Mais Fé e menos Moral - Abolir o Dever celibatário
Por António Justo
Os Presidentes das
Conferências Episcopais encontram-se com o Papa Francisco de 21 a 24 de
fevereiro 2019 em Roma, para debaterem o tema “proteção dos menores” e
prevenção de abusos sexuais. Este é um tema quente e que exige medidas
imediatas.
Depois do
regresso dos bispos a casa, passar-se-á ao descongestionamento de reformas
importantes na Igreja. Uma consequência
imediata será a não tolerância perante o prevaricador, mais responsabilidade
dos bispos e mais transparência e justiça para com as vítimas. Esta será também
mais uma oportunidade para os conservadores na Igreja passarem a dar mais
importância à exortação apostólica Amoris Laetitia (1) do Papa Francisco.
Embora os
abusos sexuais não tenham a ver com o celibato, a multiplicidade de casos de abusos
também em instituições católicas não pode deixar a instituição eclesial
indiferente (2). Isto embora muitos se aproveitem do assunto para as suas
campanhas anti-Igreja.
No
processo preparatório da reunião, pessoas notáveis da comunidade católica
aproveitaram para apelar à conferência episcopal alemã para intervir no sentido
de abolir o dever celibatário dos padres
e admitir mulheres ao sacerdócio, qualificando a moral sexual da Igreja como
estranha à vida.
Segundo uma investigação da Conferência Episcopal Alemã (3), na Alemanha terá
havido 3.677 vítimas de violência sexual entre 1946 e 2014, em que estariam envolvidos 1.670 padres.
Violência sexual
e narcisismo
Violência sexual é um tema que abrange todas as
instituições da sociedade civil e religiosa.
Em geral, pessoas
pedófilas ou abusadoras sexuais não abusam por carência, mas por terem uma
perturbação psicológica narcisista patológica. O seu distúrbio do narcisismo expressa-se
no uso de pessoas como coisas. Naturalmente a maior parte dos narcisistas não
são abusadores sexuais.
Um
narcisista pode ser atraído para uma posição alta na sociedade ou de grande exposição
social. A obtenção de prazer através de abuso é uma energia doentia e criminosa.
Também há pessoas que procuram obter prazer devido a uma sexualidade infantil
porque são incapazes de relação com um parceiro e pensam assim encontrar um
refúgio. Também haverá casos em que a ocasião faz o ladrão!
Abusadores
sexuais tratam as pessoas como coisas para usufruírem de prazer delas sem
estabelecem laços pessoais. Usam da sedução para atraírem mulheres e da
dependência dos menores pois estes são demasiado frágeis e subalternos. Na
literatura psicológica também se afirma de Playboys terem também esta tendência
vendo na mulher apenas um objeto de prazer.
O clericalismo não responde às necessidades de hoje
Quem ainda não notou que, na Europa o ponto de referência
social está a passar da instituição para o indivíduo e que isso implica uma
mudança bastante radical na legislação, perde tempo e energia em queixumes que
deveriam ser empregues em preparar-se e antecipar-se à corrente como faz o
lavrador no campo, apressando-se a abrir regos que orientem a água, para que
esta não se perca.
O papa já
advertiu que "Não
podemos lidar apenas com aborto, casamentos homossexuais, contracepção"
e além do mais, "Os ensinamentos da Igreja - dogmáticos e morais - não são
todos iguais." Em texto claro significa isto que nem tudo o que é
verdadeiro e correcto é igualmente importante.
O Vaticano com os seus bispos precisa de ultrapassar um clericalismo
demasiado empenhado em salvar a imagem da Igreja e, por isso mesmo, perde a
vista dela. Na Europa, pretende-se que a vida do clérigo esteja
mais integrada na comunidade cristã. Mais que soluções para a vida, o que esta
precisa é de respostas.
A autoridade já não deve vir do cargo nem apoiar-se no medo
de prejudicar a instituição. Em muitas comunidades essa atitude já não é aceitável (observa-se
mais o perigo de isolamento do padre no âmbito da liturgia) e a credibilidade
do padre encontra-se hoje sob observação do que diz e do que vive. A instituição tem de se adaptar ao povo
porque o povo já não se adapta a ela (o que não significa seguir-se o
mainstream, nem tão-pouco uma acomodação irresponsável ao cotidiano, mas sim
estar atento aos sinais dos tempos e responder-lhes (4, 5, 6, 7, 8, 9). Embora
no sector político se observe cada vez mais centralismo e controlo, a Igreja não
deve abandonar o seu lugar que é o do povo, dando testemunho do Cristo
abandonado que se encontra nele.
