Importância da Experiência
interior como Forma de questionar Ideologias-Doutrinas-Instituições - A Amizade
é uma Maneira de Deus se revelar
António Justo
A existência de Deus não se pode provar,
mas as suas pegadas e vestígios não se deixam apagar! Por isso, no nosso
peregrinar, somos guiados não só pela razão intelectual, mas também pelas
razões do coração, razões religiosas e da experiência interior. Exigir provas concretas para o que vai
para lá do concreto é com exigir prender os extremos de uma faixa a dois pontos
do horizonte, onde se pretenda baloiçar. Provas objectivas encontram-se
limitadas a uma dimensão intelectual dentro de uma categoria meramente causal
(lógica do macrocosmo bruto). Se
pretendermos atingir não só o exterior, mas também o interior da realidade,
para assim nos desenvolvermos integralmente e possibilitarmos a construção de
um mundo pacífico, teremos de reconhecer a compatibilidade (complementaridade)
do mundo material com o mundo espiritual, da masculinidade com a
feminilidade, da razão com a experiência interior; doutro modo estaremos
condenados a afirmar um lado da realidade contra o outro e a perdermo-nos num
beco sem saída. O físico Carl Friedrich von Weizsäcker constata: "A mística
é o fruto natural da razão rigorosa". De facto, a verdade é profunda
precisando das alturas da cabeça a passar pelo coração para se chegar a ela.
Nos meus tempos de noviciado fui
confrontado com uma mulher igual a si mesma, que não tinha medo de pisar o risco, e, como tal,
valoriza a feminilidade em relação ao outro polo da realidade individual e
social dominante que é a masculinidade. A experiência dela levou-me, bem cedo,
a pressentir a Realidade como algo que, embora se expresse de forma
contraditória, é, na verdade, integral e complementar nas suas partes (daqui a
consciência da necessidade de abordagem da realidade, metodicamente, através
das vias dos sentidos, da razão, do coração e da intuição numa atitude
inclusiva dessas vias, na consciência que a verdade transcende a perspectiva e
o ponto de vista). A experiência interior torna-se indispensável porque dá
estabilidade à pessoa conferindo-lhe independência suficiente para questionar
Ideologias-Doutrinas-Instituições apesar da consciência da própria fragilidade.
VIDA
Teresa
de Ávila ou Teresa de Jesus ocupa um lugar especial na mística e na literatura universal. Foi
declarada padroeira de Espanha em 1614 e em 1622 foi elevada às honras de santa,
pelo Vaticano; em 1922 foi proclamada padroeira dos jogadores de xadrez, (talvez
pela sua arguta inteligência na maneira de lidar com adversários e superiores)
e em 1965 padroeira dos escritores espanhóis (devido aos seus méritos na língua
espanhola). Foi também a primeira mulher,
na História da Igreja, declarada Doutora da Igreja (1970) pelo Vaticano.
(Outras doutoras da Igreja são: Catarina de Sena, Teresa de Lisieux e Hildegard
von Bingen). Todas elas advogam uma teologia mística, uma nova maneira de
encarar a realidade e de procurar resposta para os problemas da sociedade e da
natureza.
A 28.03.2015
fez 500 anos que Teresa nasceu. Era a terceira de dez filhos cujo pai era um
fidalgo com antepassados judeus sefarditas.
No seu
caminho espiritual sentiu-se dividida entre "Deus" e "mundo “,
entre envolver-se inteiramente em Deus ou abraçar os prazeres do mundo -
“mundo” no sentido de distracção do essencial. Na sua Vida escreve “por um lado
Deus chamou-me, por outro lado eu seguia o mundo”. Aos 20 anos, decidiu entrar
num convento carmelita, na sequência de uma experiência de conversão e de uma
relação interior com Jesus Cristo. Era uma
apaixonada em Deus vivendo numa relação amorosa com Jesus Cristo que a torna
numa mestre da oração interior.
As suas experiências e
visões eram tão pregnantes que ela mesma se apresentou à Inquisição com o pedido,
de analisar se elas eram eventuais "insinuações do mal." Reconhecia:
“Nunca perdi a confiança na misericórdia de Deus, mas, em mim, frequentemente”
(Vida, 9,7).
