Civilização ocidental em implosão e civilização
islâmica em explosão
Por António Justo
A chanceler alemã, na sua política de refugiados, é acusada de seguir
uma ética de convicção (cristã) em prejuízo da ética de responsabilidade na
qualidade de pessoa pública que deveria representar os interesses da sociedade
alemã e da civilização ocidental.
Numa humanidade em
desenvolvimento deparamo-nos, individual e socialmente, em confronto com duas
forças e interesses complementares: o humano e o divino, o material e o espiritual,
o individual e o político. Os evangelhos resolvem o dilema entre empenho
subjectivo individual e empenho social, entre religião e política recomendando:
«Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mateus 22:21).
Daqui surge um certo conflito entre uma atitude baseada na consciência e uma
atitude baseada nos interesses da polis.
A ética da responsabilidade é uma ética de grupo, aquela parte que
corresponde ao ensinamento “a César o que é de César”- adequada à acção
política, ao circunstancial e relativo, ao útil para a comunidade; a ética da convicção
corresponde à segunda parte da frase “a Deus o que é de Deus”- é o reino dos
absolutos, do útil para o desenvolvimento da alma humana.
A ética de responsabilidade “tem
em conta a fraqueza”, não a preocupa a humanidade nem a perfeição, o que
importa é o interesse do grupo, o útil numa perspectiva do circunstancial imediato.
O motivo do agir não se fundamenta em nome da moral mas do interesse. As boas
intenções de Merkel não justificam os problemas que criam porque embora humanas
poem em perigo gerações futuras. Numa tal ética transportada para a polis, o
crime e o fracasso tornar-se-iam desculpáveis. Assim uma atitude moral para Merkel pode tornar-se numa atitude imoral
se prejudica os interesses do país e da civilização.
Não chega a boa intenção, como
orientação moral, é preciso sabê-la situada na psicologia humana e na
comunidade. O idealismo humanitário orientador da ética de convicção tem de ser
aferido à realidade social que pressupõe uma atitude ética de responsabilidade
que necessariamente condiciona o idealismo que possa estar por trás de uma
moral de convicção. A confusão de ética
de convicção com ética de responsabilidade é a causa de parte da moralitis do
discurso político e social.
Ao contrário de Maquiavel que
defendia que a missão da salvação da cidade era superior à da salvação da alma
(fins justificam os meios), Max Weber
procurou conciliar as duas posições distinguindo entre ética de convicção (na qualidade de sujeito –
consciência individual orientada por valores absolutos e que obedece aos
sentimentos sem ter em conta as consequências) e ética de responsabilidade (na
qualidade de objecto de funções públicas avalia a decisão pelas consequências
que provoca); Weber reconhece o dilema entre os determinantes consciência e
interesses. Assim, o político encontra-se dividido entre uma ética livre pessoal
de convicção e a ética de responsabilidade determinada pela ponderação no balance
de interesses condicionantes; a decisão política a tomar impossibilita, muitas
vezes, um juízo de valor pessoal, dado a política ser normalmente determinada
por circunstâncias. Isto não deveria porém isentar a decisão política do
reconhecimento de valores universais fundamentais como a defesa do valor da
vida e da dignidade humana (inerentes à ética de consciência individual).
Ética contra ética?
A política alemã na sequência de uma ética de convicção, que justifica a
entrada descontrolada de refugiados de uma cultura rival e antagónica, pode ser
contrariada pela moral de responsabilidade social que implica a defesa da
própria identidade e cultura a longo prazo. Não chega a boa intenção, é
necessário fazer uma boa balance das consequências sociais que tal atitude acarreta.
Vários parceiros europeus, cientes da sua responsabilidade para com os seus
cidadãos (ética de responsabilidade) obrigaram a Chanceler a arrepiar caminho.
A realidade dos factos do fenómeno muçulmano, que se revela sem vontade e incapacidade de integração, põe em perigo os interesses de
uma sociedade maioritária aberta (civilização ocidental) através de uma
imigração descontrolada, de uma cultura hermética e encerrada em si mesma (civilização
árabe caracterizada por não se integrar e só assimilar).
