CARTA
ABERTA DE UM PORTUGUÊS A ÂNGELA MERKEL
Bem-vinda a
Portugal
António Justo
Prezada chanceler Ângela Merkel! Também eu lhe quero escrever uma carta,
que pode ler durante a próxima deslocação a Portugal! Aqui vou ser benévolo
porque o que espero de si é ajuda e a ajuda que nos pode dar é louvar o povo,
admoestar as nossas elites e motivar alemães investidores a estabelecerem-se em
Portugal... Pedia-lhe também que chamasse a atenção dos portugueses para
redescobrirem as suas raízes germânicas (temos no nosso vocabulário cerca de
600 palavras germânicas), uma vertente cultural e de génio que garantiria mais
futuro à nação.
Helmut Kohl, seu promotor, dizia:
“não quero uma Europa alemã mas uma Alemanha europeia”! Os povos do Sul
acusam-na de querer uma Europa alemã. Eles só aceitaram a união da Alemanha sob
a condição de esta ser vinculada à Europa. Sabiam que V. Excia. tem um povo
muito trabalhador e forte, e que isto poderia vir a criar problemas de
concorrência a outros povos não menos conscientes de si, mas talvez menos
eficientes, numa Europa das nacionalidades que parece renitente em reconhecer
os sinais dos tempos. A Alemanha perdeu a guerra e apesar disso, depois de
destruída, com muito trabalho, conseguiu reconstruir-se e posicionar-se de
maneira vantajosa a causar inveja aos vencedores. Isto apesar das indemnizações
feitas aos vencedores e do apoio que presta a outros povos, o que lhe tem
granjeado admiração e simpatia de todos os povos fora da Europa.
Naturalmente, de Vossa parte é necessário mais respeito no trato dos
parceiros europeus. O preço da paz na Europa não se reduz apenas ao aspecto
económico. A paz interna só pode ser
conseguida com uma europa social e confiante. A política de subvenções até agora seguida é injusta e como tal fomenta
conflitos (a manteiga europeia é mais barata em Marrocos que na Europa);
não podemos ter uma Europa protectora do comércio internacional e das suas
finanças que não proteja, ao mesmo tempo, todos os seus cidadãos.
No dia 12 de Novembro, V. Excia. vem a Portugal. Certamente, não nos vem
ler os levíticos porque estes já lhe são lidos na Alemanha, com as acusações
que muitos seus conterrâneos lhe fazem, culpando-a de esbanjar com o estrangeiro
os dinheiros que os contribuintes pagam, de hipotecar o futuro dos netos da
nação, e outros queixando-se que se encontrariam em melhor companhia com o
marco alemão do que com o Euro enquanto outros alegam que V. Excia. não faz o
suficiente pela Europa, e que quer exportar o espírito alemão para a EU (União
Europeia).
Não se preocupe, só quem age faz erros e a Europa sofre de velhice pensando
que pode viver dos rendimentos, numa altura em que as culturas e os continentes
se reorganizam e quem não estiver atento perderá o comboio da História. Hoje
que já não resolvemos os problemas nacionais com medidas nacionais, nem através
da guerra, precisamos, mais do que nunca, de espíritos lúcidos e sem medo. Numa
Europa do relativismo decadente precisamos de pessoas e nações com vontade
forte. Portugal e a Europa necessitam de restauração.
Nota-se uma desconfiança geral, por toda a Europa, quanto ao projecto de
construção dum Estado federal europeu (USE)! Muitos erros têm sido feitos com
uma cúpula da EU (União Europeia), longe do povo e das regiões, demasiadamente
fixada na economia e no comércio sem considerar a alma que lhe deu o ser e
possibilitou o seu corpo. No meio de tantos erros e da complexidade do projecto
EU toda a gente barafusta perdendo de vista o projecto supranacional que é a
construção daquilo que lhe garantirá o futuro: os USE! Os inimigos de tal
projecto aproveitam toda a ocasião para uma crítica destrutiva, agarrando-se só
aos erros que têm sido cometidos sem terem em conta os sinais dos tempos e o
que urge fazer. Naturalmente que o neoliberalismo que a EU tem seguido é
destruidor de microorganismos e de toda a erva rasteira do grande biossistema
cultural europeu. Aqui há que arredar caminho, para não criarmos espaço para os
dinossáurios especuladores universais, sem abdicar do projecto que urge: a
criação dos USE. Cada vez é maior a parte
do povo socialmente excluída ou que vêem a sua participação social em perigo.