Depois
de uma doença grave (1539) e com a leitura do livro “Confissões” de Sto. Agostinho
a sua alma encontrou mais paz. Santo Agostinho e Dionísio Areopagita
desempenharam um grande papel no conceito de amizade e na espiritualidade de
Teresa de Ávila.
Com a
sua segunda conversão (em 1554: Vida,9,1-3, ao ter um êxtase perante uma imagem
de Cristo abandonado, teve a experiência
que Deus a ama como ela é. A partir daí supera a desvinculação entre Deus e
Mundo e começando uma “vida nova”.
Apoiada
pelo Bispo de Ávila recebeu do papa Pio IV a permissão para fundar o Convento
de S. José (1562) e seguir as regras da ordem de Santo Alberto de Jerusalém. Dois traços caracterizam a nova
comunidade: viver em estrita coordenação do trabalho manual (para não estar
dependente dos benfeitores) com a prática diária da oração interior. S.
João da Cruz entusiasmou-se com as ideias reformadoras de Teresa; os dois
dirigiram conventos com um mesmo estilo de vida de irmãos, onde se exercitava o
autoconhecimento através do exercício da humildade (arte do morrer do ego) e da
vivência de uma intensiva amizade com Jesus: espiritualidade da amizade.
Em1580,
pouco antes de morrer, viu reconhecida a sua obra sendo-lhe concedida a
autonomia de ordem provincial, para os seus conventos.
Santa
Teresa D’Ávila (Teresa de Cepeda) é uma mística. Entre outras, escreveu a obra
“caminho de perfeição”; Por causa da sua obra “Livro da Vida” teve que enfrentar a Inquisição por ser acusada de “alumiada”. Teresa escreveu “As moradas do castelo interior” onde nos descreve o caminho e os passos da vida
interior para chegar, apesar das dificuldades,
à comunhão com Deus. Revela-se também interessante o estudo das Obras menores.
É a primeira autobiógrafa de Espanha. O
seu saber fundamenta-o na “experiência” que surge da
interioridade e escapa ao saber meramente intelectual e, deste modo, ao
controlo do clero e dos que se sentem senhores do mundo. Os alumiados confiavam
na iluminação interior do Espírito Santo que lhes permitia viver na entrega ao
amor de Deus, sem a mediação da Igreja nem dos sacramentos. A fuga ao controlo
fomenta uma consciência individual e social muito desenvolvida, um espírito
aberto à renovação e aos movimentos de nova devoção.
A amizade conduz
à transcendência
A lírica
e a mística surgem da experiência da essência do ser. Do ser em si e no outro
(o todo e o particular) tal como experimentou Teresa num processo de libertação
do ego, ao longo de toda a vida, na procura da ipseidade (Selbst) na vivência
do dois somos um e de um somos três. No centro do eu, onde jorra o nós,
junta-se a feminilidade à masculinidade no seu puro processo criativo.
Para
Teresa a experiência profunda dá-se na relação de amizade e não no dualismo de
mundos ou objectos separados; a felicidade realiza-se no ser-pensar-sentir-agir
que tão bem soube expressar com a fundação de 17 conventos e na empatia
manifestada nas pessoas e na sua correspondência. Teresa define o rezar como
amar e agir na intimidade com o amigo Jesus e que se expressa na proximidade
com o próximo, o companheiro. Ela preconiza a abertura ao mundo e o agir onde
ele precise porque quem ouve Deus tem que atuar amando o próximo como a si
mesmo. Nas suas cartas escreve: „Deus
quer que o Homem se divirta e que a sua alma se sinta bem no corpo ".
Teresa
cultivava a sua amizade feminina de tal modo com São João da Cruz e com o padre
Jerónimo Gracian que, espíritos mais terrenos, chegavam a pensar mal dela… A
santa chega a lamentar a falta do seu amigo espiritual, o padre Jerónimo Gracián que defendia as ideias
reformadoras dela; ela sente-se “solitária todos os dias” em que ele “se
encontra tão longe” e confessa: “…assim passo a vida sem o devido consolo
mundano e em constante dor interior. Você, meu Padre, parece já não habitar na
terra, o Senhor livrou-o tão completamente de todas as tentações e apegos".