Deus ama-nos na criação, e esta é a realidade que somos e
de que dispomos, não podendo ignorar nem desprezar a natureza. Abstrair-se do
mundo e abandonar o planeta a si mesmo não ajuda ninguém! A pessoa já nasce com
princípios éticos, mas estes, perante os instintos, precisam de cultivo.
A jerarquia está
habituada a reagir somente a pressões embora fossem possíveis reformas
abrangentes na igreja sem que para isso fosse necessário distanciar-se da
doutrina católica. A tradição é um elemento muito importante na Igreja
católica, mas não a ponto de impedir a criatividade pentecostal.
Não há
que ter medo de perder a identidade desde que salvaguardada na comunhão de vida
com Jesus Cristo. No sentido do Papa Francisco, somos servidores da alegria e
não senhores da fé. Também, como Igreja peregrina (ecclesia sempre renovanda), o
organigrama do catolicismo e a sua consciência democrática (corpo místico)
permanecem salvaguardados como matriz de uma comunidade universal de Irmãos,
mesmo que haja transformações substanciais na constituição da pastoral.
A
Instituição eclesial tem, também ela, de consciencializar-se da
responsabilidade que assume no anúncio do Evangelho, ao dizer que não podemos
seguir Cristo se não o fizermos na Igreja e com a Igreja!
A instituição clerical precisa de coragem para
descentralizar (dar mais poder de decisão às conferencias episcopais regionais
sem com isto ter medo de pôr em causa a catolicidade; em nome da perfeição não pode reduzir-se a uma espécie de
convento universal, arriscando-se a ver cada vez mais reduzida a
cristandade. A missão da Igreja não é só
de caracter religioso; S. Paulo tinha razão nas suas iniciativas pastorais!
É verdade
que a igreja tem a responsabilidade de dar testemunho e salvaguardar o espírito
comunitário; para isso, na pastoral pode salvaguardar o dever da
responsabilidade docente e pastoral, não tanto na qualidade do ofício de juiz
ad extra, mas no consenso da vivência comunitária em que o membro participa da
soberania.
Quando o
clérigo dialoga com o cristão, a nível de confissão ou de direcção espiritual,
o seu caracter de juiz recua para dar lugar à misericórdia, compaixão, e assim
embarcar com ele e ajudar a pessoa a reconhecer os seus actos e, se necessário,
a deixar caminhos errados. Neste embarcar do sacerdote com o irmão, realiza-se
uma caminhada em conjunto o que leva a uma outra consciência ou percepção dos
caminhantes; assim dá-se uma constatação conjunta sem a necessidade de se
recorrer a incriminações.
No
caminho e a caminho, o sacerdote e o fiel encontram-se na mesma caminhada e,
numa estação concludente do caminhar, a decisão é conjunta e possivelmente
unânime. O que vale para a relação de sacerdote e leigo deveria óbvia na
relação sacerdote e jerarquia.
A
sobrecarga dos sacerdotes com meros afazeres administrativos pode levá-los a um
alheamento de uma espiritualidade vivida.
Jesus
Cristo é o caminho, a verdade e a vida não podendo ser aprisionado na roupagem
(teologia e certas doutrinas) que a teologia lhe tenha colocado num determinado
percurso do caminho histórico.
A teologia tem de procurar caminhos para uma maior referenciação
da espiritualidade cristã ao espaço e ao tempo em que se vive.
Depois de
a teologia ter realizado a grande missão de formação da Europa urge agora preocupar-se
por concretizar hoje aquilo que no século XV e XVI se anunciava como novo e
ainda se encontra por realizar. Neste sentido veja-se o
artigo “Um rosto feminino molda o mundo novo – Teresa de Ávila” (10).
JC pode
estar vivo em cada pessoa e comunidade num estilo de vida próprio sem
questionar a universalidade da Igreja que se mantem através do credo, da
liturgia, dos sacramentos e do episcopado.
O Papa é o garante da constitucionalidade da Igreja e
certamente pode garanti-la, mas, mesmo assim, torna-se urgente que inicie uma
reforma da moral sexual, do celibato e do sacerdócio das mulheres.
