrar a missa de cara virada para a comunidade. A língua litúrgica (latim) deu lugar às línguas vernáculas. A primeira ordem maior – Diácono – precedente da ordenação do padre e da consagração de bispo, passa a ser acessível a homens casados. Intensifica-se o diálogo com outras confissões cristãs (ortodoxos e protestantes) através do movimento ecuménico. Os judeus passam a ser vistos como irmãos mais velhos dos cristãos.

Com o concílio a Igreja procurou reconciliar-se com o mundo moderno reconhecendo a liberdade religiosa e empenhando-se no diálogo com outras religiões. O reconhecimento da Igreja católica da liberdade religiosa fundamenta-se no Novo Testamento e no facto de cada ser humano, segundo a doutrina cristã, (imagem e filho de Deus) ser portador do gene divino e como tal a sua dignidade ser intocável e ter liberdade de consciência. A igreja institucional precisou de muito tempo para reconhecer na prática, os valores cristãos que a revolução francesa secularizou. Facto é que uma religião como o Islão, que não reconhece a dignidade humana ao indivíduo, não permitindo consequentemente a liberdade religiosa à pessoa, critica o catolicismo de se ter comprometido demasiado com o modernismo e acusa a “imoralidade” ocidental como consequência da liberalização.

Desde o Concílio tem havido grandes discussões e controvérsias entre a ala conservadora e a ala progressista da Igreja. Em águas agitadas da História, em momentos de transição, como aqueles em que nos encontramos, não é fácil chegar-se a compromissos na base da consideração das duas alas entre si. Um problema grande para a eclésia é o facto de muitos dos seus filhos prescindirem da comunidade e se arrogarem a apresentar o seu conceito de igreja como um conceito absoluto (no caso um absolutismo contra outro), quando segundo a mística católica se deve pensar e agir não só a partir do eu mas especialmente a partir do nós (cf. Trindade). Deparamos, por vezes, com uma tendência absolutista por parte da estrutura e um individualismo absolutista por parte de muitos dos seus críticos. De que há falta são personalidades fortes dentro da eclésia. Por todo o lado se encontram indivíduos célebres aplaudidos e feitos por esta ou aquela ideologia sem preocupação pela comunidade, que como o individuo é fraca, precisando os dois de ajuda. A ordem do dia para uns e outros poderia ser: ter compaixão uns dos outros na empresa da metanoia individual e eclesial!

De facto, os conservadores, se não o dizem podem pensar o seguinte: o que os progressistas exigem do Vaticano já se encontra praticado pela igreja evangélica e esta parece ter ainda mais dificuldade em congregar gente no serviço religioso do que os católicos. Por outro lado, se a Igreja Católica se aproxima mais da prática protestante isso corresponde, ao mesmo tempo, distanciar-se da Igreja Ortodoxa e das outras religiões. Por outro lado, o conservadorismo e autoritarismo reinante entre os muçulmanos têm ajudado os maometanos a afirmar-se nos meios seculares europeus. Também se observa nos meios progressistas (Europa e USA) uma mentalidade racionalista por vezes à margem da fé! Uma razão sem fé é fria e uma fé sem razão é escura. A desarmonia já se encontra no ser de cada pessoa. Para uns a necessidade de salvação manifesta-se numa aspiração individualista e para outros numa ideia colectivista. A situação da igreja institucional não é de invejar. Dará erros se se orientar para o conservadorismo e errará se se movimentar para o progressismo. O único elo que dará consistência a uma igreja diferenciada é o amor. Sempre que o amor falte na relação seja da parte institucional ou da parte individual, perderam as duas partes a razão, porque o que mantem a relação entre o tu e o eu é o nós (o paráclito). Deixa de haver acção para se passar à reacção e a reacção fomenta a entropia.

A ideologia torna-se cada vez mais forte, querendo uma minoria europeia e americana impor a sua mundivisão como a medida da renovação sem considerar a visão doutras igrejas cristãs fora do Ocidente. Muitas vezes parece confundir-se ideologia com fé. Por outro lado seria possível uma igreja petrina forte em que as igrejas locais tivessem mais poder de iniciativa.

Um outro problema institucional é o facto de, no cristianismo, um bispo por poder sacramental estar à frente duma igreja e poder continuar igreja mesmo separando-se da Igreja mãe. (Em 1970 o bispo Marcel Lefebvre não aceitou a celebração da missa em vernáculo fundando a Fraternidade Sacerdotal Pio X que exige o regresso às práticas anteriores ao Vaticano II). O Papa para os não perder tem-se esforçado dando-lhes a mão, mas ao fazê-lo descontenta aqueles que querem uma igreja mais ao modo do mundo moderno. Isto torna mais difícil as conversações e os consensos. Por isso até uma minoria de bispos pode condicionar a tomada de decisões a nível do Vaticano. Também a mim me custa verificar que a Igreja Católica não dê mais um passo abrindo o diaconado às mulheres. Um presbiterado, demasiado masculino, não se encontra muitas vezes preparado para um mundo que embora de comportamento macho afectado, é, na sua alma, feminino.

Parece ser óbvio que a Igreja petrina se abra mais no sentido da Igreja joanina.
O catolicismo, primeiro modelo e ideal global de comunidades orgânicas complementares, tem a consciência de ser uma comunidade de crentes (Communio) no mundo e não uma cultura que se quer impor ao mundo.


O desenvolvimento da personalidade humana inerente ao cristianismo é único numa fenomenologia das culturas. Naturalmente que uma religião que fomenta o Homem adulto não pode comportar-se como outras culturas que o querem súbdito.

É doloroso verificar-se como a Igreja Católica é atacada, quando ela continua a ser a garante da memória da Boa Nova que dá consistência a um mundo ocidental desorientado. Uma cultura, uma civilização precisa, para subsistir, não só da masculinidade da política e da economia (corpo) mas também da feminidade da religião (alma). Portugal atingiu o apogeu da sua história no momento em que melhor soube unir os dois elementos (corpo e alma) no seu agir (Formação da nacionalidade e Descobrimentos).


António da Cunha Duarte Justo
Antoniocunhajustogmail.com
www.antonio-justo.eu

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