Hoje,
numa sociedade sexualizada e materializada, que vive do imediato torna-se, por
vezes, incompreensível que se possa ter amizade com um Deus humanado
‘escondido’ e uma amizade tão profunda e espiritual com um companheiro de
viagem. Esta experiência da amizade empática é certamente explicável em
momentos e coincidências felizes da vida que podem ter a ver com a experiência
interior do abandono do mundo onde a amizade espiritual se torna também
material.
Na Dinâmica da
Tradição antiga da Meditação/Oração
A
realidade divina (não a ideia de um “Deus” que muita gente traz aprisionada na
sua cabeça) leva-nos a um limite onde Deus é o mistério, o impensável, que
transcende o pensamento, e ultrapassa a própria experiência, chegando a ser até
o inexperimentável.
Teresa
segue a tradição de Dionísio Areopagita (-
o pseudo - entre os séculos V e VI d. C. ) que espalhou a prática da oração
mística sem palavras - a meditação
sobrenatural, para lá da representação que leva ao êxtase da admiração das
“trevas místicas“; o exercício do “não
saber” e do “não pensar nada” leva-nos a
mergulhar na oração do coração; esta
é uma velha forma de meditação no caminho espiritual da tradição cristã que
consta da repetição mântrica de uma palavra ou jaculatória ao ritmo da
respiração e conduz à paz interior, a paz do coração (Hesychia); deste modo cria-se um perfeito silêncio e
vazio, que possibilita a experiência do contato com Deus (êxtase). Renuncia-se
aos sentidos e à percepção intelectual para entrar nas trevas luminosas do
silêncio onde o mistério brilha. A escuridão divina “é a luz inacessível na qual Deus habita. É
necessário entrar na escuridão, onde aquele que está além de tudo, como diz a
Escritura, se encontra verdadeiramente”. Tudo isto acontece através do caminho
da purificação interior onde Deus não é isto nem é aquilo. Entra-se na
escuridão da dissolução do ego (tornar-se nada) para vir a despertar na luz
divina. Neste acesso a Deus abdica-se do
conhecimento discursivo de Deus através de ideias e atributos (está-se perante
uma Telologia negativa : do que Deus não é porque “é” a
transcendência absoluta, em contraposição à teologia afirmativa da asserção de
Deus como bem, beleza, amor, inteligência, paz, perfeição…).
Personalização
versus institucionalização (uma revolução em marcha)
O
reconhecimento da experiência interior da pessoa ganha expressão especial a
partir do renascimento. (“Erasmismo: o humanismo cristão preconizado por
Erasmus de Roterdão 1466-1536 questionava também ele, embora de forma moderada,
o poder jerárquico). No século XV e XVI desenvolve-se uma devoção afectiva
ligada ao evangelho vivido e a uma experiência subjectiva numa atitude de vida
simples. (Esta vivência de muitas comunidades que viviam um comunismo cristão
teve muita influência nos vários grupos da reforma protestante).
Teresa
sofria com o cisma da Igreja e rezava pela unidade da Igreja, mas propriamente
era já movida pelo espírito novo de um renascimento que dá origem à Idade
Moderna, mas que, em parte, se esbarra no iluminismo racionalista excessivo
(século das luzes) que até hoje tem dominado as mentes. O espirito de Teresa
integrava já no pensamento a velha constante que se mantinha nas sombras da
cristandade e que remontava à dúvida de São Tomé acompanhada por um misticismo
que se foi diluindo num racionalismo filosófico exagerado. Este é uma “saber”
já não feito da certeza intelectual, mas mais dinâmico e, como tal, integrador
da dúvida e de um questionar mais orientado pela experiência e como tal numa
forma mais subjectiva do argumentar (passa-se de um saber de caracter mais
dedutivo para um saber indutivo, característico da nova era embora recalcado).
