Militares como Força Moderadora
António Justo
A 3 de Julho 2013, Mohamed Morsi, presidente egípcio, foi
detido e deposto pelo Exército, encontrando-se agora, talvez na mesma prisão
onde se encontra o antigo-Presidente Mubarak, deposto em 2011. Morsi foi vítima
do golpe de estado e da própria intolerância contra quem não servisse o
radicalismo islâmico.
A revolução árabe levou os extremistas ao poder sob uma
aparência democrática. Aqueles que pensavam ser possível um estado moderno com
islamistas sentem-se agora frustrados. A Irmandade Muçulmana, apoiante de Morsi
reagiu com barricadas e com ataques aos cristãos. Estes (5 a 10% da população) favoreciam
um Estado mais tolerante. Na constelação política concreta são os militares que
oferecem maior possibilidade de tolerância civil. As forças militares são mais
abertas ao diálogo, por razões de formação e por interesses pragmáticos e pessoais;
estão mais interessados numa economia que funcione. Os militares pensam em
termos de identidade nacional enquanto o povo, que se expressa, pensa mais em
termos de solidariedade religiosa (Umma).
O Ocidente não está interessado num islamismo extremista
e por isso opta pela hipocrisia de,
em nome da democracia, aceitar a eliminação dum governo democraticamente eleito
pelo povo islamita. Continua a fingir não saber que o islão mais genuíno é
dogmaticamente hegemónico, antidemocrático e alérgico a uma sociologia que não
seja a maometana. Como doutrina permite a contradição mas apenas dentro dela.
Daí a incompatibilidade entre uma democracia de cunho ocidental que inclui o
dentro e o fora no seu sistema e um regime islâmico que se afirma contra o que
se encontre fora dele. Por isso a Irmandade Muçulmana e outros radicais
islâmicos não são contrariados pelos outros irmãos muçulmanos moderados. O
inimigo e o mal consideram-se fora dos muros da sociedade islâmica. Culpados
são sempre os de fora. O Ocidente, como representante da modernidade, será
sempre tido como cúmplice das desordens nas sociedades islâmicas que se
encontram, a nível de doutrina, com 500 anos de atraso em relação às sociedades
modernas. Em geral, os partidos ditos democráticos, pouco têm a ver com
democracia, dado, para eles, democracia consistir em impor os interesses da
maioria governante aos outros. Grupos jovens, mais esclarecidos, devido à
Internet, constituirão o Cavalo de Troia, que permitirá desenvolver um espírito
crítico dentro do islão.
Encontramo-nos perante uma democracia sui generis, dum
lado os radicais islâmicos e do outro, uma aliança problemática de forças da
segurança, partidos seculares e da média estatal. Muita da população está do
lado dos militares; talvez aqueles de espírito mais democrático, o que parece
contraditório mas não o é, numa sociedade ambígua e por isso impossível de
analisar por categorias democráticas rotineiras. Uma sociedade baseada em
princípios hegemónicos e com o monopólio de Deus não cede direito ao
adversário. Por outro lado, os militares sabem que nenhum governo está
interessado na reforma das unidades paramilitares nem da polícia. Ao aparato de
segurança todo-poderoso opõe-se um extremismo religioso todo-poderoso também.
Esta situação relativiza qualquer comentário de jornalistas bem-intencionados e
desejosos de democracias gratuitas, à margem do medo. Fala-se impropriamente duma sociedade civil que não existe em estados
islâmicos. Existe propriamente a força religiosa e a força militar (Por
isso os radicais islâmicos combatem consequentemente a organização de
instituições policiais e militares coesas nos estados islâmicos). Fala-se de
democracia dum estado que só reconhece súbditos e dum povo que só aceita
devotos de Alá. Uma sociedade em que a pessoa não vale por si, mas pelo grupo a
que pertence ou pela ideologia que professa, aliena a pessoa, fomenta a inveja,
não se desenvolve e cria relações de subjugação, de medo e de conflito. O
estado moderno baseado nos direitos individuais do cidadão e na sua liberdade
tem-se mostrado incompatível com o islão.
A democracia é sublime e pode ser forte mas os interesses
religiosos, políticos e militares (económicos) são mais fortes e têm o poder de
obstruir qualquer sublimidade. O diálogo pressupõe a cedência mas onde todos se
sentem com Alá na cabeça e a razão na barriga não há lugar para o diálogo nem
para a diversidade que a natureza perpetua e defende. A razão e as
argumentações políticas, quer a nível interno quer a nível externo, servem,
muitas vezes, os interesses obtidos à custa do sangue e da opressão dos mais
fracos. Em Estados instáveis, o Ocidente
está interessado numa atitude de apoio ao mesmo tempo do governo e da oposição
para assim se manterem as portas abertas ao negócio no caso de vencerem uns ou
outros. Por isso se apoiam os revoltosos e se toleram os opressores
independentemente dos interesses dos povos vítimas da violência.
Intervenções e influências directas de fora revelam-se
contraproducentes no processo interno de desenvolvimento político e social que
precisam de muito tempo de amadurecimento entre as partes em conflito. O islão tem sido uma cultura belicosa e
não descansa enquanto, nas regiões onde chega, não vir tudo reduzido a uma monocultura
islâmica. Neste sentido trabalhava o presidente Morsi, em nome duma democracia
que o levava a considerar o Egipto como espaço reservado apenas para islamitas.
A ditadura religiosa e a ditadura militar têm sido as perspectivas das culturas
de cariz muçulmano. O problema não vem das pessoas mas do ideário. A ideologia
só reconhece um Deus que não deixa espaço para o Homem nem para a diferença.
