GÜNTER GRASS PERSONA NON GRATA EM
ISRAEL
Indignação contra Indignação – à
volta do Poema “O que tem de ser dito”
António Justo
Alguns dias antes da Pessach (festa judaica), a “inocência” de Günter
Grass, inicia, com a sua prosa poética, uma campanha sobre uma região que só
conhece o calvário. O nobel da literatura emprega a sua tinta em papel sem
mata-borrão, num assunto de trincheiras, todo ele constituído de preconceito e
agressão.
O Governo de Israel reagiu drasticamente à poesia provocante de Grass
declarando-o como pessoa indesejada; negando-lhe assim a possibilidade de
entrar em Israel. A argumentação oficial para justificar tal acto parte do
pressuposto que Grass tenciona com a poesia “atiçar o fogo do ódio sobre o
Estado e o Povo de Israel”.
“O que tem de ser dito” (Was gesagt werden muss), texto controverso de
Grass, publicado por todo o lado, afirma que “O poder nuclear de Israel é
uma ameaça à já frágil paz mundial”; Grass refere ainda: „estou cansado da
hipocrisia do Ocidente”. Critica também o facto de a Alemanha fornecer
submarinos a Israel.
O publicista Henrich M. Broder reagiu afirmando que Günter Grass “sempre
teve um problema com judeus” afirmando mesmo que Grass é um “protótipo do
anti-semita intelectual “ que quer cobrar culpa e sentimentos de vergonha com a
História. O autor Ralph Giordano atesta o versar de Grass como um “ataque à
existência de Israel”.
Grass afronta Israel ao colocar a teocracia fascista iraniana ao mesmo
nível da sociedade israelita. Emprega, no texto, a expressão nazi que pretendia
“extinguir” os judeus pondo essa palavra na intenção dos judeus perante o Irão
como se os judeus pretendessem realizar um “holocausto”.
Israel considera o Irão como o maior perigo para a sua existência devido às
suas agressões verbais oficiais e ao seu apoio ao terrorismo. Israel
encontra-se entre a espada e a parede: entre a superioridade das forças armadas
convencionais dos povos maometanos circundantes e a própria superioridade
atómica. Especulações sobre uma possível intervenção de Israel contra as
instalações atómicas iranianas são vistas criticamente quer por israelitas quer
pelo estrangeiro. Pelo contrário o Irão quer ver Israel irradiado do mapa, como
testemunham políticos iranianos quando dizem, entre outras frases: “Em nove
minutos extinguiremos Israel do mapa, o mais tardar em 2014”. O Irão apoia
várias organizações radicais islâmicas palestinianas bem como a organização
paramilitar Hizbollah constituída por fundamentalistas islâmicos xiitas no
Líbano que se darão por satisfeitos quando virem os judeus no mar.
No conflito israelo-árabe domina o cinismo de posicionamentos antagónicos e
a inocência de adeptos partidários. Parece que nos encontramos numa situação louca,
em que reina a contradição, onde tudo fala e tem razão.
Este berro de Grass obsta ao tédio da normalidade adaptada. Neste tempo de
conformismo em que os intelectuais perderam a soberania da intervenção e
interpretação no discurso público, a intervenção de Grass até parece oportuna
pelo menos para uma facção e porque dá satisfação a uns e a outros dá a
oportunidade de falar dela. Grass goza da graça do estado de não precisar de
trazer a tesoura na cabeça, podendo dizer sem filtro o que pensa sem correr o
perigo que os Media percam o interesse nele e que o seu grande público o
abandone. De lamentar é que não haja intelectuais de outras cores a pisar o
risco do oportuno. Para lá dos devotos e dos adversários de Grass o importante
seria uma reflexão a-perspectiva sobre o conflito entre israelitas e a liga
árabe. Que uns vejam a realidade com o olho direito e outros com o esquerdo é
normal. O que não é normal é que um homem como Grass que vestiu a farda nazi
não se preocupe em ver o mundo com os dois olhos abertos.
Günter Grass, prémio nobel da literatura em 1999, agora com 84 anos, já viu
milhões dos seus livros publicados, sendo um intelectual reputado. Numa
classificação dos intelectuais mais destacados, a revista alemã “Cícero” em
2007 colocava o papa Bento XVI em primeiro lugar, o escritor Martin Walser em
segundo e Günter Grass em terceiro.
Grass, sempre sobressaiu pela sua intervenção pública, destacando-se na
crítica ao regime da antiga DDR (Alemanha Oriental), à guerra do Iraque e no
apoio ao Partido Social Democrata (SPD) alemão.
O facto de Günter Grass se ter inscrito como freiwillige aos 15 anos nas
Waffen-SS e ter sido convocado aos 17 anos (1944) para a 10. Divisão-SS de
Blindados “Frundsberg” não deve ser abusado para o difamar. São etiquetas que
querem fixar o indivíduo a uma fase da vida como se a pessoa não fosse processo
sujeito à mudança.
À tomada de posição histérica de Grass segue-se a histeria dos que o
atributam de anti-semita.
Grass alimenta a maquinaria da indignação servindo-se dos Meios de
Comunicação. Assiste-se a um protesto obediente, como sempre em torno da forma
sem chegar ao conteúdo, em torno de grupos de interesse mas sempre à margem das
pessoas concretas que vivem em Israel e na “Palestina”. Muitos procuram
no jogo do poder a sua sorte.
Estes dias não têm sido favoráveis a Grass nem à causa
israelo-palestiniana. “Quem semeia ventos colhe tempestades”, confirma o ditado
português. “O que tem de ser dito” encobre o por dizer!
O aplauso a favor ou contra vem sempre do canto errado. O conflito
israelo-árabe é demasiado complicado para se poder sair dele sem se sujar as
mãos e a mente.
O calor da discussão desencadeada por Grass pode tornar-se num sinal de
como um Norte de África a ferver varrerá com a inocência duma Europa futura.
António da Cunha Duarte Justo
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