A Guerra dos
Interesses económicos e geoestratégicos
António Justo
Em tempos democráticos também a guerra tem de ser democrática!... Por isso o espírito
democrático ocidental, das grandes potências, tudo faz para que a guerra seja
democrática e como tal surja do povo, mas lá fora, onde a democracia ainda não
vive bem. Então os revoltosos chacinam e a TV alegra-se por poder mover a
veia sentimental dum povo padecente não da guerra mas da sua “paz”. Depois a
maioria dos cidadãos protesta e grita para que seus estados intervenham para
porem cobro à barbárie alheia. Passados dois anos de desinteresse na formação
dum governo de coligação do presidente Assad com os revoltosos, os janotas do
poder (EUA, Inglaterra e França), cheios de compaixão pela dor dos seus, depois
de terem enchido os seus rebeldes de armas até aos dentes, levantam as vozes,
apregoando a intervenção mortífera como solução, em nome da humanidade. Como no
Iraque e noutros lugares intervêm então para porem fim à cólera e depois se
irem embora deixando a peste.
Só para relembrar: a Síria é o palco dos interesses entre dois pretendentes
a serem potências hegemónicas no mundo islão: dum lado os interesses da Turquia
(apoiados pelos EUA) como ponta avançada dos sunitas e do outro lado os
interesses do Irão como representante dos xiitas. No Iraque também havia o
mesmo conflito entre xiitas e sunitas e urdiram-se os mesmos pretextos para
depor Saddam Hussein. Depois da intervenção armada dos EUA e coligação, a
situação e as lutas entre os grupos rivais é muitíssimo pior que no tempo de
Saddam Hussein.
Na Síria não há uma guerra civil, há uma guerra de rebeldes ao serviço de
interesses estrangeiros (e dos extremistas islamistas) contra um estado de
direito que por muito torto que seja, o seu direito não é menos torto do que o
direito dos pacifistas armados. No seguimento doutras mentiras, à mentira do
Iraque juntar-se-á a mentira da Síria. A pretexto de armas químicas pretende-se
justificar uma intervenção militar. De qualquer modo a punição do uso de armas
químicas só viria castigar Estados e nunca rebeldes que as usassem!...
Tal como na fase da motivação da população para a intervenção no Iraque, os
meios de comunicação social quer europeus quer dos EUA, fomentam a histeria dum
público aberto e preparado para toda a espécie de manipulação. Constroem-se
cenários e multiplicam-se informações contraditórias para confundir quem só tem
tempo para assimilar os títulos dos jornais e viver de uma opinião formada
principalmente de desinformação. Para nós, os cidadãos bem viventes do
Ocidente, também nos convém o engano que os nossos eleitos nos propagam.
Confiamos-lhe a preocupação do nosso bem-estar e dele também faz parte a posse
duma boa consciência. Por isso ficamos-lhes gratos por nos enganarem porque
além do lucro do domínio temos o proveito da boa consciência. Somos alimentados
a falar dos barbarismos dos outros, bem como dos barbarismos doutros tempos
para não notarmos o aziúme das barbaridades de que vivemos. O não saber também
ajuda a viver!
Hoje, no tempo das culturas
globais, um conflito local passa a ter significado global, dado, as potências
terem transferido as guerras para as regiões onde decorre o negócio. Hoje as linhas de batalha
decorrem onde os interesses das potências colidem. Antigamente eram as
monarquias que regiam os povos, hoje são as oligarquias das grandes potências.
Por isso se passa da época das guerras para a das guerrilhas. Praticamente
deixa de haver guerras civis para haver guerras democráticas de relevo
internacional!...
Como se constata, até a guerra se
democratizou, sim, porque parte do povo. A estratégia muçulmana tem-se revelado
como a de maior eficiência da nossa época, pelo que é aplicada com sucesso
também pelas potências ou pelos países que pretendem sê-lo (caso da Turquia e
do Irão). O Ocidente deixa nos seus países os estilhaços da guerra e eles
trazem para o Ocidente os filhos da guerra.
