segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Papa Bento XVI e os Sinais dos Tempos

Do Perigo dos Talibans da Opinião e dos Monopolistas da Verdade
O ser (o Bem) é mais que o valer (Valores)
                               
António Justo

Impossibilidade dum Papa à la Carte

Ser Papa implica ter um perfil impossível de conciliar com dogmatismos tradicionalistas ou progressistas. Os progressistas parecem querer fazer do catolicismo o que os evangélicos já são e os conservadores parecem ignorar o facto que o mundo segue aqueles que o mudam. A realidade apresenta diferentes perspectivas de avaliação. É impossível conseguir um papa à medida dos diferentes interesses de pessoas e grupos que exigem dele ser o seu peixe sem espinhas. Uma instituição exerce poder, por natureza, sendo como tal injusta na perspectiva individual; o mesmo se dá com o indivíduo ao exigir uma instituição à sua medida, quando a instituição terá de ser tecto para todos com as suas diferenças (o mesmo dilema se encontra entre a lei constitucional e a lei forense). Como é impossível ter um Papa à medida de todos mas, possivelmente, à medida do todo, há na Igreja as diferentes igrejas e responsáveis inseridos em diferentes situações éticas, étnicas e políticas; mas todos numa atitude de obediência a Jesus e de abertura ao Espírito Santo. Ser Papa (servo dos servos) significa seguir a cabeça da Igreja que é Jesus e estar atento ao Espírito Santo que se expressa em todo o lugar dentro e fora da Igreja. Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome lá estarei eu no meio deles (Mt 18,20). Neste grande corpo somos todos irmãos embora com diferentes carismas e missões, a serem respeitados. O magistério do Papa tem um caracter constitucional (constituição viva) mas tem de ser interpretado pelas comunidades locais num ambiente de tolerância recíproca superadora da arrogância dogmática do criticador e do criticado, à luz do E. Santo. Observa-se também na eclésia, entre membros e instituição, um discurso, por vezes, mais orientado para a divergência do que para a convergência. Este é um estilo machista baseado na concorrência que, em vez de tentar unir as pessoas, propaga um jogo não criativo de uns contra os outros, como se o Mestre não estivesse no meio deles. A igreja é de todos os pecadores, sejam eles tradicionalistas ou conservadores, papas, teólogos, doutores, pastores ou rebanho. O Espírito sopra em toda a seara.

A Igreja precisa de rejuvenescimento 

Bento XVI, o teólogo na cadeira de Pedro, merece todo o respeito pelo passo corajoso da sua renúncia. Esta não foi uma decisão instantânea até pelo facto de, contra o habitual, não terem sido programadas viagens papais para o ano de 2013. Um Papa é eleito vitaliciamente mas o direito canónico dá-lhe o direito de renúncia. Com o seu gesto de resignação, Bento XVI dá oportunidade a um “recomeço”, numa Igreja que se entende como “semper renovanda”.


Bento XVI nem sempre sintonizou com certas manifestações do século XXI, também porque algumas delas (absolutização do individualismo e redução da pessoa a mercadoria) afectam os fundamentos do cristianismo. 

Toda a pessoa está sujeita ao envelhecimento biológico e ao envelhecimento social; biologicamente, a nível de gerações e socialmente porque o mundo/sociedade em que vivemos não pára e até nos chega a ultrapassar. 

A eleição dum novo Papa será uma oportunidade para a Igreja estar atenta aos sinais dos tempos sem se deixar sorver pelo remoinho do espírito do tempo. Numa altura em que a sociedade ocidental se abre cada vez mais aos valores da feminidade seria oportuno repensar-se novas funções da Igreja para a mulher (Diaconado!); também no que respeita aos divorciados que queiram casar novamente, neste sentido seria uma boa altura para alargar os factores que justificam o anulamento dum casamento, etc. No século XXI seria uma das suas grandes missões o fomento não só do Adão (masculinidade) mas também da Eva (feminidade) como maneira de estar também na instituição.

Salvo erro, na época que atravessamos, penso que a eleição dum Papa africano ou asiático corresponderia, mais uma vez, à antecipação da Igreja (através do Paráclito) em relação ao decurso da História. 

No pontificado de Bento XVI sobressai a intelectualidade/teologia 

Bento XVI é um intelectual, fiel a si mesmo e à eclésia e coloca-se, com a sua renúncia, mais próximo do povo. “As minhas forças em consequência da minha avançada idade (85 anos) já não são razoavelmente apropriadas para exercer o serviço de Pedro”. 

A primeira preocupação do seu pontificado foi a acentuação do amor. Neste sentido escreveu a encíclica “Deus é Amor” (Deus caritas est) apelando à fé no amor (característica cristã) que é também eros e caridade.

A sua segunda preocupação foi a Verdade. Contra o relativismo corrente, afirma que é no cristianismo onde a verdade se pode reconhecer melhor. Na encíclica "esperança cristã" (Spe salvi) apresenta a fé como esperança. A sua encíclica social “caridade em verdade” (Caritas in Veritate) versa vários temas socioeconómicos e a crise económica e financeira.

