As Linhas direitas de Cavaco Silva levá-lo-ão à Criação de
um Governo de Gestão
António Justo
Deus escreve direito por linhas
tortas, poder-se-á dizer da viragem política em Portugal. O fim da rotação dos
tradicionais partidos no poder que davam continuidade a uma política previsível
iniciou-se na Assembleia da República na tarde de 10.11 com a moção de
desconfiança PS, BE, PCP e PEV contra o programa de austeridade do Governo, o
que provocou a queda dele. A coligação governamental ganhou as eleições mas perdeu
a maioria no parlamento. No acordo de chegarem a acordo possibilita-se um
casamento (para alguns a tempo perdido!) em que o PS (António Costa) pode
tornar-se infiel também com os parceiros de governação mas atendendo aos bens
que a infidelidade do PS traria à parceria governativa este encontraria perdão
apesar das pequenas traições e infidelidades que se iniciariam na nova vida
conjugal de uma nova governação PS, BE, PCP e PEV .
Quem iria estar muito atento à coligação
PS, BE, PCP e PEV seriam os mercados internacionais e Bruxelas que se mostravam,
até agora, confiantes no governo de Coelho devido à sua consolidação orçamental
que se encontrava no caminho de redução do défice e da dívida mas com uma
política de austeridade a ser paga exclusivamente pelo contribuinte português.
O Bloco de Esquerda e o PCP perderiam confiança se não fosse exigida a reestruturação
da Dívida pública em Bruxelas tal como fez a Grécia.
Na realidade, o que a Constituição
portuguesa define e determina na situação em que nos encontramos (eleições ganhas
pelos partidos do governo mas por estes não terem alcançado a maioria absoluta e
a maioria dos deputados terem provocado a queda do governo) possibilita apenas
um governo de gestão até haver novo presidente e consequentemente novas eleições.
Temos 6 meses até isso acontecer. Coloco em nota um depoimento qualificado de
Pedro Martins sobre a matéria em direito constitucional (1).
O Presidente da República tentará
escrever direito com as linhas tortas da Constituição e por isso, certamente,
encarregará Passos Coelho de dirigir um governo de gestão por seis meses até à
eleição do novo Presidente da República.
António da Cunha
Duarte Justo
Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu
(1)"EFEITOS DA QUEDA ANUNCIADA DO GOVERNO!
A minha formação e especialização académica é
na área do Direito da União Europeia, desde o Mestrado ao Doutoramento e daí à
Agregação. Mas também conheço a Constituição da República Portuguesa (CRP),
cujos parâmetros ensino há muitos anos aos meus alunos de Direito Político, na
Licenciatura em Relações Internacionais do ISCSP/Universidade de Lisboa.
É sabido que não há um sistema de escolha
direta do Governo. Na solução constitucional é o Presidente da República quem
marca o dia das eleições legislativas [artigo 133.º, alínea b), CRP] e tem competência
para escolher e nomear o Primeiro-Ministro [artigos 133.º, alínea) e 187.º, n.º
1, CRP], depois de ouvir os partidos políticos, devendo a sua escolha incidir
sobre o partido ou os partidos com mais expressivos resultados nas eleições à
Assembleia da República, isto é, aqueles sobre os quais recaem mais votos por
parte do eleitorado popular. Os restantes membros do Governo são nomeados pelo
Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro entretanto
indigitado (artigo 187.º, n.º 2, CRP). Neste contexto, o Primeiro-Ministro e o
Governo estão sujeitos a um duplo sistema de controlo político (artigos 190.º e
191.º, n.º 1, CRP): o Presidente da República e a Assembleia da República.
No quadro normativo descrito, não se exige, em
parte alguma, que o Governo tenha uma maioria absoluta para o exercício cabal
das suas funções, embora seja do senso comum que quanto maior for a sua
representatividade parlamentar, maior será a sua estabilidade governava, por
razões evidentes.
