O “Saneamento” Cultural
Na pós-modernidade cada vez se sente mais a mediocridade pública duma sociedade em tudo conduzida. Assiste-se na Europa à super-organização Huxleyana dum estado cada vez mais indiscreto e atrevido que nos seus métodos de espiolhar o cidadão não conhece limites. Em nome do terrorismo internacional o estado faz de todo o cidadão um suspeito. Por outro lado, em nome da globalização, suborna-se e depreda-se, pouco a pouco, uma solidariedade social entre as gerações e as classes sociais, característica esta que tinha conduzido a Europa a um nível de co-responsabilidade social e desenvolvido social alto.
De momento observa-se a desmontagem sistemática da solidariedade a nível dos serviços de saúde, de reforma e mesmo no mundo do trabalho. Também as organizações sindicais dos trabalhadores se tornam, estruturalmente, cada vez menos ineficientes. As novas tecnologias são postas ao serviço dum gosto proletarizado indiferenciado à custa duma camada social média que tradicionalmente era o sustentáculo da nação. Disto é também o exemplo das organizações turísticas e o mundo bagatela duma televisão e rádio de cultura bimba.
Vive-se duma publicidade sedutora numa democracia de bastidores. Tudo quer viver do chamariz da insidiosa publicidade que sujeita o programa ao anúncio. Constrói-se um estado com um povo espectador de actores (não autores) no desejo de superar os problemas contemporâneos sem estar conscientes deles. Por todo o lado se encontram os camaradas das ideologias simples do século XIX camuflados nos bastidores da Política, dos Meios de Comunicação e da administração. A camuflagem encenada veio substituir um certo espírito sectário religioso pelo jacobinismo político.
Caminha-se para uma sociedade algarismo em que a filosofia base é o número estatístico. (E ainda se tem a coragem de criticar os marxistas da irresponsabilidade em voga na América latina e o fascismo muçulmano!) Assim se criam cidades de amontoados de população em situação vulnerável e dependente. Assim os bosques das grandes cidades facilitam a vida aos lobos vestidos de cordeiro. A descaradez é já tal que os lobos já podem viver mesmo sem a veste da má consciência na pele do cordeiro. O bem e o mal tornaram-se arbitrários.
Os que resistem são difamados pelos proletários da ocasiao. São apelidados de reaccionários e de apóstatas, pelos que querem um cidadão disponível, culturalmente desalfabetizado. Confundem progresso tecnológico, que devem agradecer ao odiado capitalismo com o progresso social e cultural. Desdenham do príncipe para investirem no homem sapo de grandes olheiras à medida do ecrã televisivo. Já não interessa o máximo, nem o mínimo denominador comum, chega o algarismo, a imagem como soma de algarismos, como no mundo virtual cuja base é o 0 e o 1.
O original deu lugar à imitação; para inglês ver chega o plaqué. Os da massa precisam do ouro da massa em troca de plaqué que amalgama no verosímil um montão de aglomerados amorfos na dependura dum mundo solteirão que prefere a serapilheira aos Arraiolos. Quer-se uma realidade em segunda mão onde cada um possa viver encostado à importância dum saber também ele em segunda mão, um saber barato e fácil.
Antigamente dominava a teocracia. Hoje é o totalitarismo político que domina a nossa vida. O cúmulo é que tudo isto acontece hoje em nome da liberdade e da concorrência do mercado. O mercado não pode substituir a democracia. No momento em que isso acontecesse bastaria a falta de confiança no mercado para surgir o perigo da anarquia e da ditadura.
Nesta sociedade de segunda mão dispensa-se a solidariedade e a amizade que torna as pessoas únicas no mundo. Tanto Sócrates, como o “Principezinho” continuam desconsolados à procura do homem; em vão? Tudo se arruma dos caminhos. Da cozinha à sociedade, tudo é funcional e despersonalizado. A humanidade e o humanismo ficam na berma da auto-estrada da vida.
António da Cunha Duarte Justo
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