Também esclareceu que opiniões mesmo institucionais estão sujeitas aos condicionalismos (manifestações) do tempo. As reacções estão muitas vezes determinadas pelo tempo mas o que importa é a atitude de fundo que prevalece.
Admoestou todos os cristãos, católicos e não católicos, a estarem atentos ao essencial. “Deus actua silenciosamente” (baixinho, discretamente).Teólogos protestantes louvaram os livros de Bento XVI sobre Jesus, afirmando que eles também poderiam ter saído duma pena protestante. Bento XVI é certamente o maior teólogo do nosso tempo, e de grande relevância para uma reflexão comum, como reconhecem também altos dignatários evangélicos. Também seria pertinente que os construtores da União Europeia lessem atentamente os seus escritos, devido à sua pregnância cultural, e aos perigos que esta corre e que ele admoesta a evitar. O Cristianismo (Igreja Petrina) é a mãe da Europa e duma globalização a ser realizada em serviço do Homem e não apenas em serviço da economia.

O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, antigo pastor evangélico, reagiu à sua renúncia dizendo „A sua fé, a sua sabedoria e a sua humildade humana impressionou-me profundamente”.

A sua aura foi enevoada com o escândalo de abusos, Vati-leaks-Affäre, com os documentos roubados da sua secretária e com o drama da irmandade Pio XII. Procurou conciliar a liturgia pós-conciliar com a anterior e assim superar a separação com os tradicionalistas em torno de Marcel Lefebvre (irmandade Pio X). A sua preocupação principal foi a união da igreja (impedir a formação duma igreja retrógrada - a irmandade Pio X) e apelar à renovação interior das pessoas; empenhou-se na defesa dum mundo de valores humanos globais, da ecologia e da mudança social; ele lamentou o pecado na Igreja pedindo perdão. Embora não tenha sido um reformador estimulou os crentes a ocuparem-se com as consequências do mundo moderno. Bento XVI foi um mártir do silêncio. “Eu sou apenas um simples pequeno trabalhador na vinha do Senhor”. A História reconhecê-lo-á como um padre da Igreja que dedicou toda a sua vida à pergunta de Deus; da resposta a ela depende a subsistência duma civilização. 

Os Talibans da Opinião

A Igreja tal como o ser humano é santa e pecadora. Somos portadores da gene divina e da gene “diabólica” tanto a nível individual como institucional. O problema da arrogância tanto institucional como individual vem da propensão para a autoafirmação/individuação à custa de alguém; por trás duma crítica destrutiva ou duma afirmação absoluta esconde-se um grande ego que se branqueia, esquecendo o aspecto negativo da própria gene. Daqui resulta uma crítica destrutiva, exclusivista que esquece o aspecto complementar de tudo o que é real, não notando que a certeza com que se condena o adversário tem o mesmo fundamento do que se condena ou defende e o mal e o bem que se encontra no outro se encontra latente em nós também.  

Por vezes predomina a maldade do julgamento e a absolutização da própria opinião perante a razão. Muitos papitas aproveitam-se do que acontece no vaticano para vociferar contra o Papa identificando a Igreja e o Papa com o Vaticano. Forças políticas e económicas, da globalização estão interessadas em enfraquecer a voz da primeira organização global que manifesta a voz de quem não tem voz; interessa-lhes ter o povo indefeso à disposição sem alguém que lhes leia os Levíticos. Uma instituição com a missão de garantir a continuidade dos valores fundamentais não poderá agradar nem a tradicionalistas nem a progressistas, nem tão-pouco ao turbocapitalismo e às ideologias. A sua missão é mediadora no seguimento humilde do Espírito.

A Igreja petrina terá de continuar a assegurar a memória de Cristo e de viver na convergência, a exemplo do seu Mestre, para poder garantir a continuidade. Espera-se da Igreja o discernimento de distinguir entre o espírito (o bem) e os valores, entre o ser e o valer. Facto é que o espírito/o bem é e os valores valem. O espírito é eterno e permanente, os valores são circunstanciais, limitados. O espírito, o bem (o ser) é mais que o valor (o que vale moralmente). O que vale aqui (ocidente) pode não valer acolá no oriente. Os valores estão ao serviço do ser, da felicidade. Bento XVI actuou no sentido duma ética do ser, uma ética da convergência. A crítica positiva ou negativa ao seu actuar tem mais a ver com posições legítimas mas que não podem ser dogmáticas nem infalíveis; ao contrário do que se observa na expressão pública. 

Na vida real primeiro vem o comer e só depois o dever. A moral (dever) não pode porém ser subjugada ao comer, ao espírito do tempo que julga tudo pela onda (situação) em que se encontra envolvido, fazendo dela um dogma. A polarização e o ecletismo não levam a nenhum lugar, o que importa é a síntese. Neste sentido Bento XVI usa um discurso modesto e irénico (conciliador, integrador) e não apologético dialético. Há muito que aprender dele.
 
A vacância papal.

A vacância papal começa no dia 28 de Fev. às 20 horas. O conclave dos cardeais será convocado para Março. Bento XVI recolher-se-á no mosteiro carmelita do vaticano. O novo Papa será eleito pelos cardeais (120) que ainda não atingiram os 80 anos de idade. O Papa para ser eleito terá de conseguir dois terços de todos os votos.
Especulações de possíveis cardeais papáveis fazem referência aos cardeais: Peter Turkson do Gana, Francis Arinze da Nigéria, Otto Schrerer do Brasil, Marc Quellet do Canadá e Ângelo Scola da Itália. 

Resta esperar que os cardeais reunidos em conclave se abram ao Espírito Santo, conscientes de que a Igreja não é o Vaticano, mas que o Vaticano tem muita responsabilidade, não se podendo deixar  subjugar por interesses de poder ou de facções.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
antoniocunhajusto@gmail.com
www.antonio-justo.eu

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