Excluídos da sociedade, perdem o sentido de pertença, tornam-se infelizes e
desmotivados a participar. Resignam e vêem-se na necessidade de se defenderem
de tudo o que lhe é estranho…
Sabe, os meus conterrâneos, ao contrário dos seus (que aprenderam com a
guerra), foram habituados a saltar para a rua, ao som de fanfarras ou de
palavras de ordem ideológicas, pensando que uma revolução ou uma mudança axial
histórica como a que se encontra em via, se realizam em festa e que se resolve
o problema acabando com elites, com os “fachos” (pessoas com dinheiro ou
posição) confiando que os mandantes lhe assegurariam o pão. Estes porém
serviram-se do Estado para eles e o povo só agora começa a acordar. Tinha-se
esquecido da experiência de que “quem se deita com crianças acorda molhado”! A responsabilidade do Estado, da nação e do
povo está principalmente nas nossas elites, egoístas, sem consciência de povo
nem responsabilidade nacional histórica.
Senhora chanceler, não se admire, se houver muita gente a fazer barulho na
rua falando de tudo menos da própria vida e dos próprios erros. Os que mais
reivindicam são geralmente aqueles que melhor vivem e a quem é indiferente a
situação do Estado e que, em situações de perigo, tal como os governantes,
metem a cabeça debaixo da areia, à imagem da avestruz, marimbando-se para o
Estado e para a maneira como vive o povo. Este que pague a conta! Bem comum e
povo é, para muitos, um estrangeirismo, ou, quanto ao primeiro, algo estranho e
quanto a povo depreciativo! Infelizmente,
nós, quando nos referimos ao povo, não entendemos o mesmo que os alemães
entendem quando falam de Volk (Povo), e isto é sintomático; nós quando
empregamos a palavra “povo” incluímos nela a ideia do coitadinho como se se
tratasse da classe inferior, de algo estranho ao ser de Portugal. Muitos
dos nossos meninos engravatados da capital, continuam a ser os envergonhados da
província, acantonados em Lisboa, renegando as suas origens - a província - não
aceitando o f(v)olklore e ostentando
o trofeu do doutor, o feitio citadino, como algo que “nos” distingue e eleva da
terra e do tal “povo”.
Sabe, senhora Merkel, esteja atenta quando fala; as mesmas palavras não têm
o mesmo sentido na Alemanha e em Portugal, cada palavra tem o seu cenário de
fundo, o seu espírito; a língua alemã é
muito concreta, com cheiro a terra e povo e a língua portuguesa também ela
completa é porém muito abstracta com cheiro a Corte, precisando de mais
intermediários, que se aproveitam do cargo e da interpretação!
Para ter uma ideia da urgência em restaurar a mentalidade portuguesa, cito-lhe
uma frase que ouvi de uma pessoa amiga que pertence à elite portuguesa, a qual,
referindo-se aos cortes que o governo tem em mãos, afirmava convicta: “com os
cortes “nós” é que sofremos, o povo, esse já está habituado a sofrer e por isso
não lhe dói tanto”. Esta mentalidade levou-nos ao ponto onde nos encontramos, e
isto também tem a ver com o que se entende por povo! Sabe, senhora Chanceler, a
nossa governação distribui o mal pelas aldeias e reserva o bem nos seus
subterrâneos (Bunker) da cidade, cortando cautelosamente nos privilégios dos
beneficiados do sistema e tirando desmedidamente à boca dos que vivem com
dificuldade (a tal incoerência entre capital e província!). Por estas e por
outras, não venha massacrar mais o povo dizendo-lhe que deve tirar mais à boca;
venha pedir contas às nossas elites,
conceda-nos créditos a baixos juros e mande-nos firmas alemãs para Portugal
como nós mandamos portugueses trabalhar para a Alemanha.
Doutora Merkel, também os há que são
nacionalistas, não patriotas, de esquerda e de direita, os eternos
descontentes contra a Europa e há também
os indecisos que pensam que Portugal se encontra na África ou na América do Sul
e que a salvação lhes virá de lá como nos gloriosos tempos dos descobrimentos!
