quinta-feira, 6 de março de 2008

Cura – A força do gesto e da ideia


A arte de se recriar!

António Justo

Activar as energias de auto-cura através da estimulação da competência curativa em nós é uma tarefa cada vez mais premente, num processo criativo de encontro da essência da realidade em nós e no universo. A vertigem do nosso tempo leva-nos a viver em mundos paralelos ao próprio, a viver em segunda mão. Isto provoca mais stress, destroço, desfasamento e angústia no quotidiano da vida.

Truncados da vida e escravos da matéria resta-nos uma mudança de atitude na redescoberta do espírito, a caminho da fonte cristalina do ser, onde matéria e espírito se não contradizem, vivendo na reciprocidade. Cada um de nós traz em si um potencial inesgotável de divindade a activar.

Ciências naturais, ciências humanas, política e religião já empataram demasiado tempo centradas em si, na defesa do particular desintegrado do todo, à custa do ser humano, à custa do espírito que tudo suporta. A natureza não poderá ter querido condicionar o ser humano ao médico ou ao mero negócio com a cura.

Sob a perspectiva teológica da Trindade e sob a perspectiva da nova ciência física (teorias da relatividade e teoria quântica) a essência da vida é relação, transpondo-se assim a ideia de fronteira entre espírito e matéria (encarnação - espiritualização). Teologia e ciência positiva aproximam-se, tendo como o lugar de encontro e de partida o espírito. Assim seria óbvio o emprego conjunto dos resultados das duas disciplinas, sem complexos: uns e outros motivados apenas pelo serviço e desenvolvimento do ser humano e da natureza.

Pelos resultados das observações da medicina e da religião o sucesso da cura parece depender também do ritual. Este terá a missão de usar as funções do cérebro que não distingue entre ilusão e realidade. Trata-se portanto, através da força da imaginação, da ilusão e do espírito, produzir reacções cerebrais com o mesmo efeito de medicamentos ou de criar através do rito o momento propício ao kairós. Através da física sabe-se que a matéria é informação e através da teologia sabe-se que a matéria é informada pelo espírito que nela habita. A informação tem uma grande força eficaz como cada um de nós já pode ter observado na inter-relação psico-somática que acontece no nosso estado de saúde ou de doença. A mobilização das forças do intelecto e da alma deve ser objectivo de todo o médico e de todo o padre ou espiritual. A fórmula “a fé transporta montanhas” é pura realidade. Somos condicionados do espírito, da palavra. A palavra forma a nossa realidade. “No princípio já existia o Verbo (a palavra, a vibração), e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus…” (Jo.1,1). Ele fez-se homem e permaneceu entre nós.

Religião e Ciência de mãos dadas

A essência do ser e da existência concretiza-se na relação divina trinitária, é vibração e ressonância. O Espírito está em tudo e em todos. O ser humano está chamado a emergir no seu estrato espiritual para poder desenvolver-se e assim possibilitar um salto qualitativo no desenvolvimento da natureza. Para isso é essencial a abertura ao espírito e o treino da intuição.

A intuição e as forças da alma activam-se num estado entre acordado e sonho, um estado alfa ( estado de meditação ou oração) em que as ondas cerebrais atingem uma frequência entre 7 e 14 Hz (Hertz), um estar desperto, vigilante relaxado. Este estado paralelo ao estado de atenção racional, pode ajudar-nos a curar e a curarmo-nos. Através da respiração sentida, da oração, da música ou da meditação podemos desenvolver em nós um espaço, uma atmosfera criadora e geradora de energias que pode desbloquear e possibilitar, na harmonia e na ressonância do universo, um processo de cura e de harmonia não só a nível individual como social. Uma vez recolhidos neste santuário as nossas ideias tornam-se energias mais potentes ainda, do que o são normalmente. No ser só e no estar em tudo. A física quântica torna compreensível a capacidade e a potencialidade das ideias. Através do pensamento posso provocar muitas mudanças. Uma lei quântica afirma que tudo é vibração. A diferenciação estará no grau de frequência. Nas pessoas doentes a frequência é menor devido a bloqueios de energia. O mesmo se diga do corpo social e natural. Na experiência religiosa fala-se da abertura ao espírito, ao Espírito Santo, para que ele deslize em nós sem nós nem impedimentos.

