Da imoralidade dos chamados países civilizados
Por António Justo
Já Thomas
Hobbes, em 1651 no “Leviathan” reconhecia que, no estado natural domina a luta
de todos contra todos, e que, para se conseguir a paz, o povo renuncia à
liberdade, submetendo-se a um governante.
Com o desenvolvimento da sociedade
ocidental, em consequência da filosofia grega e da cultura judaico-cristã, o
indivíduo emancipa-se cada vez mais do grupo, especialmente a partir da reforma
protestante, da guerra da independência dos USA e da Revolução francesa. A
consequência deste desenvolvimento deu origem à democracia representativa.
A segunda guerra mundial foi de tal modo
humilhante para a pessoa humana que as nações reunidas determinaram elaborar a
Carta dos direitos humanos.
Na Assembleia Geral da ONU a 20 de
Dezembro de 1993, 171 Estados assinaram a Resolução 48/141, comprometendo-se a observar
os direitos do homem e a aplicar a protecção dos direitos humanos nas
legislações nacionais. Há países que submetem os direitos humanos às leis da
Sharia e outros não cumprem o que assinaram.
Conflito de Identidades individuais, grupais e culturais
Tudo luta:
uns pelos direitos (Democracia) outros pela religião! Por toda a parte, grupos de cidadãos
entram em conflito com o Estado e gritam pelos seus direitos individuais ou
culturais violados. Um sintoma claro da violação dos Direitos Humanos certifica-se
no facto de Estados perseguirem ou não permitirem sequer organizações
reivindicativas dos direitos humanos. Muitos governos especialmente muçulmanos
e asiáticos rejeitam a concretização da convenção em nome da história e da
tradição.
A acentuação da
cultura ou comunidade não precisa de ser contrária aos direitos individuais
porque estes transcendem as culturas e devem ser garantidos dado o cidadão ter
abdicado do direito de fazer justiça por próprias mãos, confiando esse direito
ao Estado. Naturalmente há direitos individuais que colidem com a prática de
estados e de culturas que se sobrepõem ao ideal da justiça para todos.
É um facto que o
direito e a justiça estiveram em contínua mudança, sempre sob a plataforma
cultural dominante. Os povos que viveram da colonização e da conquista
impunham-se aos colonizados sem respeitar os seus direitos; esta é uma
constante ao longo da História dos povos quer na colonização interna quer
externa. Hoje as nações colonizadoras querem impor a obrigação de respeito pelos
direitos humanos às nações a quem outrora os não concederam. No concerto
das nações nem todas têm de facto os mesmos direitos: as grandes potências
determinam a marcha e desrespeitam as mais pequenas.
A identidade
cultural se quer ser centrada no indivíduo deve ser exercitada em campo aberto
que possibilite afirmação e integração. Como a identidade individual se adquire
através de um certo distanciamento em relação ao grupo e a identidade cultural
se assegura no distanciamento e afirmação em relação às outras culturas, a luta
é aceite como dado natural. Cada povo tem uma configuração própria, uma forma
de expressão, pensamento e acção determinada por valores, normas e instituições
que no seu conjunto determinam uma certa tensão relacional entre indivíduo e
grupo, o que possibilita o desenvolvimento de um e outro. Os factores culturais
que mais emprestam significado e sentido especial à cultura são, por um lado a
democracia e por outro a religião, como se verifica na luta cultural entre o
Ocidente e o mundo islâmico ou entre o capitalismo e o socialismo.
Cada cultura
concretiza-se e manifesta-se nas suas realizações e valores que dão significado
ao seu desenvolvimento. A mesma história dá consistência e projecção à própria
identidade que precisa de uma base para se desenvolver, à imagem de um rolo
negativo que ajuda a compreender o presente, ao ser revelado. Na época da
globalização seria de esperar maior permeabilidade do indivíduo e das culturas
evitando culturas e indivíduos a imposição dos próprios valores ou a fixação
rígida na própria tradição.
Exportação de democracia como instrumento de colonização?
Cada cultura,
para se impor, usa o que tem: uns exportam a democracia/ideologia e as armas,
outros exportam a religião e a guerrilha.
O ocidente,
para melhor impor a sua dominância em países economicamente menos desenvolvidos
mas ricos em matérias-primas, alega o pretexto da defesa dos direitos humanos e
em especial a democracia, para, em nome dela, desestabilizar estados. A exploração que outrora se impunha pela
força introduz-se agora de maneira furtiva sob a exigência de que todos os
povos devem tornar-se democráticos à maneira ocidental; doutro modo, são
castigados com sanções económicas ou vêm, nos seus países, movimentos
emancipatórios serem apoiados pelo Ocidente. O dilema da situação está,
porém, no facto de países em vias de desenvolvimento precisarem de governos
fortes e estáveis, e o desenvolvimento só ser possível, nestes países, com
governos autoritários. O não reconhecimento desta realidade e interesses
egoístas levaram a intervenções militares injustas.
Veja-se o resultado da intervenção na
Líbia, no Iraque, bem como a revolta da geração internet do Norte de África,
etc. Foi pior a emenda que o soneto. Onde os estados democráticos intervieram,
domina agora, em grande parte, a miséria e a anarquia. A organização do IS
(terrorismo internacional de extremistas islâmicos) que é preciso enfrentar com
coragem, foi fomentada por um Ocidente só interessado em defender interesses
próprios e imediatos, como se viu no caso da Síria.
Se a democracia e os direitos do homem
estivessem em primeiro plano, o Ocidente promoveria nestes países as economias
locais e não o negócio com as armas, investiria no bem-estar e na formação e
fomentaria a estabilização de estados. Os Estados ocidentais praticam, ad
extra, uma política hipócrita exigindo deles o cumprimento de valores
abstractos e praticando dentro dos próprios países a decadência dos próprios
valores. Deste modo o Ocidente não tem legitimação nem qualificação moral para
se armar em julgador de outros povos e culturas.
Que fazer para melhorar a situação?
A situação em
que se encontram os povos onde há litígio armado é diferente da dos povos
ocidentais; por isso a nossa solução não pode ser a mesma que a deles; isto
numa perspectiva de querer resolver problemas no sentido de uma satisfação
mútua. O problema não está nas pessoas mas na situação em que se encontram, e
no facto de uns pertencerem a países colonizadores e outros a países
colonizados, uns serem colonizadores e outros pretenderem sê-lo. Tudo isto cria
uma relação de assimetrias e leva à contradição entre valores e interesses. No
âmbito da violência é preciso resistir para que o mal não aumente. Mesmo assim
o Homem resigna porque não conciliará o direito e a liberdade e junta a
injustiça à desordem.
Nem o monopólio
de interpretação cultural nem o monopólio da verdade favorecem o
desenvolvimento individual e colectivo. Interpretações culturais devem
situar-se sempre no âmbito do hipotético e com o fim de desenvolvimento mútuo,
numa de entreajuda e colaboração complementar. A violência é derrota porque
destrói a pessoa, cria vítimas e não reconhece a perfeição. A situação no
Iraque e na Síria parece decorrer entre fraqueza seduzida e ferocidade irritada.
©António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
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