Põem as suas esperanças fora deles e isto é erro fatal. Muitos sentem-na como
uma desmancha-prazeres que nos vem acordar de sonhos tão altos e tão belos que
nos impediam de sujar as mãos no banal do dia-a-dia. Os governantes sabem que o
povo precisa dum tubo de escape para evacuar tanta dor, tanta escuridão tanto
fel. Muitos ainda não se deram conta que nos encontramos num momento axial da história e que ou se constrói a
federação europeia ou as nações serão esmagadas pelo poder económico doutros
blocos, dado, o momento histórico em que nos encontramos, ser a fase de
transição da era das concorrências/confrontos nacionais para a era das
concorrências/confrontos entre civilizações (culturas). (Naturalmente que
em muitos aspectos têm razão nas críticas que fazem contra a maneira como são
destruídos biótopos culturais e no facto de se continuar com a estratégia de
afirmação de egoísmos nacionais injustos). O
período mais longo da História da europa sem guerra é este em que vivemos. A
nossa paz no futuro e o nosso bem-comum só poderão ser assegurados por um
estado federado europeu (USE), com todos os problemas inerentes ao processo. Não
podemos regredir para a época das guerras nacionais. Mas também não podemos
deixar destruir o humanismo e os direitos humanos individuais europeus por
poderes anónimos e demoníacos em acção. As regiões mais fracas também não podem
ser abandonadas aos mais fortes que tudo pisam e atropelam como elefantes.
Muitos dos meus conterrâneos aprenderam na época do 25 de Abril que era
mais fácil colocar um bom professor na rua do que dar um mau diploma a um mau
estudante. Fomos em parte prejudicados por uma fornada de académicos de Abril
que passaram a aquecer o seu lugar em postos relevantes de empresas e do Estado
(A cunha e o nepotismo tinham muito poder!). A formação foi mais orientada para
a carência do que para a competência. Pensava-se
que a liberdade e a igualdade eram gratuitas e que a responsabilidade era
substituída pela desobriga do partido. Seria importante que a sua vinda a
Portugal motivasse as novas gerações portuguesas a adoptarem o modelo de
formação profissional e de trabalho alemão. Sabe, chanceler Merkel, ao lado de
muitos portugueses espertalhões encostados ao Estado e a sociedades, há muito
bons portugueses que trabalham ou emigram para sustentar a má governação já
crónica na nação. A culpa não é deste ou
daquele partido, o problema é institucional: uma mistura de mofo medieval com
jacobinismo da revolução francesa, um verdadeiro vírus da mentalidade moderna
portuguesa. Isto não quer dizer que em Portugal não haja grandes cabeças
nas nossas elites; não, pelo contrário, só que cada um pensa só em si ou no
grupo a que pertence. A massa cinzenta parece não quer sujar as suas mãos.
Dona Ângela, tenho um pouco de esperança que o seu empenho pela construção
da Europa a leve a evitar que Portugal se torne num achado para o
enriquecimento dos dinossáurios das finanças internacionais através de
privatizações de empresas significativas portuguesas. Enquanto o Estado alemão salvaguarda, nas suas empresas, os interesses
nacionais, Portugal corre o perigo de, com as suas privatizações, só servir
interesses internacionais do Goldman and Sachs e de pessoas a eles ligadas.
Monstros internacionais querem tomar conta da nossas empresas de energia,
águas, saúde, banca, seguros, etc. para através delas ditarem preços aos
clientes e ao Estado. É verdade que o Estado alemão e a economia europeia
também sofrem com as manipulações do Goldman and Sachs, do Citygroup, do Wells
Fargo, e de outros, mas, a RFA, como potência mundial, encontra maneira de
defender os próprios interesses entre os grandes porque também eles dependem do
seu bem-estar. Nós os pequenos, estamos entregues à bicharada, precisamos de
quem nos defenda dos predadores internacionais e dos parasitas de Portugal,
até, convosco, aprendermos a andar por nós. Os nossos estadistas têm de
aprender a comportar-se como instituições estatais.
Onde há muita luz também há muita sombra! Uma “Europa” que foi a luz do mundo encontra-se na penumbra, confrontada nos seus tenros valores de solidariedade e democracia por pragmatismos desumanos e por mundivisões egocêntricas e anónimas fortalecidas pelo oriente. A RFA sonhava com uma Europa à sua imagem, uma EU estável, soberana, numa Europa das regiões capaz de enfrentar futuros desafios da Ásia e da estratégia troiana árabe.
O nosso futuro, não se revela promissor, só deixa prever desilusão e uma
vida cada vez mais precária na saúde, assistência social, reformas, trabalho.
Eu venho dum „povo de descobridores” que de tanto se fixarem no atlântico e
no sonho das ideias altas perdem o solo debaixo dos pés. Falam deste, culpam
aquele como se a glória dum descobridor não se pudesse medir com a dum
trabalhador. Naturalmente que cada povo tem a sua maneira de actuar. Um Norte
mais formiga um Sul mais cigarra; e agora, que o tempo frio da escassez se
aproxima, começa a guerra do palavreado. Um porque cantou o outro porque
trabalhou demais, cada qual tem o seu arrazoado. Nem a formiga vive só de pão
nem a cigarra do seu cantar. A vida é luta e quem pensa que há algo de graça
perdeu toda a graça.