Daí o seu eterno conflito com tudo o que não seja islâmico.
Os apoiantes do presidente deposto apostam nos mártires
radicais islâmicos convictos que o sangue de “mártires” é o melhor combustível
na propaganda contra o adversário e assegura, ao mesmo tempo, a solidariedade
de radicais dentro e fora do país.
Os “mártires “
da escuridão são os arautos do radicalismo
A emoção, sem o efeito moderador da razão, move as energias
escuras. A Irmandade Muçulmana apelou para uma ”sexta-feira de raiva” depois
das orações. Quando a religião apela à
raiva, o que não farão os raivosos?
A violência interior (a raiva) e a violência externa são
expressão consequente da mesma mentalidade e duma filosofia islâmica paradoxa
que designa a sua guerra como santa e os assassínios como mártires. Usam cinicamente a palavra mártir, designando
como mártir não a vítima da fé mas o assassino que leva consigo outros em nome
da sua fé. Dão às energias negativas uma aura de santidade, reduzindo a
religião a uma mera estratégia da lei selectiva natural em que o mais forte é
que tem razão. O Ocidente esforça-se hipocritamente
por um diálogo que a Irmandade Muçulmana e os militares não querem. Condenar a
violência exterior sem ter em conta a violência interior (imanente ao sistema)
torna-se ingénuo e só serve de desculpa e para adiar a situação. As
intervenções do Ocidente no mundo muçulmano revelar-se-ão como erro histórico e
prejudicial para o Ocidente. É uma catástrofe o que se passa no Afeganistão,
norte de África, Kosovo, etc. No fim só resta povo vítima e cínicos.
O islão, na sua qualidade de religião política, coordena
as suas acções a partir das mesquitas nos seus encontros de oração às
sextas-feiras. Os fundamentalistas islâmicos são os que se encontram em maior
conformidade com o Corão e com a sharia islâmica, como afirmava o mestre
islâmico Khomeini. Os Mujahideen (ao serviço da jihad- guerra santa) e os
mártires-bomba islâmicos são personalidade de mais-valia na sociedade
maometana. O islão encontra-se numa luta cultural dentro das suas fileiras e em
disputa com o que não for islâmico. Qatar e Arabia Saudita incentivam economicamente
a fundação de califados por todo o mundo.
Uma sociedade munida de ideologia e de armas até aos
dentes está interessada na escalação dos conflitos. O golpe militar que queria
impedir a ditadura religiosa democrática revela-se também ditador no seu ataque
violento contra o acampamento de protesto da Irmandade Muçulmana.
O facto dos militares se apoderarem do poder constitui
uma ameaça para outros regimes políticos islâmicos como é o caso da Turquia,
Tunísia, etc. Conservadores e extremistas do mundo árabe foram os que mais
protestaram contra o golpe de estado. Para países como a Turquia, o país de primeiro-ministro
Erdogan, o facto de o Ocidente não ter reagido mais fortemente contra o golpe
de estado, constitui uma ameaça dado o Ocidente, no caso de risco, apoiar as
forças militares que são mais permeáveis à modernidade pelo facto de
constituírem uma casta que usufrui privilegiadamente dos bens terrenos enquanto
a maioria dos crentes têm que se contentar com os bens que a fé promete e como
não têm nada a perder também só lhes resta defender a própria fé.
Na Alemanha de
Hitler as vítimas eram as sinagogas e os judeus, nas sociedades islamistas são
as igrejas e os cristãos
Actualmente só
haverá a alternativa de escolha entre peste e cólera, entre ditadura militar e ditadura
religiosa; das duas é mais suportável a militar. Esta, apesar de tudo, garante
um certo pluralismo, e uma certa defesa das minorias.
Segundo informação da conferência dos bispos alemães, no
Egipto nas últimas semanas “foram incendiadas e destruídas mais de 40 igrejas cristãs
e instalações eclesiásticas, muitos cristãos foram assassinados e muitas das
suas lojas saqueadas. Na Alemanha de Hitler as vítimas eram as sinagogas e os
judeus, nas sociedades islamistas são vítimas as igrejas e os cristãos.
A irmandade muçulmana está interessada em provocar os
cristãos não só por razões de crença e de fé mas para dar a impressão que há
uma luta entre religiões e assim mover islamistas no estrangeiro.
Tradicionalmente os cristãos coptas apoiam em parte os partidos seculares. Os
militares, porém, não empreendem nada na defesa dos cristãos porque deste modo
podem justificar as suas investidas contra islamistas e apregoá-las como “luta
contra o terror”. Os ataques dos extremistas muçulmanos aos cristãos tornam-se
oportunos para o general Abdel Fattah al-Sissi, que assim legitima a sua
violência contra a Irmandade Muçulmana (Movimento revolucionário sunita também
activo na Síria e no Líbano que desde 1928 usa da violência para conseguir os
seus objectivos no sentido de fortalecer o islão como nação universal (Umma).
Em geral, os cristãos são vítimas duma parte da sociedade islâmica radical e da
outra parte conivente com a violência.
Segundo declarações oficiais até (19.08.2013) morreram
"mais de 800 pessoas".
A ditadura militar será apoiada pelo Ocidente para que a situação
se pacifique. A crise não é dos países do norte de África mas do islão. O islão
parece não querer sair da era das trevas e em vez de reconhecer os sinais dos
tempos endurece ainda mais.
As notícias sobre o mundo árabe estão, por vezes, mais
interessadas em transmitir imagens e informações que poupam os revoltosos contra
as forças do poder, causando no público uma avaliação errada da situação.
António da Cunha
Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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