Sim, o cidadão anafado prefere
não saber para melhor viver! O futuro é sempre prometedor porque é futuro; não
importa qual!
António da Cunha Duarte Justo
2 comentários:
Ótima análise.
Interessante também notarmos que há uma ‘coincidência” nesta movimentação de preparação de uma intervenção dos EUA, França e Inglaterra, com o momento de recuperação econômica que vivem, após longo período recessivo. Como sabemos os interesses da indústria bélica são enormes, é uma indústria das mais rentáveis. Esta indústria para captar novos clientes necessita provar a eficiência de seus produtos, nada melhor para isso do que uma útil “guerrinha” para demonstrar a potenciais clientes a eficiência tecnológica dos produtos por ela produzidos. Melhor ainda se isso convergir para outros interesses “nacionais” (entenda-se aí, dos grupos econômicos que dominam o sistema político de cada uma destas nações). E o povo , tanto da Síria, dos EUA, da França e da Inglaterra?
Ora bolas, o “povo” ? Mas que “povo”?
isso é só detalhe, para quem faz o jogo de poder. Para estes o que conta é a manipulação das massas populacionais e quanto mais desinteressado com o conjunto e mais voltados para sua própria sobrevivência cada povo estiver, melhor será para as lideranças dos países hegemônicos.
No Brasil é comum que se diga: ” Não gosto de política”. “Não gosto de políticos”.
Imagine a força que isto tem em um país que oficialmente já ultrapassou seus 200.000.000 (duzentos milhões) de habitantes. Não é a toa que o Brasil é o paraíso da classe política, tanto que esta semana tivemos um, um deputado federal, sentenciado pela instância máxima do poder judiciário brasileiro, com seu mandato preservado por seus pares horizontais no Congresso Brasileiro, que em votação secreta (só no Brasil, imagino) não tiveram o mínimo pudor em cassar seu mandato. Afinal, se a população não criar mecanismos que garantam boas pessoas para a representarem, se não se interessarem, o que elas devem esperar de seus países?
Nos EUA não é muito diferente. Na França muito menos. Em qualquer país também. A humanidade ainda não conseguiu criar mecanismos de convivência pacífica que respeitem diferenças culturais, que permitam ver valores reais na diversidade de populações deste planeta, que propicie respeito entre as nações.
O que está valendo são os interesses econômicos. Há quem defenda com unhas e dentes a “democracia”, bastando que um país não o seja, segundo os moldes ocidentais, para que o mesmo seja depreciado. Quem assim pensa, vê na Síria um país antidemocrático, autoritário, etc.
Recentemente houve um episódio no Brasil onde um embaixador lotado na Bolívia trouxe a contra gosto do governo daquele país um político que lá havia sido condenado pelo judiciário boliviano. Houve um mal estar entre os governos do Brasil e da Bolívia. Não entrarei em detalhes pois o tema é controverso, mas o que me chamou a atenção foi como certas pessoas muito bem formadas expressaram-se formando um imagem muito pobre daquele país, enaltecendo a “insignificância” daquele país para com o gigante brasileiro. Mas, quando indagado do porque disso, cheguei a escutar que aquele país não contribui em nada para a economia brasileira, que só manda mão de obra desqualificada para o Brasil, só dá gasto pois o governo se apropriou de investimentos brasileiros e não ressarciu o Brasil, etc, etc.
Mas, na Bolívia o governo é eleito pelo povo, a imprensa tem liberdade de expressão, as pessoas podem ir e vir quando assim o desejarem.
E na China ?
O que fica claro, é que as desculpas intervencionistas nada tem a ver com os bem elaborados discursos de valorização da democracia, do pesar humanitário, da linha de admissibilidade permita para a matança de pessoas (essa é demais).
