O Cosmos
evolui no Sentido da Natureza de Cristo
António Justo
Aproxima-se mais um Natal no tempo. Um escândalo! Deus torna-se mundo e Homem
depois duma grande gestação que se seguiu à Palavra de Deus inicial que
produziu o “Big Bang” do universo e se foi tornando, cada vez mais, visível, atingindo
o apogeu no Filho do Homem. Em Jesus Cristo une-se a divindade e a criação (poder
e vulnerabilidade); os opostos tornam-se
parte duma realidade maior que ultrapassa a visão dialética e bipolar habitual.
O JC torna-se a interpretação de Deus e do mundo: é não só a sua metáfora mas
também a sua realidade; ele reúne e resume a corporeidade, a matéria no Jesus
homem e a divindade no Cristo. O divino apresenta-se aqui numa dimensão física
visível e numa dimensão espiritual invisível: é mundo e transcendência ao mesmo
tempo.
Com as dores da evolução, o espírito expressa-se no espaço e no tempo (cosmos)
à semelhança do desenvolvimento do ser humano no ventre da mãe durante a gravidez.
JC é o “início” e “o primogénito de toda
a criação” (cf. Paulo aos Colossenses); com Ele e nEle a divindade incarna já
antes de toda a criação. A divindade torna-se pai/mãe no Filho, gera e cria por
amor permanecendo na união do criar e dar à luz (revelar) parte de si mesmo (a
sua dimensão cósmica). JC já resumia nele a divindade e a criação antes do
pecado original. Daqui ser óbvio não se acentuar demasiado a espiritualidade do
pecado original como fundamento da incarnação divina (como advertem teólogos). Para
João Duns Escoto o pecado assume uma realidade secundária em relação ao amor. A
religião do cristão é o amor e o amor expressa-se na bondade.
O universo é o alfabeto e a sintaxe da Palavra inicial (No princípio era o
Logos, a Palavra, a Informação) donde tudo surgiu e se manifesta. JC é a
revelação de Deus nas suas dimensões material e imaterial. “No princípio já
existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no
princípio, com Deus; tudo começou a existir por meio d’Ele, e sem Ele nada foi
criado” (Jo 1, 1-3).
A criação traz, assim, em si o gene divino e o germe da evolução tendo
chegado à maturidade física que comporta o seu florescer no espírito, na
natureza do Cristo. Em JC temos a ideia e o acontecer duma Realidade ao mesmo
tempo visível e invisível. É aquilo que a liturgia realiza na eucaristia, antecipando
nela a realidade final, a transubstanciação da matéria no espírito, num
processo de Alfa e Omega, como JC já antecipou.
Teilhard de Chardin compreende o cosmos inteiro como Cristocêntrico numa
espécie de consagração transubstancial da realidade. Bento XVI fala do sinal da
" Eucaristia, comunhão com Cristo e entre nós" e Joao Paulo II acrescenta: “A liturgia cristã deve ter uma
orientação cósmica. Tem que, por assim dizer, orquestrar o mistério de Cristo,
de facto, com todas as vozes que estão à disposição da criação” (Ecclesia de
Eucaristia). Com isto, chama a atenção não só duma espiritualidade
transcendente mas também duma espiritualidade imanente (inerente ao cosmos).
Esta será a dimensão a aprofundar numa fase mais mística do cristianismo e que
virá dar resposta aos novos tempos.
Deus torna-se mundo e Homem em Jesus Cristo (processo evolutivo do Alfa
para o Omega); JC ao resumir em si o mundo e a divindade espelha nEle a pessoa
e o universo no seu processo de divinização. Deus dá hoje continuidade ao
processo de incarnação que tinha iniciado e realizado em Jesus Cristo ao
iniciar a criação. Os movimentos cíclicos e lineares convergem em cenários de uma
mesma realidade que se expressa nas espiritualidades natalícia, pascal e
pentecostal. O ciclo da natureza e o ciclo litúrgico tornam-se metáforas duma
mesma realidade em via.
No processo evolutivo, à hominização segue-se a natureza de Cristo. O Natal
(incarnação) provoca uma verdadeira revolução do pensar racionalista e
sentimentalista, abrindo horizontes para panoramas impensáveis. Não podemos
acentuar demasiado o aspecto pedagógico-didático da liturgia natalícia em
detrimento da realidade essencial teológica e mística que se resume no mistério
da Trindade e no processo de incarnar e ressuscitar.
O Natal, embora incorporado no negócio do consumo, na concorrência e no
sentimentalismo, é, no tempo, aquela parte do tempo que aponta para a justiça e
para paz. O calendário litúrgico, tal como as estações do ano, expressa metaforicamente
a realidade da vida, e consequentes diferentes nuances.
Urge uma actual compreensão e vivência do mundo, do homem e de Deus. A desmitologização do mundo expressa no
cristianismo pressupõe a desmitologização do espiritual, para se poder
compreender a realidade integral que é Jesus Cristo. Urge dar-se a
desmitologização de Deus, do homem e do mundo para se sentir o fluir do divino
no humano numa interligação de Pai no Filho, de Filho no universo na unidade do
Paráclito.
A incarnação é um mistério que pode ter várias abordagens também no sentido
de dar resposta aos problemas actuais apresentados pelas novas impostações
teológicas e pelas ciências físico-naturais. Uma das impostações será a de que Deus
não encarnou em JC porque Deus estava ofendido com os pecados do mundo mas também
porque, por amor, na sua relação trinitária, ao tornar-se mundo e homem se
submete à evolução, à cruz do mundo a caminho do Cristo. Deus ao revelar-se em
Jesus Cristo revelou o ser do Homem e do mundo também.
Estamos chamados a realizar o JC.
Com este Deus que se declara por nós e em nós, há que renascer para
realizar o Natal.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
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