O factor
medo na política de informação pública e na atitude política
António Justo
Só um mês depois do ataque terrorista islâmico perpetrado em 2016/12/19 junto
à Igreja da Memória num Mercado de Natal de Berlim, o Parlamento
Federal conseguiu comemorar os mortos e outras vítimas do atentado e isto devido ao incentivo das muitas críticas na imprensa e
nas redes sociais. O Estado alemão não honrou oficialmente as vítimas do
atentado islâmico: um atentado cheio de simbologia contra o Estado e contra o
cristianismo.
O medo encontra-se enraizado na coluna vertebral
A classe política alemã tem medo de dar demasiado
espaço público a assuntos como a criminalidade
porque desbeneficiariam a imagem pública dos estrangeiros e em especial a dos muçulmanos
que se salientam pelas suas exigências à sociedade acolhedora e também pela organização
de extremistas em torno de mesquitas e de clãs
árabes em Berlim e noutras cidades. Uma censura camuflada da informação revela-se
de resultados positivos a nível social; assim a Alemanha não se tem visto confrontada
com o nacionalismo como acontece em França que segue uma política de informação
mais liberal, neste sector.
A Ministra do Trabalho prometeu compensação às vítimas
que seriam pagas pelo fundo para vítimas de acidentes rodoviários. Deste modo
relega a questão para "acidente de trânsito".
O presidente do Bundestag, Lamert, no discurso proferido no parlamento,
referiu que um Estado, que garante a
liberdade religiosa como um direito humano, "pode e deve exigir dos
muçulmanos uma discussão com a sua religião e a conexão fatal entre fé e
violência fanática, de forma vigorosa", disse ele.
Com o atentado terrorista de Berlim a classe
política revelou uma atitude cobarde para com as vítimas. A Alemanha é o único
país que depois de um atentado terrorista evitou celebrações públicas.
A gravidade desta omissão assenta no facto de um
atentado terrorista com fundamentação política ser politicamente ignorado pela
classe política. Estamos em ano de eleições na Alemanha e a classe política
quer evitar tudo o que faça lembrar os seus erros. O medo do medo chegou à
política legitimando o ataque de certos grupos que dizem que ela apenas reage e
não age. Há razões objectivas para se ter medo de se viver em cidades que
habitamos que levam muitos cidadãos a sentirem-se estrangeiros no próprio país.
Não se trata de tomar opções drásticas como faz talvez levianamente Trump mas
de convencer os muçulmanos a serem mais moderados e contidos na sociedade que
lhes permite elaborar um futuro mais digno do que teriam na própria sociedade.
Hoje a opinião do mainstream autocensura-se evitando ou banindo
perguntas críticas com o argumento de poderem fomentar a xenofobia e o
populismo. Falta a coragem de argumentar em público com sinceridade e parte-se
da consideração de uma sociedade imatura em que não se pode confiar a verdade
em vez de a preparar para a multiplicidade e para o dever da interculturalidade.
O medo tem as suas origens sobretudo numa
desigualdade social que cresce. A sociedade média encontra-se cada vez mais
instável; poucos sobem na sociedade isolando-se em elites e outros vêem que
seus filhos, embora nas mesmas condições de formação, estão condenados à
depravação.
Muita da camada social decadente sente-se
injustiçada e desfavorecida em relação aos refugiados que, por vezes, recebem
maior apoio do Estado do que os necessitados nacionais.
Os terroristas combatem o modelo de sociedade
ocidental e esta limita-se a construir fossos de combate entre si ou a meter a
cabeça na areia. Estabilidade interna e liberalidade encontram-se em tensão
alta.
O luto recusado
As vítimas de Berlim encontram carinho e empatia cordial
por parte dos cidadãos mas não na sociedade política donde seria de esperar um
gesto público de respeito do Estado pelas suas vítimas. Familiares das vítimas
queixaram-se do “luto excluído” e da falta de cultura do luto. De facto não
houve imagens das vítimas.
Tal é o medo dos partidos e de um Estado perante
um povo que, em parte, os responsabiliza pelo acontecido e por um Estado que
perdeu o controlo sobre os refugiados que albergou em 2015 (cerca de um milhão).
O culto da culpa praticado na Alemanha não parece conveniente nem oportuno para
vítimas alemãs. “Vítimas alemãs não se enquadram no conceito do culto da culpa
– em que só pode haver delinquentes alemães e não há vítimas alemãs”, relata um
desiludido. Uma certa benevolência de tratar pública e politicamente os
muçulmanos na Alemanha fomenta em muitos a inveja de serem desfavorecidos.
A república
mudou a partir dos acontecimentos de Colónia
Os cidadãos das potências europeias e, por empatia,
também os dos países pequenos encontram-se movidos por uma onda dos sentimentos
que em certos meios toma a expressão de uma guerra civil de moral contra moral.
O poder da emoção pública aumenta e mete medo também aos
políticos que, em tempos de eleições, se deixam determinar mais pelo medo. Em
vez dos factos surge o poder das emoções e das ideologias que determinam um
espírito irritado e irritadiço na sociedade.
Nas conversas domina a preocupação e a falta de
orientação. O eu individual e o eu social não se encontram em harmonia.
Na passagem do ano de 2015 Colónia e outras cidades
alemãs congregaram grupos de refugiados principalmente do norte de áfrica com a
finalidade de apalpar, roubar e abusar de centenas de mulheres alemãs reunidas
em torno da Catedral para saudar 2016. Este fenómeno repetiu-se na mesma noite
noutras cidades. A informação sobre o assunto foi, em parte, manipulada e
adiada para não causar aversão contra os muçulmanos. A partir daí a sociedade deixou
de ser a mesma; a desconfiança tem vindo ocupando os espaços da confiança.
Diminuiu imenso a confiança na imprensa e nos políticos. A ideia que a
sociedade tinha em surdina, já desde há muitos anos, de que as informações
relativas a abusos e criminalidade de pessoas de cultura árabe eram branqueadas,
viu-se confirmada na manipuladora política de informação dessa noite e nas hesitações
dos dias seguintes. Depois de
Colónia essa preocupação encontra-se mais velada na prática de se procurar
justificar a maior criminalidade árabe com problemas de meio social e de
precaridade económica como se nas mesmas cidades não vivessem outros tantos ou
mais alemães nas mesmas condições sociais. Às vezes a explicação de um fenómeno
ainda o agrava mais por substituir a tomada de apoios para os grupos sociais
concorrentes.
O medo na Alemanha tem uma certa legitimação, dado o povo
estar atento e reagir aos acontecimentos. Era tabu ter medo de expressar o medo
ou crítica a uma sociedade hóspede que se comporta, por vezes como se fosse
senhora da casa. A sociedade aberta não é consequente ao evitar uma cultura de
conversação aberta.
A sociedade
ocidental, de uma maneira geral, tem uma atitude complacente para com o
delinquente (mesmo a nível de tribunal) e uma atitude indiferente para com a
vítima, independentemente de ela ser nacional ou estrangeira. Talvez esta atitude
corresponda a uma projecção da própria sombra recalcada no sentimento
inconsciente de que o próprio bom viver se deve à exploração.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do
Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4082
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