Uma sociedade aberta, como a
europeia, para não ser posta em perigo por uma sociedade fechada terá de estar
atenta às forças sociológicas de integração e assimilação para poder
possibilitar nela um crescimento orgânico. Um crescimento orgânico pressupõe a
abertura e a permeabilidade das duas partes. Realiza-se numa tensão saudável de
uma dinâmica de complementaridade e inclusão da ética de convicção e de ética
de responsabilidade: os dois polos da mesma realidade na polis.
Ética de afirmação dos interesses minoritários
contra os maioritários?
Uma ética da responsabilidade
tem sempre em conta a defesa dos interesses das minorias numa sociedade coerente
e consonante.
Dado, nas relações
multiculturais e entre Estados, dominar uma ética de interesses, num processo
de luta entre grupos orientados pelo princípio selectivo da afirmação do mais
forte, não se pode aqui confundir uma ética pessoal de consciência moral
relacional com a ética subjacente a grupos de interesses em que o determinante
é a força do grupo ou do interesse e não o humanismo.
Uma atitude política movida
apenas pela ética de convicção (consciência) ao pretender tornar-se critério de
orientação para regular as interacções interculturais (politica) torna-se
inadequada e infringe a ética de responsabilidade. O diálogo, a luta torna-se
desigual porque confunde o objectivo (circunstancial) com o subjectivo (de caracter
pessoal mas de valores universais), confunde o âmbito pessoal com o público. O
palco em que se realiza é objectivo e como tal de relação de interesses já não
entre sujeitos humanos mas entre objectos, de meros interesses de grupos (daqui
surgiria a premissa da necessidade de uma negociação de interesses em termos
bilaterais).
Neste sentido, uma atitude baseada na
consciência (que Ângela Merkel parece seguir) implementaria o grupo que segue a
ética dos interesses e na realidade seria instrumentalizada (inconscientemente)
para servir os interesses dos mais fortes (a lei da selva) neste caso os
interesses minoritários à custa dos maioritários (de legitimação imprópria
porque não aferida).
Dado a cultura islâmica ter em
si um rescrito motivador da autoafirmação pela força e pela assimilação, sem o
movimento de integração (não permite o processo orgânico de aculturação-inculturação
só possibilitando o movimento unilateral assimilativo de auto afirmação na desconsideração
do outro). Neste contexto, a sociedade
ocidental tornar-se-ia fraca, a longo prazo, e vítima da própria ilusão humanitária
e deixaria de ser um factor de promoção do humanismo no mundo. A sociedade
ocidental encontra-se num momento muito problemático da história do seu
desenvolvimento dado não estar consciente dos elementos constitutivos de
identidade que lhe deram sustentabilidade e desenvolvimento; coloca-os à
disposição em troca da afirmação económica que não pode, por sua vez, ser
sustentável sem uma política de natalidade responsável
e sem uma reflexão profunda do que lhe deu o ser, do que é, e do que pretende
(precisa de orientação e sentido).
Sem a consciência da
necessidade de afirmação dos factores de identidade, a Europa atraiçoa-se a si
mesma ao pretender tapar o buraco demográfico abrindo incondicionalmente as
portas à imigração islâmica que na prática se afirma, de uma maneira geral,
contra a integração e beneficia também do factor da proliferação demográfica
(Tenha-se em conta o exemplo europeu do Kosovo, Albânia, etc., que antigamente eram
regiões de cultura heterogénea e transformadas, com o evoluir dos tempos, em
monoculturas islâmicas; na Europa, as mulheres muçulmanas são motivadas a
manterem os seus papéis patriarcais e a não se integrarem no mercado de
trabalho, continuando, em grande parte, a exercer só a profissão de mães (abono
de família na Alemanha 200 € por filho). Uma visão rápida sobre a história do
desenvolvimento muçulmano testemunha o facto de as regiões onde este se implanta
e se torna maioritário, com o tempo, essas regiões são transformadas em
monoculturas islâmicas.
