quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

LABIRINTO DA BUROCRACIA HOSPITALAR

Descrição dum Caso de Inscrição para Operação – Incúria Médica e Administrativa
António Justo
Um utente de 85 anos de idade, que sofre de artrose aguda, não se podendo mover sem as duas muletas, em Novembro de 2008 solicitou à médica de família para o reinscrever para cirurgia da artroplastia total das duas ancas, dando a médica, então, início ao processo.

Apesar da sua situação grave só foi convocado para consulta da especialidade no Hospital de JS em 22/04/2009 efectivando-se a inscrição para a cirurgia em 03/06/09. Só então foi colocado na lista de espera com prioridade normal. A sua idade avançada motivara exames pré-operatórios a 11/05/2009 e pré-anestésicos em 27/05/2009, tendo então sido verificado não haver risco cirúrgico e consequentemente elaborado parecer positivo para submissão à operação.

Os critérios clínicos usados para classificar um paciente na categoria de prioridade normal ou de urgente parecem reservar grande espaço para arbitrariedades.
Em Outubro de 2009 denunciei o caso ao Ministério da Saúde alegando contra a incúria administrativa e contra a conduta médica que não cumpre os deveres deontológicos procedentes do seu juramento hipocrático além de no processo estar subjacente o desrespeito pelos direitos da dignidade humana e uma infracção de descriminação.
Depois duma primeira resposta evasiva que delegava o caso para o Hospital, solicitei o assumir de responsabilidade por parte do MS através de investigação do caso.

Em resposta o MS mostrou delegar o caso para a Administração Regional de Saúde Norte, I.P. e à Coordenação do Sistema integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (Sigic). A ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) confirmou a regularidade do processo administrativo remetendo a reclamação também para a Ordem dos Advogados.

O problema porém está no facto da burocracia só ter possibilitado a inscrição clínica a 03.06.2009 e só a partir daqui serem considerados relevantes os dados para o processo. A pressuposta incúria e o favoritismo acontecem antes. O período de Novembro 2008 até Junho de 2009 é embrulhado pelos interesses burocráticos e da classe. Nos termos regulares e de acordo com as leis portuguesas, o Serviço Nacional de Saúde, deve satisfazer a necessidade cirúrgica no prazo máximo de 9 meses de espera para este tipo de cirurgia que regula cerca de 9 meses, para o nível de prioridade normal. Se ao fim de 6 meses a cirurgia ainda não tiver sido marcada, automaticamente, o utente é retirado da lista de espera do Hospital e é atribuído pelo Ministério da Saúde, um vale cirurgia que lhe possibilita escolher o Hospital onde poderá ser operado dentro do tempo previsto.

Encontramo-nos em Janeiro de 2010 e o paciente espera ainda pela convocação para a cirurgia. As autoridades até agora envolvidas na investigação do caso justificam formalmente o parecer e no seu entender “os profissionais envolvidos cumpriram os deveres de cuidados e diligência que lhes era exigido”. Tabu fica o período de 8 meses para a burocracia relativamente a ele calada bem como os critérios que levaram a classificar o caso de prioridade normal.


A lei é clara, mas os moinhos da burocracia e dos interesses, a ela colados, conseguem fazer ignorar os 8 meses que neste caso precederam o 03.06.2009. Entretanto ou morre o paciente, ou se decide por pagar particularmente e impedir a mora que parece ser querida. Assim se degrada o paciente para cliente como se estivéssemos no supermercado.

A Ordem dos Médicos, para defender os interesses da classe continua a exigir notas muito altas aos estudantes que pretendam ingressar em medicina, como se esta se deixasse reduzir a termos de memória da inteligência e não houvesse outros tipos de inteligência tão importantes e mais que possibilitem a capacidade dum médico e dum cirurgião. Este mais que memória de aprendizagem precisa de capacidades manuais.
Por isso muitos estudantes se vêem na necessidade de ir estudar para Espanha.

Um governo, que tome bem a sério os interesses do povo paciente, terá de remodelar os critérios de acesso ao estudo da medicina e terá de deixar de colocar barreiras no reconhecimento de médicos estrangeiros interessados em trabalhar em Portugal.

