Da Interação de Máscaras individuais e sociais
António Justo
No carnaval é viva a carne, tudo vale; carnaval é o tempo dos folguedos antes
da Quaresma: os quarenta dias do jejum em que a carne não vale.
A tradição destas
festas populares (bacanais) foi domesticada e assumida na cultura católica.
Elas já se praticavam 3.000 anos antes de Cristo na Mesopotâmia. Era uma semana
de festa em que se praticava a igualdade. Nessa semana de festa, a escrava era
igual à senhora e o escravo igual ao senhor. A tradição do uso da burca tem origem
nesse tempo em que as senhoras da classe elevada se tapavam para, nessa semana,
não serem reconhecidas e não se sentirem tão envergonhadas.
O Carnaval é vida e a vida social
parece configurar-se entre jardim infantil e carnaval. Carnaval e quarta-feira
de cinzas são duas faces da vida: a vida feita de fogo, lenha e cinza. No
Carnaval Deus sorri por trás das nuvens num gesto de aprovar o desejo das
massas populares de liberdade e a ânsia justa de também elas serem publicamente
consideradas.
O carnaval possibilita a expressão
de vários papéis da mesma personalidade. A vida do dia-a-dia exige autocontrolo
não permitindo vivenciar outros ânsias nostálgicas. Assim o carnaval
possibilita a ritualização de necessidades escondidas legitimando-as num
determinado tempo; assim contribui para a ordenação dos diferentes aspectos da
vida.
A máscara permite maior liberdade
e protecção da personalidade. A máscara dá espaço à criatividade individual e
colectiva possibilitando expressões fora do normal e a possibilidade de a
pessoa ter vivências diferentes. Deste modo possibilita-se, num tempo ordenado,
a fuga às máscaras uniformizadas da sociedade, praticadas no quotidiano durante
o resto do ano.
No carnaval o povo desce à rua e
brinca a dizer que também ele quer ver contada a sua história e perpetuada a
sua memória. Nele tudo é música, tudo se
resume a um desejo de festa onde cada qual quer ser igual. No carnaval sobrepõe-se à mascara habitual
uma máscara excepcional, talvez mais criativa porque personalizada, a partir da
pele nua enfeitada de fantasias.
O desfilar do povo nas ruas poderá
corresponder ao desfilar dos políticos nos écrans das TVs… Enquanto o povo
dança no palco da rua por trás dos bastidores também os há que fazem
falcatruas. Este é o tempo das máscaras e da folia dos de baixo enquanto as
máscaras e a folia dos de cima é todos os dias.
No carnaval é festa, são permitidas
diferentes coreografias, não há queixas, ninguém leva a mal; sob o seu sol é o tempo
de pôr a opinião a corar.
Na poeira do dia-a-dia, Terça-feira
de carnaval é o último dia da máscara posta e a Quarta-feira de cinzas convida
a ver a nudez que se esconde dentro da pessoa (máscara habitual).
Carl Gustav Jung, psiquiatra e
fundador da psicologia analítica dizia: “Quem olha para fora sonha, quem olha
para dentro desperta.”
Para mim, Carnaval, embora o
sinta de longe, expressa o desejo íntimo de celebrar a vida como festa, é símbolo
de saudade de amor, um sonho de convívio, alegria e animação. Também o carnaval
nos distingue do outro animal… Nele celebra-se o corpo e na quaresma acentua-se
a alma.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
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