Onde falta a luz o caminho torna-se difícil e a
meta impossível
Não apadrinho posições que
defendem a enclaustração dos povos e culturas em si mesmas; é mais que claro
que o desenvolvimento humano se deve à interligação e interacção orgânica entre
indivíduos, espécies e culturas (factores osmose-integração-assimilação); o
gueto pode tornar-se em cancro num corpo orgânico. O que está em via na Europa é porém um movimento de autodestruição da
própria cultura (trauma do nazismo e do estalinismo fortalece o niilismo e as
forças que fomentam a queda da civilização ocidental numa atitude mórbida de tanatofilia).
A civilização islâmica, ao
seguir uma ética de interesses não orgânicos mas sistémicos e estratégicos está
mais perto da lei natural da selecção e como tal mais preparada para ganhar a
luta dentro de uma sociedade em processo de implosão.
A civilização ocidental não se encontra adaptada aos desafios do mundo de hoje e os princípios éticos que a
engrandeceram deixaram de ser categorias políticas; segue apenas estratégias
ditadas pela macroeconomia liberalista (subvenciona Estados para
comprar as suas elites, com o dinheiro que volta a ela); a Europa encontra-se consequentemente em processo de implosão enquanto a
civilização islâmica, centrada em si mesma, se encontra em processo de
explosão. Nesta situação, uma e outra não podem assegurar garantias de
futuro para a humanidade. A civilização islâmica definhará por julgar que a
fronteira do mundo é a sua cultura (o desenvolvimento do mundo fruto da
variedade e da diferença é reduzido à igualdade e monotonia do biótopo muçulmano)
e a civilização ocidental deixará de ser ela por viver da ilusão que pode haver
abertura sem limites num mundo que de facto é feito todo ele de biótopos culturais
que para o serem têm de reconhecer as leis e forças que constituíram o seu habitat
sem negar os princípios e forças da definição e identificação dos diferentes biótopos
culturais no todo.
A cultura ocidental, que no
passado foi o grande motor da história da humanidade, corre o perigo de
atraiçoar definitivamente os ideais da sua filosofia de cunho cristão e com
eles a sua identidade e a sua alma.
A Europa, ao seguir, a nível político e social o materialismo e o racionalismo
niilista abdica de qualquer missão e de qualquer factor de esperança. Sem noção
do sentido e sem uma meta teleológica não tem ideia do caminho a fazer e que só
é possível à luz reflectida sob um tecto metafísico. Ao pôr-do-sol já falta a
energia e o humor necessário e passa-se a procurar o agasalho no luar da
noite!... Sem a construção de um solo comum não se pode andar em conjunto…
Deste modo a Europa,
transformada em estrela em estado de implosão e que é ainda vista como modelo
de desenvolvimento de outras sociedades, transforma-se em perigo também para estas,
ao perder o que lhe dava a liderança espiritual. (Além disso, em política
perdeu a visão global e em vez de colaborar com a Rússia na crise dos
refugiados muçulmanos, fecha-se na sua arrogância e presunção colaborando só com a Turquia rival).
Encontra-se numa situação
paradoxa: em política de imigração segue uma ética da convicção individual
abrindo o flanco aos outros e pecando contra uma ética de interesses culturais
próprios que se vêem reduzidos aos interesses económicos liberais e a uma
liberdade abstracta já fora do contexto cultural. A irresponsabilidade política
no que respeita à defesa dos interesses culturais do povo fomenta a agressão e
a xenofobia no mesmo.
A civilização ocidental não
pode, para defender os interesses dos países ricos, em nome da consciência que
a fundamenta, pôr em causa os valores da própria identidade, para solucionar uma
situação de interesses económicos em perigo por uma diminuta natalidade que se
pretende compensada pela imigração de refugiados. O relativismo ético ocidental revela-se como o melhor instrumento de legitimação
da política neoliberal e anti cultural em curso e, por outro lado, dá razão às
forças hegemónicas que não toleram nada a seu lado (Neste contexto o
relativismo cultural europeu serve as forças dogmáticas e hegemónicas que ameaçam
a nossa sociedade). O relativismo contradiz-se a si mesmo porque, ao
afirmar que tudo é relativo, transforma-se num absoluto. Sem verdade (ideal) não
há ética sustentável porque então a matéria (materialismo) seria o único factor
de validade.