Em “O Castelo Interior” ou, Livro das sete Moradas, Teresa
descreve: “Quem ama faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho.” „Ser grande
é amar os pequenos. Ser pequeno é odiar os grandes. Com as coisas pequenas o demónio vai abrindo os
buracos onde entram as coisas grandes.”
Confiar e invocar a experiência íntima pessoal
subjetiva e argumentar em nome dela, é ainda hoje considerada ousadia que pode
minar a vontade institucional e as jerarquias que querem estradas asfaltadas para andarem, ao
contrário do que sugeria Jesus: a confiança (em si, em Deus) para se poder
andar também sobre as águas.
Profetas
e pensadores laterais ao sistema nunca foram bem vistos e quase sempre
perseguidos! Mas não se pode negar o
facto que, sem pensadores livres, sem profetas, nem os críticos dos sistemas,
não haveria progresso.
Estes são considerados desordeiros,
estranhos, dissidentes. Quem pensa diferente das massas, pertence a uma minoria
que embora cause desconfiança, faz desenvolver a sociedade. Já o gnosticismo (dos maniqueus, cátaros,
bogomilos, albigenses) sentia a realidade como um conflito universal entre luz
e trevas e o seu campo de batalha é a alma humana. É um esquema dualista de
acesso à realidade que se expressa na velha luta que movimenta o espírito
humano desde sempre: a luta entre imanência (toda a realidade e possibilidade acontece
a nível mundano) e a transcendência (aceitação e promessa de um mundo superior
paralelo). Essa luta dá-se entre a mundivisão dualista (diferenciação clara
entre a realidade do dia-a-dia e um mundo “paralelo”) e a mundivisão monista (Tudo
o que é real e possível acontece no mundo em que vivemos).
Espiritualidade
de expressão mais feminina
Teresa apela para a acentuação do elemento
da feminidade como parte igual na teologia e na filosofia, chegando a agradecer
a Deus o facto de Deus ter “preferido a mulher e ter encontrado nela tanto amor
e mais fé que nos homens ".
Ao
pensarmos hoje em Teresa, a sua queixa soa forte aos nossos ouvidos: “o que
seria a Igreja sem as mulheres” … “é interessante como no Evangelho Jesus foi
sempre duro com os homens repreendendo-os e sempre foi doce e nunca repreendeu
uma mulher”.
Enquanto
a Igreja submete a política à ética, os políticos submetem a ética à política e
reciprocamente os fiéis e os cidadãos a elas. Vai sendo tempo de integrar, na
vida civil e espiritual, a dinâmica da feminilidade e da masculinidade, de
forma a realizarmos uma vida individual e social mais equilibrada. A masculinidade
é social e eclesialmente predominante, o que provoca um desequilíbrio
desvantajoso para a convivência e para a matriz política que nos rege.
Feminilidade
e masculinidade são as duas energias que se encontram em cada homem e mulher;
Jesus foi certamente a pessoa em que elas encontraram um verdadeiro equilíbrio.
Da
diferença da sua acentuação no homem e na mulher se origina a riqueza da
complementaridade; seria um equívoco, nos tempos de hoje, em que a
masculinidade se tornou institucional e ideologicamente mais agressiva, que as
mulheres, em vez de assumirem a sua essência feminina, se tornassem mais iguais
ao padrão masculino. Seria negar a própria essência ao desconstruir a
feminilidade. Importante é aceitar e sentir-se bem na própria feminilidade sem
aceitar supremacias não se deixando definir pela matriz da masculinidade
vigente. Mais que masculinizar a mulher é preciso feminizar o homem e a
sociedade; isto torna-se muito difícil porque o padrão da nossa sociedade é
masculino e até a maneira de pensar e argumentar é masculina.
Urge
atualizar a espiritualidade da amizade de Teresa que vem da fórmula paulina
“Nós em Cristo” e “Cristo em nós”. Esta é uma forma alta de espiritualidade em
que filosofia cristã e mística se unem na autodescoberta em Jesus Cristo (o
protótipo da ipseidade). A amizade é o “lugar” onde Deus se revela.