Ou será que a concorrência só é possível a nível de trabalhadores de classes desfavorecidas, tornando-se o Estado em legitimador de grupos de interesse fortes que se afirmam à custa da generalidade e do povo.

Vivo na Alemanha; nesta sociedade, semelhante caso não deixaria tranquila a consciência da nação, nem os próprios médicos, as instituições e a imprensa tolerariam tal comportamento para com qualquer cidadão, fosse ele mesmo o mais desprestigiado.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

4 comentários:

Anónimo disse...

Este ainda é um capítulo mais tenebroso do que o da Educacao.

Seria bom que se recolhessem histórias para tirar conclusões.

Pessoalmente passei 7 anos em Portugal a sentir-me só e encostado à parede, numa selva onde as hienas rondavam cada vez mais perto.

Nem sei que dizer.

R.H

Unknown disse...

A afirmação "A Ordem dos Médicos, para defender os interesses da classe continua a exigir notas muito altas aos estudantes que pretendam ingressar em medicina, como se esta se deixasse reduzir a termos de memória da inteligência e não houvesse outros tipos de inteligência tão importantes e mais que possibilitem a capacidade dum médico e dum cirurgião. Este mais que memória de aprendizagem precisa de capacidades manuais" revela completo desconhecimento do processo de acesso ao ensino superior e de quem define os critérios para esse acesso.
A Ordem dos Médicos não tem, nem nuca teve, qualquer papel na definição desses critérios, que sempre foram da responsabilidade do MINISTERIO DA EDUCAÇÃO e, portanto, em última análise, dos GOVERNOS deste país (e por lá têm passado diversos partidos políticos (com maioria absoluta, ou sem ela, como se sabe)

Jorge da Paz Rodrigues disse...

Meu caro amigo:

Publiquei há dias no meu blogue "JorgePaz" um texto narrando os entraves de toda a ordem que a "Ordem dos Médicos" e as suas extensões nas Faculdades de Medicina colocam aos médicos, no caso uma brasileira, que querem voluntariamente vir exercer para Portugal, sendo de destacar neste caso que até um exame de português lhe exigem!

Na verdade, os "barões" médicos portugueses (não são todos, mas sim uma boa parte) tudo fazem para evitar a "concorrência", do que resulta uma gritante falta de médicos, especialmente no interior, autenticamente condenando à morte os portugueses de mais baixos recursos.

Isto é uma vergonha nacional, a que nenhum governo se atreve a por cobro!

Bem haja pelo seu corajoso artigo.

Im forte abraço, Jorge da Paz

António da Cunha Duarte Justo disse...

Prezado Paco,

Naturalmente não desconhece que os critérios que definem o acesso ao ensino superior são ditados por interesses subjacentes e o Governo onde circulam mais barões que piões!

Certamente não desconhece as tentativas do professorado para terem direito a uma Ordem também para eles, uma "ordem dos Professores". Todos lutam por um lugar ao sol, o que é legítimo. O que não é legtítimo e mralmente insuportável é que haja sol a mais para alguns e sombra gélida para outros. Na Alemanha onde vivo, também há numerus clausus mas há tamkbém a ßpreocupação para que não haja uma discrepáncia tão grande entre cavaleiros e povo a pé! Procuram ser mais cavalheiros, apesar duma União Europeia cada vez mais turbocapitalista e menos socialdemocrata.

No comentário ao artigo anterior o Dr. Jorge da Paz cita "O bastonário da Ordem dos Médicos defendeu ontem, no Parlamento, uma estabilização do número de vagas nas faculdades de Medicina, sob pena de se formar médicos em excesso...". Por que razão tem o senhor bastonário da oRDEM DOS médicos direito à palavra no Parlamento?... Onde é que já chegamos?...

Naturalmentze que há muitos bons médicos em Portugal, tal como aqui na Alemanha, o que não deve constituir um impedimento a haver mais justiça, mais equidade social.

O problema português mais que político é cultural!

Obrigado pela sua posição! conversando é que nos entendemos!
Atenciosamente
António justo