A ELITE DE ABRIL
ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO
Por António Justo
Eça de Queirós, no romance “A
Cidade e as Serras”, revive o espírito luso, ao incarnar-se no seu protagonista
Jacinto e defender a reconstrução de uma sociedade tipicamente portuguesa que
acompanhe a civilização mas sem se corromper.
Jacinto que levava uma vida
afrancesada, progressista e artificial transforma-se no símbolo do verdadeiro
português, de autoconsciência madura, que integra na natura e na cultura, de
maneira criativa, as novidades da civilização sem destruir a própria cultura.
A obra “Cidade e as Serras”
consegue idealmente integrar e reconciliar Portugal e nele, reconcilia o
exterior com o interior, irmana a tradição com o progresso.
As nossas elites de Abril,
“afrancesadas” e “sovietizadas”, ainda se encontram na fase de Paris, vendendo
a alma portuguesa aos demónios socialista e capitalista, mercantilizando o povo
e o espírito da sua vida; vivem ainda unilateralmente nos andares da razão do
artifício (polar dialético) sem se preocuparem pela integração de razão e
coração (corpo e alma); aquele modo de estar tem-nos levado à promoção da
desconciliação e à alienação do cultural e natural num movimento de entropia
contrariador do espírito luso de inclusão.
A elite pós-25 de Abril, ao
contrário do personagem do romance, Jacinto, iniciou uma viagem já não de Paris
para Portugal mas de Portugal (natureza) para as cidades da ideologia sem
regressar nem capacidade para renovar Portugal porque apenas lhe oferece os
enlatados estranhos que, a nível cultural, não produzem humos alimentícios que
alimentem a terra mas apenas entulheiras de enlatados amontoados.
“Paris” é a ideologia, é moda que
passa em gestos de dançarinos públicos, é espírito que corrompe, se não
regressa à frescura e inocência da natureza campestre (o nosso Portugal, que
integrou nele o mundo todo não se deixando cativar pelos cantos de sereias nem
perder nos extravios de uma Europa decadente porque envelhecida). Enquanto
Jacinto moderniza as serras e se junta ao povo, a nossa elite de Abril destrói
as serras e desertifica as aldeias; em vez de se casar com a província
(Joaninha) prostituem-na com a falsidade e a corrupção de citadinos degenerados
e malabaristas sem consciência; em vez de se tornarem no pai dos pobres, tal como
fez Jacinto, desprezam e negligenciam o povo e os seus costumes.
O Ideal de Jacinto de Tormes
deveria consistir em reconciliar a cidade com o campo (a tradição com o
progresso) promovendo uma condição digna também para o povo de baixo. As nossas
elites atraiçoaram os ideais de Portugal; Jacinto de Tormes é o protótipo do
português autêntico, o contrário da nossa elite que figura no palco da nação,
uma elite desenraizada sempre atarefada a correr atrás da moda e de olhos fixos
no que faz e diz o estrangeiro como se as modernices não fossem apenas fulgores
passageiras condenadas a tornar-se velhices. A situação actual, analisada sob a
perspectiva característica da identidade portuguesa descrita no romance “A
Cidade e as Serras”, tornou-se mais numa tragédia que num romance…
Resta-nos agir e esperar que a
nossa elite progrida e se desenvolva tal como aconteceu com Eça de Queirós,
primeiramente iludido e seguidor incondicional do progresso e depois, mitigado
pela naturalidade humana do povo e da natureza, se tornou num grande português
como se retrata e descreve no Jacinto, e no grande romance “A Cidade e as
Serras”. (Este romance, que revela ainda o génio de Portugal e não as suas
ideologias, deveria ser leitura obrigatória para todo o aluno).
Não se trata de vendermos a nossa
alma ao passado nem ao futuro mas de sermos sempre nós, sempre em processo a
tornar-nos nós mesmos, na concretização do presente: um agora feito de passado
e futuro. Assim realizaremos a intercomunicação da alma tipicamente portuguesa
expressa na saudade, onde ressoa o divino e o humano, a natureza, o tempo e a
eternidade.
Também Eça, tal como Jacinto, se
deu ao luxo de uma vida desregrada em Paris mas amadureceu deixando de ser um
eterno adolescente para voltar, tal como o filho pródigo, à casa paterna, à
natureza bem portuguesa das terras do Douro.
Chegou a hora de a nossa elite
pôr de lado o cinismo e a vida irónica e dupla e seguir o exemplo de Eça no seu
Jacinto para se reconciliar com o povo, com a natura e com a cultura genuinamente
portuguesa: uma natureza aberta ao mar que é parte do seu corpo a abraçar o
mundo, uma cultura inclusiva e universal que vê e sente o mundo e a humanidade
a partir de dentro porque o génio sinceramente português é feito de terra mar e
céu.
De facto, seria catastrófico,
continuarmos a agir apenas em nome da ganância e do progresso atraiçoando assim
o ideal português de ideais éticos e de inclusão numa consciência humilde de
complementaridade.
Chegou o tempo de parar para
reflectir e sentir o mundo nas pegadas de um Afonso Henriques, de um D. Dinis,
de um Santo António de Lisboa, de um infante D. Henrique, de um Vasco da Gama,
de um Camões, de um António Vieira, de um Fernando Pessoa e de tantas e
variadas personalidades portuguesas que se sentiam na missão e tradição de se
realizarem, cumprindo Portugal sem que este abandonasse o seu papel de pioneiro
na realização da civilização...
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo http://antonio-justo.eu/?p=3544
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