Mas se a oposição quiser “abater" o
Governo, pode fazê-lo? Mesmo no início do mandato?
De acordo com o sistema de freios e
contra-pesos que caracteriza o sistema democrático, em qualquer momento, a
Assembleia da República pode ser dissolvida pelo Presidente da República
[artigos 133.º, alínea e), e 172.º], do mesmo modo que a Assembleia da
República pode demitir o Governo (em qualquer dos casos previstos no artigo
195.º CRP).
E a rejeição do programa do Governo pode levar
à sua demissão?
É verdade que sim. A rejeição do programa do Governo,
aprovada por uma maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, tem
por consequência inequívoca a demissão do Governo [artigos 192.º e 195.º, n.º
1, alínea d), CRP].
E o que acontece ao Governo demitido?
O Governo demitido deve limitar-se à prática
dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos
(artigo 186.º, n.º 5, CRP). O que significa que o país não fica sem Governo,
nem este órgão de soberania está impossibilitado de assegurar "a gestão
dos negócios públicos" do Estado, mesmo com as limitações referidas.
E depois? O que sucede a seguir?
A seguir devem ser convocadas novas eleições
legislativas, que permitam ao Presidente da República nomear novo
Primeiro-Ministro, sucedendo-se um novo Governo de acordo com os resultados
eleitorais expressos nas urnas de voto. Em caso de demissão do Governo, o
Primeiro-Ministro cessante só pode ser exonerado na data da nomeação e posse do
novo Primeiro-Ministro (artigo 186.º, n.º 5, CRP). Do mesmo modo que os
deputados eleitos anteriormente se mantém em funções. De acordo com o texto
constitucional, o mandato dos Deputados inicia-se com a primeira reunião da
Assembleia da República após eleições e cessa com a primeira reunião APÓS AS
ELEIÇÕES SUBSEQUENTES (artigo 153.º CRP).
Sucede, no caso concreto de Portugal que, neste
momento não pode ser a Assembleia da República dissolvida, por não terem ainda
decorrido seis meses após a sua eleição e, além disso, por nos encontrarmos no
lapso de tempo que é abrangido pelo último semestre do mandato do Presidente da
República (artigo 172.º, n.º 1, CRP). E, após a sua dissolução, mantém-se o
mesmo regime que impõe a necessidade de marcação de eleições democráticas. Como
decorre do sistema, a dissolução da Assembleia, quando seja possível, não
prejudica a subsistência do mandato dos Deputados até à primeira reunião da
Assembleia da República APÓS AS SUBSEQUENTES ELEIÇÕES (artigo 172.º, n.º 3,
CRP).
De tudo o que fica dito, conclui-se que a
Constituição Portuguesa não contempla qualquer outra saída, como a formação de
um Governo de iniciativa presidencial (como erradamente se tem dito) ou a
formação de um Governo a partir da oposição, mesmo que represente a maioria
absoluta dos deputados em efetividade de funções, a não ser a da demissão do
Governo, seguida da dissolução da Assembleia da República, com a subsequente
marcação de eleições legislativas, após o que será nomeado novo
Primeiro-Ministro e formado novo Governo, de acordo com os novos resultados
eleitorais, mas sempre APÓS AS SUBSEQUENTES ELEIÇÕES, para usar o texto
constitucional, que é inequívoco.
Tudo o que vá para além disso constituirá ato
político inconstitucional grave que colocará em causa a vigência da atual
Constituição e a própria subsistência do Estado de Direito democrático!
Em suma: rejeição do programa do Governo e
respetiva demissão, seguida da manutenção do estatuto de Governo de Gestão em
exercício de funções, como tal confirmado pelo atual Presidente da República, a
que se deverá seguir a marcação de novas eleições legislativas pelo futuro
Presidente da República e respeitados os futuros resultados eleitorais, como é
apanágio da nossa ainda jovem democracia!!! " Prof. Dr. Pedro Martins
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