Uma Revolução do Conjuntivo – Portugal sem Amigos
António Justo
Era uma vez a revolução do 25 de Abril. Aquele dia em que a História,
começa a dizer-nos adeus e a acenar-nos de volta.
Sob tanta música e tanto aroma do passado, quem tem o poder da
interpretação da História? Quem tem algo para dizer? A consciência da justiça
perdeu-se. A renovação precisa de nova orientação.
Portugal partido deixou de ser inteiro
Portugal, sem querer, foi reduzido ao 25 de Abril. A nuvem da ideologia e a tradição jacobina não deixam raiar nele o sol de
todos: o Sol é só delas, não o deixam ser bem-comum.
Revoluções e 25 de Abril há muitos! Para cada qual o seu Abril! Só Portugal
não tem nenhum! Portugal partido deixou de ser inteiro porque o partido se
esqueceu que é apenas uma parte do todo. Num país desagregado em que a Pólis não flui porque se
confunde fluência com instabilidade, a vida política consta de portugueses de
extremos: de opressores ou de vítimas com os correspondentes correligionários.
O 25 de Abril é dos portugueses ou de algum partido?
Sim, até porque, por vezes, na opinião pública se chega a ter a impressão
que o 25 de Abril é pertença da esquerda e não do povo português. Elites portuguesas
precisaram de uma “revolução” para alcançar uma democracia e uma prosperidade
que outros povos conseguiram sem ter de dever nada a ninguém.
O público distraído vivia no arraial da festa e o cidadão pé-descalço, não
sentia dores nos pés, devido ao encanto da música. Entretanto a música passou,
o ritmo desacelerou e só a marcha continua numa cadência surda, a viver de ecos
longínquos de solmizações desafinadas e reduzidas a “esquerda”-“direita”. Tudo,
o vento levou. O que nos mantem unidos é a palavra democracia, embora já
bastante rompida.
Feitores e herdeiros do palco “25 de Abril” continuam a fazer acrobacias
para adeptos e espectadores enquanto xamãs republicanos, por trás dos
bastidores, garantem o descontentamento como continuidade nacional. Aqueles não
têm perspectiva nem planos a longo prazo e estes não lhes deixam criar
condições gerais.
A democracia recebeu um caracter regional: na monarquia rivalizavam-se as
famílias nobres, na república rivalizam-se os partidos. As famílias nobres
tinham a terra que os unia, os partidos une-os a ideologia. A sociedade
portuguesa não tem uma filosofia conservadora coerente, nem uma filosofia de
esquerda séria; na praça pública sobressai um discurso e uma praxis diletante
de esquerda e de direita!
Portugal não tem amigos, e por isso não conhece alternativas; na gerência
do Estado, a carência de programas (e de conceitos) é substituída pelo
rotativismo partidário. Se antes vigorava o direito dos mais valentes depois
passou a vigorar o direito dos mais fortes.
Inês de Castro imagem de um povo sem família que a acolha
Os políticos da nossa democracia são surdos à voz do povo. No escuro dos
ministérios e nas lojas dos irmãos cruzam-se entumecidos os assassinos de Inês
(de Castro) - a nação humilhada porque esquecida! Na voz da gente ecoam
as súplicas de Inês num chorar meigo de mágoas temperadas num amor não
correspondido; Inês sofre na aura do meu povo onde brilha o pôr-do-sol de uma
era sem sol nascente. Inês é Portugal ao relento que continua a bater à
porta do Estado, do rei Afonso que a assassina por “razões de estado” mas será
reabilitada (só depois da morte) por razões do coração de um Pedro difamado...
A Tragédia Castro é uma boa imagem da nação, do 25 de Abril e do povo que
continua com destino trágico!
A democracia é povo e por isso se manteve longe do Estado; alguns queriam democratizar o sistema mas o sistema
acabou por domesticá-los; ao integrarem-se no sistema, este sugou-lhes a
personalidade tornando-os objectos do regime político e dos correspondentes
grupos de interesse, sem ideais nem ligação ao povo: onde não há ideais não
há povo. Por isso a nossa república não consegue produzir personalidades de
perfil estatal (talvez se note alguma na sua sombra: Manuel de Arriaga, Ramalho
Eanes, Salazar e algum que o leitor se lembre). A república tem sido boa e profícua
em produzir opositores ao governo mas tem sido má em produzir governantes e
personalidades íntegras.
O descontentamento é geral; por todo o lado surgem candidatos a presidente
numa intenção de encurralarem o “estabelecimento” e a classe política corrupta.
Quer-se uma unidade para lá do espectro esquerda-direita no sentido de uma
unidade popular contra a corrupção, contra a elite. A revolta está bem patente
mas como é de baixo não tem patentes que a façam valer. A história de Portugal
tal como o regime de Abril, resume-se no dilema entre razão e coração, entre D.
Afonso e D. Pedro (o Justiceiro) e que se resolve na Tragédia de Inês, na
tragédia do povo, que se revela como a sustentabilidade de Portugal.
Há 41 anos festejava o povo, hoje festejam os funcionários dele. Neste contexto, as comemorações de Abril dão mais a
ideia de serem um acto de auto-elogio ou de lavagem da própria consciência
(ideologia) em louvores mesquinhos ou num bota-abaixo de um passado enevoado
para louvar um futuro ensombrado.
O 25 de Abril de baixo continua por fazer e o 25 de Abril de cima
encontra-se nas mãos de “mercenários”.
António da Cunha Duarte Justo
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1 comentário:
HOJE PORTUGAL CHEIRA A 25 DE ABRIL
Portugal cheira a 25 de abril e o 25 de abril cheira a Portugal. Só uma atitude responsável pode afirmar a liberdade e para podermos afirmar a liberdade não poderemos eliminar a culpa dos outros nem a nossa: nem a culpa do Estado Novo nem a culpa do 25 de Abril.
O desejo do melhor permanece uma utopia, dado, como é próprio da natureza, em todos os regimes e épocas existirem o bem e o mal de mistura. Quem quer irradiar o mal da natureza e da sociedade procura a culpa mas não deverá esquecer que esta assenta em valores e estes é que conferem individualidade às pessoas; estas, ao absolutizarem um ou outro valor, dão origem à diferença que produz a luta. Baseado em valores diferentes, cada um começa a salgar a vida do outro… A natureza e a sociedade não podem viver sem a diferença porque da diferenciação surge o desenvolvimento. Assim, as diferenças teóricas permanecerão mas a prática pode unir o que a teoria não pode!
Vamos cantar de novo “somos livres”!
António Justo
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