Tema
“Família” no 2° Sínodo dos Bispos em Outubro
António Justo
No vaticano sopra um
vento sul forte, um vento oceânico de fora da Europa que, ao suflar nas batinas
da Cúria romana, habituadas à brisa mediterrânica, causa perplexidade. Francisco I, no seu discurso de 22 de Dezembro diagnosticou 15 doenças em
pessoal da Cúria e em muita outra gente acomodada que não se controla: “Alzheimer
espiritual”, “terrorismo das conversas”, críticas aos “fariseus”, são palavras não
diplomáticas que abanam muitas árvores da cúria chegando a atingir até as
raízes de alguns “cedros do Líbano”.
No vaticano,
como na política há posições controversas, uns mostram-se mais comprometidos
com a doutrina, outros com a praxis, como é natural numa tradição de dialética
frutífera entre doutores e pastores. A um Papa teólogo segue-se um Papa pastor.
É profético e quase de obrigação programática
o facto de a História ter reunido dois Papas ao mesmo tempo sob o mesmo tecto
romano, como que a avisarem: a praxis é a flor da doutrina; a pastoral não se
deve dissociar da doutrina embora aquela deva constituir um desafio a esta.
Um grupo conservador receia que Francisco I mude a doutrina quando ele apenas
quer pôr a pastoral na ordem do dia. Aguentar a tensão é o que a Igreja
católica sempre conseguiu tornando-se assim em modelo institucional para a
humanidade.
De facto, a
Igreja encontra-se em diferentes contextos; foi a primeira instituição global
quando os países nasciam e lutavam ou lutam ainda pela sua identidade regional;
como tal, a Igreja tem diferentes rostos segundo os continentes e as culturas
subjacentes, o que poderá originar diferentes práticas pastorais.
Francisco I também
manifesta compreensão para com os gays de boa vontade que “não se devem
condenar, mas pelo contrário ser integrados na sociedade”. As suas expressões
espontâneas e palestras livres na missa matinal tornam-se motivo de observações
teologais por parte de alguns prelados.
O Papa pretende
a reevangelização do mundo. Até os seus críticos reconhecem nele grandes
qualidades incontestáveis. Ele sabe olhar as pessoas nos olhos. Ao escolher a
Casa Santa Marta (a casa de hóspedes do Vaticano) para residência preferiu o
contacto directo com a realidade universal. O Papa revela-se
à altura dos tempos e tem sido muito oportuno em iniciativas para as religiões
no sentido de serem fiéis à sua tarefa primordial e dando também impulsos muito concretos para a política
internacional: genocídio dos arménios, impedimento dos ataques dos americanos e
do ocidente contra a Síria, relações diplomáticas entre Cuba e USA, apela para
“não desprezar a Rússia”, e tem conseguido transparência na banca vaticana etc.
Ano
Santo da Misericórdia
Em Abril,
anunciou um ano santo extraordinário, o Ano Santo da Misericórdia que vai de 8
de dezembro de 2015 até 20 de novembro 2016. O bem da igreja e das almas é
prioritário.
Uma igreja
precisa de mística, doutrina e pastoral. As reformas na moral e na pastoral são
precisas tendo muito em conta as assimetrias culturais e sociais das diferentes
sociedades. A revelação divina acontece na Bíblia, na Igreja, na Comunidade e
na História que vai sempre mostrando novas facetas da realidade global que é
Jesus Cristo.
O Pontífice é
servidor e não senhor da verdade, por isso não pode mudar a doutrina/dogmas,
pode criar prioridades na forma de tratamento pastoral. Por isso, na sua bula
sobre o ano da misericórdia acentua: a
”misericórdia é o caminho que une Deus e o Homem”. Misericórdia para quem
merece uma pena é uma questão que na visão secular parece contraditória…
Bento XVI era
um teólogo, Francisco é um pastor, a teologia permanece na tensão entre
doutrina e interpretação e a pastoral segue as circunstâncias dos tempos e das
idades. O que se faz e o que se crê não são a mesma coisa, a fé permanece
embora a prática seja mais importante. A verdade é processo e o Papa tem a função de
encaminhar as diferentes forças em direcção a ela. Francisco I esforça-se no sentido de tornar o espírito de
Jesus mais visível e mais experimentável. Sabe que não é
seu papel adaptar a Igreja ao gosto do tempo mas que a partir dele se torne
experimentável o espírito de Deus. Esta será a
sua tentativa.
Há pessoas que
se sentem sempre indignadas com o que o papa diz. A indignação nem sempre é
sinal de empenho e responsabilidade; hoje é, muitas vezes, uma forma fácil de
se destacar e ser notado. Destacar-se perante alguém conhecido ajuda o “santo”
ego.