O que conta é de fato os interesses econômicos dos grupos que controlam os sistemas políticos dos países hegemônicos, sendo os povos, inclusive de seus países, meros fantoches.
Abraços a todos os participantes, em especial ao sr. Antônio Justo.
vilson jaci araujo lopes fleck junior
in Diálogos Lusófonos 31.08.2013
Caros Participantes, prezado Senhor Vilson, o seu comentário é bem elucidativo da realidade que nos governa.
Do que observo na Europa, em plena decadência cultural devida ao liberalismo desenfreado aliado a um internacionalismo de ideologia proletária, observa-se um embrutecimento da opinião pública (cultura transmitida) e o consequente empobrecimento duma classe média que já não tem nada a dizer no desenrolar da História: uma sociedade de anafados sem vontade nem objectivos cada vez mais encostados ao Estado. Os partidos usaram duma política partidária promissora fomentando para isso, nos empregos do Estado ordenados acima da média para os seus funcionários, que são por outro lado os seus votantes mais fieis. Por outro lado encontramo-nos nas mãos duma oligarquia económica de novos ricos sem consciência, aliada a uma estupidez de opinião fomentada e querida para as grandes maças. O sistema (social democracia europeia nórdica) já foi parra que deu uvas. As conquistas da camada social média baixa e da classe popular (para lá dum pão nosso de cada dia ) estão em queda e não tem perspectivas; vive-se dos rendimentos. Os interesses dos gorilas (salve-se o respeito pelos animais) da economia mundial não obedecem a qualquer ética humana e as nações e os Estados tornaram-se suas servidoras. Por isso o povo tem de ficar cada vez mais povo para que outros consigam viver sem ser questionados. O povo não tem interesses, porque não tem voz. Nos sistemas políticos e económicos em voga, a massa só poderá ser levedada por uma camada média forte; esta dependeria do povo e não do capital ( função intermediária)!... Na Europa quer-se acabar com a classe média para que a grande maioria do povo volte a ser proletário, e assim ser mais fácil de governar. O grande problema europeu do futuro para a governação talvez não venha tanto da pobreza mas mais dos grupos populares de cultura árabe que se afirma contra os autóctones (lembre-se, segundo o que se afirma enquanto uma mulher francesa gera 1,8 filhos uma muçulmana gera quatro vezes mais, aproveitando-se do generoso sistema francês de apoio à família ).
No estádio de desenvolvimento em que se encontra o povo simples de cultura árabe serão impossíveis democracias à maneira ocidental até porque no caso de implantadas não favoreceriam a expansão do islão no mundo. Infelizmente no contexto em que se encontram estes povos, os movimentos de emancipação do norte de áfrica têm-se revelado como os melhores alfobres de guerrilheiros extremistas árabes atendendo à matriz árabe que é fascista (ressalve-se muito boa gente árabe não vítima!).
Sim o problema está nos grandes grupos de interesses dos armamentos, medicamentos e alimentares que determinam a opinião pública e se utilizam da política democrática ou não democrática para imporem os seus interesses. Nós estamos mais sensíveis às guerras militares por causa do sangue derramado que se vê. Quanto à guerra feroz das multinacionais de produtos químicos, farmacêuticos e alimentares pouco se fala embora matem pela calada da noite.
A situação do Brasil é muito complexa, pelo que vejo de fora. Precisaria duma grande camada média muito forte, porque esta, nos sistemas vigentes até agora, tem sido aquela que provocou o desenvolvimento cultural e económico das nações. O busílis da questão está no facto de ter ainda uma grande massa mesmo pobre para alimentar, faltar-lhe uma classe média forte e consciente e ter alguns poucos demasiado ricos e com uma mentalidade de senhores. O que os do topo têm a mais é o que falta à classe média e aos pobres.
Abraço para todos e obrigado ao senhor Vilson pela tomada de posição.
António da Cunha Duarte Justo
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