DOCUMENTA – A Exposição de Arte Contemporânea mais
importante do Mundo
António Justo
De cinco em cinco
anos peregrinam, de todas as partes do mundo, milhares de artistas e admiradores
da arte contemporânea até Kassel, Alemanha. A documenta foi criada em 1955, em
Kassel pelo artista Arnold Bode que pretendia, com a iniciativa, abstrair das
ruinas da guerra e seguir novos horizontes ao serviço da abstracção. Na
primeira exposição houve sobretudo obras de arte que tinham sido proibidas e
perseguidas durante o regime nazi e intituladas de arte degenerada (“Entartete
Kunst”).
A documenta alonga-se
por 100 dias. Nesta altura a cidade transforma-se num mar de gentes de portes exóticos:
um aspecto folclorístico que faz lembrar os mercados da idade média em torno
das catedrais e, assim, forma, já por si, também uma obra de arte social. Kassel
transfigura-se numa praça de arte que se estende por edifícios, parques e
outros espaços públicos da cidade. A documenta apresenta uma perspectiva
transversal da arte contemporânea e permite fazer o ponto da situação mundial em
questões de arte e ocasionar uma certa orientação de perspectiva. Na sua
história de 57 anos com 13 exposições, documenta as contradições e
ambivalências do Homem e do tempo num currículo de realização e fracasso em
processo de morte e ressurgimento.
A dOCUMENTA
(expressão gráfica da documenta 13) vive da ambivalência e do escândalo na
procura dum futuro prospectivo a partir dum presente impregnado de contradições
e inconsistências que se expressam de documenta para documenta, numa manifestação
de diferentes atitudes artísticas a que assistem diferentes filosofias,
teorias, correntes políticas e sociais contemporâneas.
A documenta13, realiza-se de 9 de Junho a 16 de Setembro
de 2012. A última documenta/2007 conseguiu vender 754.301 bilhetes. O objectivo
da actual é atingir um milhão de visitantes. Ela é ao mesmo tempo o maior
festival Open-Air. Kassel oferece possibilidades ilimitadas: o visitante tem a
oportunidade de se alegrar e irritar sobre a arte.
A documenta (13),
foi elaborada sob o lema “Colapso e Reconstrução” e tem como chefe/gerente a
americana Carolyn Christov-Bakargiev apelidada por jornalistas de “Lady Gaga”.
Ela situa-se nas pegadas e tradição das 12 documentas anteriores prosseguindo um
espírito de continuidade de arte
afirmativa e provocativa. Procura apresentar o válido como inválido e
vice-versa, documentando assim as contradições da actualidade.
A direcção da
documenta escolhe para chefe de cada exposição, um curador/chefe da documenta equipado
de poderes absolutos; este pode pôr e dispor à sua vontade de maneira dogmática
a própria filosofia. Na documenta, aqui em Kassel, a arte arroga-se alvores absolutistas. Carolyn
Christov-Bakargiev encena-se como se fosse a sacerdotisa da arte, não lhe
faltando a estola, o gesto religioso e o dogmatismo ostentado. O sensacionalismo
em torno dela talvez venha do facto Carolyn Christov-Bakargiev querer, com idiotices
mudar o nosso pensamento, através da documenta. Desta vez participam 297
artistas e grupos de artistas de todo o mundo.
“Direito de
Voto para Cães e Morangos”
Em torno da dOCUMENTA
13 tem havido muita discussão na imprensa; a chefe tem-se revelado como
bastante jacobina, não suportado mesmo nada que contradiga a sua
ideologia/visão de arte. Para Josef
Beuys artista “ é toda a pessoa”; para a
chefe da documenta, artista é toda a natureza, ponto. Carolyn Christov-Bakargiev exige o direito de
voto também para os morangos e para os cães; também há três cães da
documenta treinados e colocados à disposição de visitantes que se deixarão
conduzir pelos caninos; o sentido
desta iniciativa é levar o visitante a ver a atitude do cão perante a obra de
arte; intenção é inverter os valores
colocando o Homem ao nível do cão e do morango. As suas posições radicais têm
sido muito criticadas, muito embora a sua posição extremista possa ajudar uma
sociedade surda-muda a notar que a natureza é sua companheira. A exposição
paralela à documenta organizada na igreja católica St Elisabeth, onde o artista
Stephan Balkenhol apresenta (na torre) uma instalação com um homem de braços
abertos sobre um globo dourado, provocou os furores da chefe da documenta que não
queria ver o Homem numa posição superior ao dos animais e das plantas. Sentiu-se
“ofendida” por aquela instalação que questiona a sua intenção niilista não suportando
o optimismo do Homem como senhor e corresponsável da natureza. Isto não passa
dum ultraje invertido pois encontra na torre da igreja algo irritante para quem
quer um mundo plano com tudo sem moldura, tudo abstrato, que desvie as atenções
do humano.