É certo
que o celibato não provoca, por si, pedofilia nem violência sexual, mas isto
também não é argumento para não se começar com reformas. Neste sentido é de esperar iniciativas ousadas
dos bispos e das igrejas locais. Na polis, a maturidade sexual, embora se
viva num período de oblações sexuais, depende de cada pessoa. Hoje não é
plausível conectar-se o dever do celibato ao sacerdócio. Efetivamente a sequela Christi e o reino de Deus têm um
lugar privilegiado nas ordens e congregações religiosas, não deixando de ser
programa também para o clero secular e no dia-a-dia de cada cristão.
A
sexualidade não tem apenas a ver com o sexo; o “eros” possibilita, também ao
celibatário, a vivacidade criadora e a convicção.
A questão
da moral sexual na igreja deve-se também ao facto de a experiência de homens e mulheres casados não ser envolvida no
processo de formação da opinião eclesiástica. Uma moral sexual elaborada por homens celibatários torna-se necessariamente
estranha à vida.
A proibição do sexo fora do casamento conduz a uma
atitude inevitavelmente hipócrita que muitos terão de levar para o casamento. A Igreja tem razão que o sexo não é nenhum bem
de consumo tendo o seu lugar numa relação responsável; mas entre pessoas
responsáveis uma coisa não exclui a outra. Num tempo em que a realidade se
distancia do ideal, a Igreja tem de se preocupar por ser credível, verossímil
para poder manter-se também como interlocutora. Além disso não há falta de
conteúdos que a Igreja pode trazer para a sociedade.
Na
discussão de ideias sobre sexualidade e possíveis impedimento à vida, tem-se o princípio
orientador que é o Evangelho e a soberania da consciência. O espírito católico
cristão encontra-se, em relaç1bo às instituições políticas onde elas têm muito
a dar para lá chegar; ela considera a consciência individual como soberana até em
relação à Igreja e a qualquer outra instância, o que certamente não legitima
ninguém a armar-se em juiz dos outros! Ao contrário do mundo político e
ideológico que frequentemente vive do falar mal do adversário, na Igreja
deveriam ser aceites, como complementares, ideias aparentemente contrárias; a
riqueza da diversidade de antropologias e de regiões poderia expressar-se em
estilos diferentes de vida de uns bispados para os outros; também na Igreja há múltiplas
espiritualidades. Mais que normas morais muito restritas torna-se urgente
dedicar-se mais empenho na formação das consciências.
Os textos
oficiais de ensino católico, nalguns aspectos, andam atrás do acontecimento. É
de esperar, que num futuro próximo, o espírito de sua Santidade o Papa
Francisco encontrará eco.
Torna-se escandalosa e contraditória a falta de
sacerdotes numa comunidade cristã que nem sequer produz sacerdotes que
administrem os sacramentos nela; o recurso à importação de padres da África e
da América Latina é intolerável se tivermos também em consideração o isolamento
(e desaferimento) em que se encontram muitos sacerdotes, por serem
transplantados de culturas totalmente diferentes das nossas. Um clericalismo burocrático
teima ainda em obrigar padres a terem de administrar várias paróquias impossibilitando-lhe
o enraizamento na vida cristã delas.
© António
da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo
PS. Confr. citações e links em “Pegadas do tempo”
(2)
As últimas
censuras feitas pelo Papa Francisco, acerca dos abusos sexuais de padres e
bispos têm como referência um subgrupo da comunidade de São João em França onde
foi violada a castidade até a escravidão sexual dos sacerdotes e do fundador.
Três monges já foram condenados por pedofilia entre 2012 e 2016.
(5)
Polémica dos recasados: http://jornalpovodeportugal.eu/2018/02/13/polemicados-recasados-por-antonio-justo/
(6)
Braga abre acesso aos sacramentos a divorciados recasados:
https://beiranews.pt/2018/02/ponto-de-vista-por-antonio-justo-24/
(7)
Declaração dos Bispos Alemães sobre a intercomunhão em
casamentos mistos: https://www.opinantes.pt/membros/aj12021947/snax_posts/approved/page/7/?snax_filter_by=
(8)
Francisco lembra que amor com amor se paga: https://www.notibras.com/site/francisco-lembra-que-amor-com-amor-se-paga/
(10) Um
rosto feminino molda o mundo novo: https://antonio-justo.eu/?p=4935
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