Com o desenvolvimento de um liberalismo
acervado, a ética da polis tenta emancipar-se da religião e, deste modo, do
povo. A ética tende assim a abandonar o foro privado para ser reduzida a uma moral
de interesses no campo económico (liberalismo) e político (democracia
partidária) com a consequente atitude política alienada do povo subordinado à
económica (capital); consequentemente, o produto do trabalho humano deixa de
ter relação com o que o produz para se justificar em si mesmo no lucro tornando-se
assim desumano e anti ético. O capital emancipou-se dos mecanismos de produção
para se tornar senhor absoluto sem relacionamento; perdeu a alma e deste modo a
capacidade de dar resposta. Em nome da economia e da tecnologia que
paulatinamente substituem o Homem, o Ocidente vai-se tornando substituível e
supérfluo.
O político cínico não se
responsabiliza porque, ao arquivar a própria consciência em nome dos interesses
do grupo que serve, não reconhece a culpa e deste modo não assume pessoalmente
a responsabilidade; e isto porque baseia o seu juízo de valor apenas em termos
de informações recebidas tomando assim decisões que considera objectivas e como
tal intangíveis a nível de ética pessoal; o que lhe interessa é apenas a
análise dos factos no momento e o acto de decisão não pode ser avaliado porque fruto
da circunstância furtuita e coberta pelo povo anónimo. Num tal pragmatismo, onde o idealismo não tem lugar, a culpa, o
arrependimento e o perdão são considerados fraquezas (veja-se a situação do
Estado em Portugal!). Uma tal ética cultural tem os dias contados e só lhe
resta abdicar.
Política do Postfacto
A Chanceler alemã responde aos
ataques que a acusam de não considerar suficientemente a ética política (ética
de responsabilidade baseada em interesses) dizendo: “Vivemos em tempos do post
facto. As pessoas já não se interessam pelos factos mas seguem apenas os
sentimentos”.
A questão é ambivalente: precisamos
de uma política de atitude ética que responda não só aos factos mas também aos
sentimentos. De facto os sentimentos também são reais e os factos podem ter um
fundamento irracional. Para isso precisamos de Homens retos e com coluna dorsal,
precisamos de pessoas dispostas a repensar a sociedade em termos do que dizia
Paulo aos Gálatas: “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher;
porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. E o JC encontra-se mais ou menos
escondido em cada pessoa humana.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo (História e Português)
Pegadas do Espírito no Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=3884
4 comentários:
Muito bom.
A meu ver as classes políticas reagem a um sistema que lhes impõem uma lógica própria de sustentação. É o que vemos. E as populações? Estas acabam sendo vitimizadas por um processo artificial no qual são insumo, sendo seus governos meros operadores das engrenagens que movem este sistema.
Saudações aos particípantes, em especial ao sr. Antonio Justo.
Vilson
Diálogos Lusófonos
O que vejo, o que percebo é o pos factus de os europeus terem poucos filhos e abriram os portões para povos que proliferam sem se preocuparem com o fato de como os novos serão criados amanhã.
Daí a ocupação territorial passa a ser muito fácil para quem chega em contramão para quem não tem mais povo a ocupar o espaço geográfico e mesmo o cultural.
Mananiana
Diálogos Lusófonos
Tempos complexos os que vivemos, queria apenas dizer (eu moro na Alemanha à 8 anos) que existem poucas pessoas como a Angela Merkel e mesmo correndo o risco de perder as eleições no próximo ano… uau >> que fibra, visão e ética numa pessoa só 🙂 Abraço!
Sérgio Martins Oliveira
FB
Também sou do parecer! Quem faz e quem faz muito como a Chanceler Ângela Merkel terá de cometer, necessáriamente alguns erros. Uma Alemanha sem a Chanceler Merkel, na próxima legislatura, tornar-se-ia mais pobre!
Enviar um comentário