O estado de ressonância seria o estado comum ao ser, como que o “sentimento” do espírito, o estado do corpo místico; falando numa linguagem cristã aquele estado corresponde à consciência de sermos não só Jesus mas também o Cristo, a unidade de matéria e espírito.

A intuição sempre levou as religiões e as pessoas sensíveis a usar a energia espiritual como meio de cura. O sacramento da unção dos enfermos, antes do racionalismo andava estreitamente aliado a uma certa magia que através da identificação com Cristo possibilitava como que a intercomunicação das duas naturezas na abertura ao fiat, às mutações proporcionasse a cura espiritual e corporal. O rito era a oportunidade corporal e espiritual na abertura ao acontecer mais profundo da realidade. A presença do ministrante, dos familiares, e o emprego de frases, gestos são o lugar próprio do sacramento onde se realiza a concatenação dos elementos. O rito da unção, imposição das mãos, palavras e gestos produzem, também eles, efeitos naturais, espirituais e sobrenaturais. A sabedoria popular conserva ainda esse saber, que por vezes discriminado, nem sempre é aplicado com a pureza e o respeito que é devido ao ser humano.

A caminho do espírito, as paróquias, clínicas e hospitais podiam tornar-se em centrais de apoio e acompanhantes de pessoas abertas ao espírito, numa tentativa de restituir a responsabilidade da cura e do corpo são em alma sã ao indivíduo e à comunidade. Importante é abrir-se para poder ouvir os queixumes do espírito através das manifestações da alma doente que deixa as suas marcas no corpo e assim possibilitar a comunicação consigo mesmo e entrar na relação com Cristo, com o todo em si. Para isso médicos, padres e espirituais terão de reportar-se aos novos resultados da física e à mística da trindade, passando a considerar o outro sujeito e não como objecto de serviços. O valor da administração terá de recuar em favor do indivíduo numa abertura absoluta para lá das incrustações dogmáticas ou científicas. No centro da religião e da medicina está o espírito, a pessoa e não a instituição ou o hábito rotineiro degradante.

Pressupõe-se para isso a vontade de aprender a usar a força da visão na procura duma outra realidade. Ciência e religião, contra a sua missão, petrificaram o ser amarrando assim o ser humano às suas necessidades primárias, à ilusão. Já Platão (séc. V-IV a.C.), que não conhecia o cristianismo, nem o mistério da trindade, afirmava que a percepção não produz saber mas opiniões enganadoras. O saber verdadeiro é adquirido com a ajuda de conceitos que ajudam ao acesso às ideias eternas. Os conceitos provêem da lembrança das ideias que a alma observou antes de ser encarcerada no corpo.

Assim, se filosofar é ultrapassar a percepção dos sentidos, também entrar no processo de cura pressupõe mergulhar no grande mar do espírito de que a doença, o mal é a ausência. O processo da cura pressupõe um recriar relações. Analogicamente ao que aconteceu com a realidade fez-se o mesmo das ideias tornando-as o invólucro estático.

Urge dar vida às ideias através de imagens dinâmicas que as torne criativas, integradas. A ideia viva possibilita a iniciacao ou continuação de processos no caminho da descoberta e do encontro de nós mesmos. Porque não sabemos, ou melhor, não temos a consciência do que somos, tornamo-nos, muitas vezes, terreno maninho, terreno dos outros, alheados de nós. Por vezes temos a sorte de sermos acordados, por algum anjo a caminho, para a saudade da ideia original. Aquela saudade nostálgica é espiritualidade (matéria espiritualizada e espírito materializado, sem preconceitos materiais ou espirituais, em diálogo libertador): fé, esperança e caridade no mesmo acto. A fonte da saúde (“Deus em nós) encontra-se mais perto de nós que nós mesmos, como dizia Agostinho.

António da Cunha Duarte Justo

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