Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril
António Justo
Comemoramos
o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No imaginário popular
permanece a imagem de armas a dar à luz cravos. Quem foram os vencedores e os
perdedores da nação? Numa data de ênfase de mitos e feitos da revolução, a
sociedade precisaria de cabeça fresca para a avaliar e melhor entender a
realidade em que se encontra e, a partir daí, melhor poder construir um
Portugal moderno e mais justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de
uma maneira geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade
da realidade nacional e internacional bem como a competência para avaliarem da
dificuldade do empreendimento da descolonização e da democracia. Embora os
actores do 25 de Abril lutassem contra a ditadura e a repressão, em defesa da
igualdade e da sua liberdade, não conseguiram, no geral, criar uma sociedade
mais justa, porque imbuídos do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de
Abril”. Assim, embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a
violência, a corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia
pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram a beleza
do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir à faixa vermelha
dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos “ideais de Abril” conseguiu-se
confundir de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do que
estava realmente por trás dos “ideais de Abril” e se resumiam originalmente na instituição de uma
ditadura popular, à maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da
revolução resumidos no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem
continuar a ser sublimados.
Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a confissão
partidária e dos irmãos.
De uma
burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia partidária que vive
das benesses e privilégios de um Estado irresponsável, sem espírito laboral mas
explorador dos contribuintes. O que o Estado recebe dos empresários sérios e do
povo trabalhador desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando
pessoas sem personalidade ética nem competência empresarial.
A economia, a cultura e os
Média precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de
força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da política.
Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de forças competitivas
entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos outros e possibilitaria a
recriação de um estado que não fosse incubador do parasitismo. Urge superar a
República burguesa-partidária e antipatriota.
Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca
O
problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como nas
irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra sempre na disposição
de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e enteados! Temos uma elite
portuguesa promíscua mas fechada, vinda de vários sectores (economia, justiça,
política) formada por relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se
apoiam reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção
institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma elite
democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media. A miscelânea
e demasiada confiança entre eles fomentam um povo desprevenido! Neste ambiente
é natural que toda a gente aspire a ter um “amigo” de cima, uma cunha grande.
Assim se fomenta uma mentalidade do viver encostado; assim se constrói uma
cultura do desenrasca.
O
Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das pessoas a
ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem experiência laboral
nem tradição laboral familiar, são lançadas também nas finanças e nas grandes
empresas onde o Estado/Partidos asseguram lugares para os seus. Uma tal
situação conduz a uma economia sabotada, dependente dos parasitas do sistema,
só podendo produzir pobreza ou gente remediada.
A
formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se dado sob o
signo da mediania. O poder económico e político encontra-se, tal como antes
do 25 de Abril, nas mãos de poucos que exercem a hegemonia sobre Portugal,
nos diversos âmbitos sociais. Os líderes económicos e políticos sofrem todos do
mesmo mal; um problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da
sociedade portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD,
ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente concorrentes;
a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia partidária, num
discurso manipulador e apelativo para um povo que não existe, porque também
distraído por noticiadores mais preparados para anunciar a banha da cobra do
que para descrever a situação real do país. Na Idade Média as grandes famílias
nobres estavam familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes
grupos financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível
europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A economia
portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de manter a burguesia
partidária com os seus tentáculos polvo, tem de reservar lugares de direcção
para os amigos dos partidos ou das irmandades. Temos uma economia com
empresas na dependência do Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da
política sem vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da
sociedade socialista aos da capitalista. A classe política serve-se
desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de
amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes discussões
públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia para o ar, ou
culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado da cultura mourisca.
Consequentemente,
as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma herança de graça que agora
desemboca na crise. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos
a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar
que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era
possível uma sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa
colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da “Mulher,
a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os valores morais
tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas comerciais e industriais
de então. A revolução, nascida mais da ideologia do que da realidade,
desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao
intelectual e a aposta na construção do estado sem ter em conta a nação
levou-nos ao estado em que nos encontramos.
O 25 de
Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos marxistas, maoistas,
comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o
sonho era só para alguns, como podemos verificar nas suas posições, remunerações
e pensões. Somos
todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta para a
responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar para nós.
O que resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o
Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25 de Abril
veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta de crédito sem
cobertura. Assim a terceira república tornou-se no maná dos oportunistas e
num peso para o povo. Como povo com bolsa de pobres e boca de ricos continuamos
a ser o melhor solo para os afortunados da vida e para uma corja de boys que
proletarizam o povo e a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país
à depressão desacreditando os valores do sonho de outrora.
Precisam-se
novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a diversidade; ontem
foi preciso dizer não à ditadura na defesa da vontade popular, hoje é preciso
dizer não à má governação, à corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores
de Abril só poderão ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a
volta do povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade
da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e corrupto: se os
que orientam os destinos da nação são corruptos que resta ao povo senão
imitá-los!
O 25 de abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus!
Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres. Cada regime,
com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo) para se afirmar e para
legitimar a continuidade da história, tal como cada um de nós se serve da sua
lógica para levar a sua “razão” avante! A História encontra a sua continuidade
nos diferentes regimes que se servem do gramado, da plataforma dos pobres! O
povo continua o eterno refém dos regimes.
A Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se imbuídos
do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de nação. A república,
surgida do jacobinismo francês e de irmandades internacionalistas desalmadas,
foi dominada pelo pensamento de interesses de grupos e de individualismos
inferiores e recalcados à procura do sol burguês. De nacional só têm um certo
espírito mafioso de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol
compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de fora; um
fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes consulares, aos
camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são violados.
Os problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da
oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a mudança
só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais consciente e
responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar a sua mudança.
O
problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O problema do
país está no facto de não ter alternativa para as elites corruptas. Há 780
portugueses multimilionários com fortunas superiores a 25 milhões de euros.
Isto seria legítimo se o povo andasse bem e enriquecesse nas mesmas proporções
que eles enriquecem; o mesmo se diga dos altos funcionários e
beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
Formado
em Ciências da Educação Português e História
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