Conclusão - Redescobrir a Amizade
Amizade
"é uma palavra fundamental para a sua experiência espiritual e para a sua
espiritualidade Para Teresa de Jesus, Deus torna-se acessível na pessoa de
Jesus, a quem ela trata por tu. A oração interior é, portanto, "demorar-se
com um amigo com quem, muitas vezes, estamos sozinhos porque sabemos que ele nos
ama".
Podemos
verificar uma interligação entre o interior transcendental, o conceito de
amizade em Platão e a mística carmelita do “tratado de amizade”, do viver “com
um amigo ". Na procura de Deus vai-se definindo a natureza humana, quando
se encontra a caminho do desconhecido, Deus (De facto, a vida é transcendência,
estar a caminho, como dizia o grande pensador Karl Jaspers).
A
amizade acontece entre o que temos e o que nos falta, entre apreciação e
atratividade, sendo ela que fica depois de tirada a roupagem do que é
transitório. Com a sua mística da amizade, Teresa sabia-se bem acompanhada
religiosa e filosoficamente. De facto, Aristóteles também dizia: “aquele que olha para um amigo verdadeiro
consegue, ao mesmo tempo, uma imagem melhor de si mesmo ".
Platão,
já dizia contra os sofistas que “o
conhecimento é mais que a percepção”- a diversidade, da percepção sensorial
contraditória, será acordada por uma ordem unificadora – esta é a interioridade (espaço interior “espírito-alma”, o lugar da
auto-comunicação de Deus) e que segundo Platão também é imortal e de “igual
maneira de ser como Deus”; em termos cristãos, a alma, o coração é a possível
morada de Deus (na espiritualidade do Oriente cristão, essa morada é o coração
da pessoa).
Também
Joaquim Silva Soler, in “Amigos vos chamei” fala da revelação de Deus que se manifesta na
amizade .
Deus
começa por falar na revelação da palavra e obediência seguindo-se a
comunicação, a relação até um encontro comum na comunidade, em especial em
Jesus Cristo. Dá-se a vinculação de acto e palavra na amizade, já na reciprocidade
da experiência da amizade dada por Deus e compartilhada com ele. Para Soler
Deus abriu, para além da chamada revelação natural através de sua palavra (Jo
1:39), que criou e sustenta toda a criação, também o caminho para a salvação sobrenatural
através da amizade; esta, na sua estrutura criadora é "eterna testemunha
de Deus". Temos na fórmula cristã
da realidade universal, a Trindade que é comunicação que possibilita vida comum
e deste modo a verdade que tudo une. A
Razão é a luz da existência e o Coração (a amizade, empatia) o seu calor no
caminho da liberdade, em liberdade.
Na
tradição aristotélica e platónica, Agostinho, Tomás de Aquino e muitos outros,
(apesar de toda a diferenciação entre a realidade humana e a divina), esforçam-se
por conseguir a unidade e conexão entre o humano e o divino. De facto, a
amizade entre as pessoas é um requisito transcendental para a amizade com Deus,
como se pode verificar na “fórmula” trinitária.
O jesuíta Karl Rahner é claro e concretiza:
"A amizade entre as pessoas é realmente transcendental, isto é, torna-se
uma condição para nós experimentarmos o mistério incondicionado de Deus". O
célebre teólogo deixou ainda a seguinte advertência: O cristão de hoje deve ser
um místico, alguém que experimentou alguma coisa, ou ele não
será mais ...” Cf. Experiência de Deus em misticismo e teologia (1).
Se a
Igreja não redescobrir as tradições místicas seguirá atrelada a um culturismo
superficial europeu e deste modo, perderá a sua vitalidade e energia que lhe
vinha da capacidade vivida exterior e interiormente da inculturação e
aculturação universal, no seu ser de peregrina.
Nos
conventos cultiva-se o diálogo do pensamento religioso com o pensamento profano
e com os pensamentos que vão surgindo; o monge exercita em si mesmo, a acção
religiosa e filosófica, no dia-a-dia comunitário. Na vida dos conventos sempre
se pode superar (e até comprometer) certas contradições da instituição eclesial
através da tradição da mística.