Na Alemanha, alguns seus conterrâneos dizem que seria melhor que os países
com dificuldades abandonassem o euro para assim poderem refazer as suas
economias e desvalorizar a sua moeda de maneira a poderem fazer concorrência ao
estrangeiro com os seus produtos mais baratos. Outros falam da criação dum euro
mole ao lado do forte. Isto significaria marcar passo no desenvolvimento dos
USE.
Fico triste quando vejo pessoas do meu povo a associar o seu nome ao de
Hitler; não ligue, geralmente fazem-no as cigarras não as formigas. Alguns até
querem que a Alemanha recomece agora a pagar os desastres da guerra que
provocou como se não tivesse havido já as reparações impostas internacionalmente;
imagine-se que os portugueses começassem agora a exigir reparações pelas
invasões árabes, pelas invasões franceses e os colonizados pelas colonizações…
Portugal há já séculos que anda ajoelhado, não por culpa dos outros mas por
mérito próprio. Olhamos demasiado para os nossos monumentos e esquecemo-nos do
dia-a-dia. O facto do grande escritor alemão Schiller ter dito que daria toda a
sua obra para poder ter escrito “Os Lusíadas” não justifica que a Alemanha
tenha agora de nos alimentar. O trabalho honrado dos portugueses espalhados
pelo mundo, enriquecendo outros povos, só honra o luso emigrante e demonstra a
incompetência das nossas elites para criar condições capazes de os alimentar
dentro dos seus muros; não nos dá direito a pôr exigências a outros povos, como
fazem alguns. As diferentes velocidades de desenvolvimento das economias, é que
é necessário ajustarem!
A lusofonia é grande mas só será maior através da vontade de ser e do
próprio trabalho não se podendo dar à veleidade de viver dos rendimentos dos
seus antepassados nem de sobrecarregar o futuro dos filhos com dívidas.
Também o facto de a nossa colonização ter sido “meiga” tem a ver com o
espírito universal português e com a nossa fraca organização de Estado, em
termos de nação, o que se revelou positivo também para povos desorganizados que
descobrimos.
Muitos dançam ainda ao som da cantiga da “culpa alemã”, em vez de
procurarem entender porque é que a Alemanha é forte e porque é que outros que
ganharam a guerra o não são e porque não analisamos seriamente a razão da nossa
situação crítica. Os governantes portugueses quiseram ser bonzinhos pondo o
país e o povo à disposição duma Europa sôfrega. Confundiram o Estado e os seus
parasitas com a nação. Por isso Portugal chegou onde está. Os governos alemães
e os sindicatos, que procuram ter em conta, primeiramente o bem-comum do seu
povo e depois os interesses dos filiados, são acusados agora de nacionalistas.
Acusam V.Excia. de lhe ter subido o” poder à cabeça” como se não fosse
dever dum eleito governamental defender também os interesses do povo que o
elegeu. Os nossos não o fizeram, e queixam-se agora dos outros, esperando deles
beneficência.
Os partidos portugueses, que assumiram a responsabilidade dos governos,
foram outrora apoiados económica e ideologicamente pelo estrangeiro. Depois
mostraram-se agradecidos para com os que os apoiaram pondo-lhes à disposição
uma nação que lhes não pertencia. Por cima das irmandades partidárias deve
estar o povo e o país.
Prezada Ângela, ajude Portugal! Admoeste os políticos, ensine-os a
defender, como você, os interesses nacionais sem se tornarem nacionalistas.
Ensine-os a não confundir o património cultural e económico português com o
património do partido ou do grupo de amigos e conhecidos seja em que situação
for.
Nós também percebemos que os construtores da EU têm que nos contar muitas
mentiras para verem se conseguem, com pequenas guerrilhas, a unidade dos USE,
sem guerra, ao contrário do que se deu com o processo de unificação dos USA.
Uma cultura que sempre liderou o mundo encontra-se, de momento, receosa… A
chance de cada Estado está na USE e na peculiaridade de cada país poder
encontrar um prolongamento da sua identidade nas ex-colónias e assim vir a dar
à luz um mundo mais humano e solidário.
De momento o problema da Europa é
ser uma união sem soberania e o problema de Portugal está em ter um estado
soberano sem nação nem povo.
Prezada chanceler, a carta
tornou-se longa; também isto é uma característica nossa: falar muito e deixar os
outros fazer. Com a vossa ajuda arregaçaremos as mangas e começaremos a
construir a nação à imagem do que a Alemanha fez, depois da guerra e do que
fizeram os nossos antepassados na fundação da nação e nos descobrimentos.
António da Cunha Duarte Justo
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