A documenta quer
ser um espelho da arte contemporânea mas negligencia grande parte da arte e em
especial a pintura, o realismo, fotorrealismo, o realismo fantástico e o surrealismo.
Por isso já houve movimentos anti documenta que foram imediatamente oprimidos.
As pessoas não ousam opor-se ao espírito da documenta sejam cientistas da arte
seja o povo. O doentio, o dilacerado tem sido tematizado em instalações e
esculturas. Contrapõe-se o desastroso, o ameaçador em rituais negadores de
ritos optimistas da religião e da sociedade. Um certo espírito da documenta
quer afirmar-se como religião secular contra o religioso cristão e passar à
margem das pessoas. Parece não reconhecer o facto de vivermos todos num mesmo
mundo plurifacetado feito de muitos universos complementares.
Numa perspectiva
cristã da arte o ser humano está chamado a mais do que a gritar. O Homem é o
caminho de Deus e deve reconhecer-se como companheiro adulto da natureza mas sem
abdicar de ser sua consciência. A religião e a arte devem ser os sismógrafos
dos problemas. A arte também tem de se entender como resposta ao mundo na
responsabilidade; por isso, também ela deve questionar os próprios conceitos. Por
vezes tem-se a impressão, em certos meios ideológicos e de certa arte que a
imagem de Homem constitui, já por ela, uma provocação. Esquecem que o olhar cego
e vago da realidade é um olhar de governantes ou de quem se não quer envolver
ou deixar tudo às forças duma natura sem cultura.
A arte abre novas
visões mas precisa da condição humana para tornar não só a miséria humana
visível mas também a parte nobre como a religião pretende afirmar. Também Dostoievski dizia “o belo libertará
o mundo”. Quando se desiste da religião, o mundo torna-se em ameaça, como pretendem
certas tendências ideológicas. Torna-se importante libertar a religião e a arte
do medo e das ideologias.
A arte também é
importante como catarsis, como crítica, sem ter necessidade de exilar a esperança.
Não se podem tornar cúmplices com os senhores que roubam o mundo roubando a
senhoria ao Homem tornando-o seu arrendatário e reduzindo-o a indivíduo anónimo
numa imagem sem nós, como se uma árvore não estivesse incardinada num biótopo. Eu sou rei e escravo soberano, permaneço mistério
e tanto a arte como a religião, como a ciência, a política, não conhecem um porquê
da realidade. A arte e a religião protegem o mistério, aquilo que dá grandeza e
perspectiva ao Homem e à natureza. Seria abstruso que arte e religião não reconhecessem
o mesmo coração donde provêm, do epicentro da intuição que proporciona o sonho
na empatia. Até ao séc. XVIII religião e arte viviam em relação amorosa,
queriam modelar e tornar visível o mistério. Arte e religião questionam as
compreensões imediatas. Com o racionalismo e o materialismo deu-se o divórcio do
sagrado e do profano e dividiu-se o povo em sábios e ignorantes caindo-se num
fundamentalismo de posições. Hoje torna-se óbvia também uma reculturização, uma
nova consciência, à margem dum normativo racional que aprisiona a realidade em
imagens e caixilhos religiosos, científicos, ideológicos, políticos, etc.
Na casa da arte,
tal como “na casa do Pai” há muitas mansões; seria miopia expulsar a religião e
o Homem do templo da arte e a arte da religião. Realidade e imagem são imagens!...
Fazemos todos parte dum mesmo mundo, numa realidade complementar do não só… mas
também…
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.com
2 comentários:
Apenas um acrescento:
Certamente notaram que o logotipo da dOCUMENTA 13 é diferente dos anteriores. Na primeira exposição (1955) e em quase todas as seguintes foi escrito em letra minúscula. Também com isto se queria inverter normas (no sentido dos artistas da Bauhaus). Letras maiúsculas eram identificadas como símbolo de poder, o poder substantivo. Na grafia alemã os substantivos escrevem-se com letra maiuscula. A letra minúscula foge às hierarquias!...
Apenas um acrescento:
Certamente notaram que o logotipo da dOCUMENTA 13 é diferente dos anteriores. Na primeira exposição (1955) e em quase todas as seguintes foi escrito em letra minúscula. Também com isto se queria inverter normas (no sentido dos artistas da Bauhaus). Letras maiúsculas eram identificadas como símbolo de poder, o poder substantivo. Na grafia alemã os substantivos escrevem-se com letra maiuscula. A letra minúscula foge às hierarquias!...
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