Alguns
radicais e eternos insatisfeitos que procuram aproveitar-se do bem e do mal
para danificar a Igreja apelam à venda de igrejas e obras religiosas para com
esse dinheiro se ajudar os pobres. Esta medida encheria o estômago de alguns
pobres por algum tempo mas o problema continuaria. “Pobres sempre os tereis…”
(Jo. 12,1-9. A igreja oferece não só pão mas também cultura, arte onde as
pessoas encontram paz, conforto e meditação (Não só de pão vive o Homem!).
Imagine-se a presença e o contributo contínuo da Igreja para o património
cultural dos povos. (Uma instituição sem memória não comporta o futuro). Nas
igrejas podem reunir-se os pobres e os que sofrem do frio da sociedade; a
Igreja é também o seu porta-voz. Os
templos e as obras religiosas são também elas as mãos da natureza, de cidades e
aldeias e do povo crente a apontar para a transcendência, a apelar para a
verticalidade num mundo cada vez mais horizontal e massa inerte. A
expressão espontânea brota do coração e transmite o calor do amor, a expressão
da inteligência reflectida espalha a luz do amor. O amor guarda espaço para a
pobreza consciente e interior que se preocupa com o bem estar material e
espiritual da humanidade. A pobreza espiritual é a maior causa da pobreza
material. Precisa-se de uma rede de pessoas de boa vontade. O Pontífice
trabalha no sentido de uma utopia que quer um mundo melhor, ao contrário das
ideologias que prometem um mundo perfeito. Fronteiras e limites devem ser
mantidos apenas como as membranas que ligam os órgãos do mesmo corpo.
2° Sínodo em
Roma
Em outubro
deste ano realizar-se-á o 2° sínodo em Roma. Prevê-se uma forte luta entre a
defesa da tradição da doutrina da Igreja sobre a família e os que seguem o
coração das pessoas que aceitam que divorciados que se encontrem na situação de
segundo casamento civil possam frequentar os sacramentos. Aqueles argumentam
que a Igreja não deve submeter-se aos caprichos do mundo. Entre eles, o cardeal
Raymond Burke e vários cardeais africanos e da europa de leste e da Itália
receiam que Francisco mude a praxis da doutrina do matrimónio. Sem ser
necessário mudar o dogma chegar-se-á a um consenso entre teóricos e
pragmáticos. A doutrina fica a mesma, tal como acontece nos Estados em parte com
a Constituição mas que se usa das leis para adaptar a constituição à situação
concreta. Assim se responderia à necessidade da dogmática (lei fundamental) e
de uma pastoral (aplicação da mesma no concreto).
De facto o
matrimónio dá-se muitas vezes numa situação de conhecimento e consciência
diferente daquela que a realidade depois vem a mostrar; chega a haver casamento
mas sem sacramento, apesar da liturgia realizada. Há doenças que um dos
parceiros pode trazer consigo que não permitem uma verdadeira relação a nível
interior e exterior. Para isso o recurso à anulação do casamento, por falta das
condições iniciais necessárias, deveria torna-se num instrumento mais normal.
Muitas pessoas trazem nelas doenças psicóticas (ou maldades) escondidas que só
o convívio do dia-a-dia vem revelar e podem impedir o desenvolvimento
espiritual e levar ao sofrimento dos parceiros a vida inteira.
Violência
doméstica pode ser motivo para separação
O Papa
Francisco tem compreensão para a separação no casamento em determinadas
circunstâncias. “Certamente também há
casos em que a separação de consortes se torna inevitável. Às vezes é até
moralmente necessária”. Quando disse isto referia-se especialmente aos casos
de violência doméstica, opressão do parceiro mais fraco ou de crianças pequenas.
Certamente um
assunto muito complicado mas o “Casamento” não pode ser argumento de
justificação de arrastamento de casos de violência repetida ou de impedimento
de desenvolvimento individual e comunitário. No caso de matrimónios católicos
há um instrumentário muito adequado que deveria ser mais utilizado e que
constitui no recurso ao pedido de anulamento do matrimónio. Os episcopados deveriam ser mais receptivos e
rápidos na decisão sobre pedidos de anulação. Por vezes faltam já de início as condições necessárias
para a efectivação do sacramento.
Também Jesus
comparou o Reino dos Céus a um reino em que o rei fez o convite a muita gente
para a boda de casamento do filho; muitos convidados não vieram e então ele
convidou todo o mundo, bons e maus (Mateus 22:1-14). De facto a Igreja não se
reduz a um povo eleito ou a uma cultura, por isso Jesus convida todo o povo a
entrar no seu reino.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
In “Pegadas do Tempo” www.antonio-justo.eu
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