Dos Homens de
Caracter que a Democracia não tem produzido
António Justo
Marcel Reich-Ranicki morreu a 18.09 em Frankfurt aos 93 anos. Ele, que
chegou a estar no campo de concentração nazi (Gueto de Varsóvia), tornou-se no
grande advogado da literatura alemã e no crítico literário mais influente na
Alemanha que inspirou profundamente, durante dezenas de anos.
De personalidade indomável e
divertida, era o homem de caracter da vida pública onde a coragem tinha
residência; polémico e controverso, com esquinas e cantos, não fugia à luta.
Escritores e editores chegavam a ter medo dele. Reich-Ranicki dizia de si “
nunca me encaixei no meu ambiente”. Antes de ler um livro, a que ia fazer a
crítica, vestia um fato e punha a gravata. Para ele “o crítico não é um juiz, é
o Ministério Público ou a defesa”.
Recebeu muitos prémios de literatura mas, quando a TV alemã em 2008, em
sessão com a presença de vários canais e de toda a prominência cultural
germânica, lhe atribuiu o prémio pelo seu programa "O Quarteto
Literário", Reich-Ranicki, durante a sessão live, subiu ao púlpito e
declarou: "Não aceito este prêmio", porque não se sentia bem na
companhia de outros galardoados pela TV e que ele considerava duvidosos.
O programa "O Quarteto Literário" fez dele uma estrela de TV e
contribuiu para que a literatura, com exigência, descesse a meios não
consumidores de cultura.
Confesso que quando perdia algum programa dele ficava triste. No horizonte
da TV e da cultura quase só se encontra relva sem árvores onde os pássaros da
nossa fantasia e dos nossos ideais possam pousar para descansar e ganhar forças
para novo voo. Na nossa cultura cada vez se torna tudo mais rasteiro,
dificultando, às camadas jovens, a possibilidade de levantarem voo para novos
horizontes.
No dizer do presidente alemão
Gauk “Marcel Reich-Ranicki, a quem os
alemães queriam exterminar, após a barbárie, possuía a grandeza, de lhes abrir
novos acessos para a sua cultura”.
A sua autobiografia “Minha Vida” pertence à categoria dos livros mais
vendidos (bestseller) e onde se pode verificar a crueldade dos nazis e a
influência do mal no ideário espiritual duma nação.
Morreu um homem da casa, um homem da cultura europeia; uma personalidade
que aguentou os ventos do oportunismo e do pensar correcto que lava o cérebro duma
maioria de actores da tribuna da nossa cultura.
Num tempo de cultura predominantemente rasteira irreflectida e em que a
antiga burguesia cultural se proletariza, é importante lembrar pessoas de
caracter como esta, para que a Democracia não produza apenas pessoas que, como papagaios,
se repetem umas às outras orientadas pela opinião pública ditada pelo pensar
correcto.
É melhor um Homem com defeitos do que uma sociedade indiferente e defeituosa
sem Homens
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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