Menos
doutrina menos regulações morais e mais coração na vivência de uma fé da
experiência divina que dê força e consolo. A igreja tem de acentuar mais a
espiritualidade e de deixar de continuar presa ao tempo do iluminismo
(aufklärung).
O Homem
do tempo místico não se sente muito atraído pelos conceitos de Deus em
Doutrinas e dogmas centrados na razão, ele quer senti-lo. O caminho do
misticismo não é a razão, mas o coração. Ao sentir-se Deus encontra-se fé que
dá sentido à vida. Esta é a via que culminou na Idade Média com o Mestre
Eckhart e Teresa de Ávila.
Depois
dos últimos dois séculos – os séculos da razão e do iluminismo- a Igreja
descurou o misticismo em favor da teologia teórica e dogmática. Hoje será
necessário voltar à fé da experiência, à experiência do Jesus Cristo
ressuscitado e do Jesus Cristo abandonado. Em Jesus Cristo pode-se viver uma
espiritualidade ao mesmo tempo divina e humana entrando numa relação de
vivência e convivência do Jesus e do Cristo.
Pela via mística, Deus habita no coração do
Homem, a espiritualidade desce à terra, não se baloiçando apenas nas teorias
intelectuais nem na confusão do dia-a-dia. Urge uma práxis teológica da
espiritualidade, Jesus Cristo é pessoa.
Hoje
assiste-se a um cepticismo de espiritualidades contra religião porque se tem
medo de uma religiosidade demasiado dogmática e menos aberta à liberdade espiritual. As pessoas procuram a sua espiritualidade
e encontram pouco quem as ajude a descer até às suas profundidades onde
poderiam encontrar a reconciliação consigo e com os outros num mundo com Deus.
A linguagem da religião e da arte são a
expressão profunda da vivacidade da alma de um povo! Teresa de Jesus usou as
duas.
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
In “Pegadas do Tempo”, http://antonio-justo.eu/?p=4935
(1)
“A questão crucial é a relação entre a experiência de
Deus e a realidade. Para a consciência humana, a experiência é a porta para a
realidade. Esta é provavelmente a principal razão para a atualidade do conceito
da experiência de Deus. "Experiência de Deus" constrói a ponte da fé
para a realidade.
- A experiência humana é sempre concreta.
O abstracto é resolvido a partir da experiência; geralmente é um componente da
experiência. - O ato de reflexão aditado faz da percepção uma experiência.
A execução da reflexão em si é a
percepção da realização, isto é, da existência. Uma realidade é algo que é
perceptível como real. - Reflexão significa literalmente "inclinação para
trás”, não é um passo para trás, longe da realidade (Assim como a subida da
parede, na alegoria da Caverna da Platão, na verdade, é uma introdução à
realidade das coisas representadas como sombra na parede). – Percepção da realidade e consciência de si
mesmo só ocorrem juntos, ironicamente, chega-se à realidade, apenas retornando
a si mesmo. * só experimento realidade quando estou no processo dela. *
auto-presença - reflexão é tanto a força como a fraqueza da reflexão humana A
reflexão torna possível por um lado o pousar na Lua, por um lado e a inação de
um Hamlet. Nela, tanto se inflama a infinita transcendência do homem, dirigida
por Deus, como o sofrimento sem fim. - Reflexão tal como ocorre em nós humanos,
é esse tipo de autoexperiência, que, olhada mais de perto, apenas se dá como
percepção da realidade.
A vida humana na história exige a
experiência de Deus. Na medida em que Deus é o fundamento da realidade ou da
própria realidade, ela não é concreta nem abstrata. - A vida humana na história
não conhece apenas o desejo da experiência de Deus, mais que isso a vida é mais
um tal desejo, isto é, a vida em si não é, na sua essência, a experiência final
de Deus. - Nesta vida, no entanto, o primeiro mandamento não é a experiência,
mas o amor. A experiência de Deus é vida eterna; mas a essência da vida
temporal é o amor de Deus”.
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