Ditadura do
Governo Sírio contra a Ditadura da Rua
O Tumulto
religioso nos Regimes ditatoriais do Magrebe
António Justo
Uma cultura dogmática hegemónica
produz regimes ditatoriais que por sua vez nutrem a sua sustentabilidade na
guerrilha. Esta serve os interesses dos mais fortes sem olhar a perdas.
O futuro da África do Norte
continua a decide-se em Riad, Teerão, Istambul, Paris, Londres, Berlim e
Washington e naturalmente nas mesquitas. O que temos assistido na África
do Norte não tem passado, em grande parte, dum tumulto religioso de idealistas,
de fanáticos, de regimes déspotas, todos secundados por interesses de
estratégia económica, militar e religiosa (luta de hegemonias sunitas-xiitas).
Uns e outros, para atingir os seus fins, não receiam em sacrificar todo o povo.
Quem beneficia
do Futuro da Síria? O Povo sírio certamente não
Os “libertadores”/rebeldes, com a sua autoproclamada “Armada Síria Livre”, os
“Amigos da Síria”, Salafistas, células de Al-Kaida, etc., querem que o exército
regular lhes entregue as armas para melhor os poderem assassinar. O regime não é
bom mas a oposição não é melhor! A maioria do povo apoia o Presidente, e isto
não é negado sequer pela corrente principal dos Meios de Comunicação Social.
Na Síria vivem Cristãos e Muçulmanos
(Sunitas, Xiitas, Alevitas, Drusos e Ismaelitas). Os grupos muçulmanos
concorrem brutalmente entre si. O presidente Baschar-al-Assad pertence à
minoria liberal muçulmana dos Alevitas (uma seita xiita). Na Síria desenrola-se o
conflito entre as facções muçulmanas de Sunitas e Xiitas.
O ocidente tem sido mais solidário com os sunitas até porque estaria mais
interessado na hegemonia da Turquia (Sunita) sobre a região do que na hegemonia
do Irão (xiita). O poder xiita estende-se do Irão, Iraque e Síria até ao Hisbollah
(Partido de Deus). O Wahhabismo (sunita) da Arábia Saudita (1) e os Xiitas do Irão fomentam a
insurreição. Querem derrubar o regime de Assad, a quem consideram um homem de
Israel.
Os rebeldes são apoiados por regimes intolerantes que não toleram direitos
da mulher nem direitos humanos como é o caso da Arábia Saudita e do Irão. Em nome de motivos humanos unem-se
ditadores contra um regime que é mais democrático que o deles. O Ocidente
alia-se aos Ditadores da região no apoio aos seus rebeldes. Para o oportunismo
dum Ocidente interesseiro chega-lhe a palavra mágica “liberdade” para se pôr em
movimento. Em nome da filantropia, a NATO tem cometido aberrações que
comprometem o futuro dos cidadãos. Até hoje esses motivos filantrópicos não
passaram além da garganta e oferecem uma boa ocasião para os vendedores de
armas e para quem vive da miséria dos outros. O que tem frutificado é a
violência! O povo europeu terá de pagar bem cara a miséria e a insurreição dos
povos “árabes” e seus refugiados, o que servirá de pretexto, por outro lado, para
uma futura corrida ao armamento.
Na Síria, o desenrolar dos acontecimentos diferenciar-se-á doutros da
África do Norte. A guerra civil prolongar-se-á indefinidamente porque a maioria
do povo sírio apoia o seu presidente e a NATO não poderá intervir porque, mais
uma vez iria servir os interesses dum grupo muçulmano instável contra os
interesses de grupos hegemónicos; além disso a Síria é militarmente forte e os
rebeldes ainda não conquistaram nenhum território para si; só conseguiram ocupar
um terço da cidade de Homs. Indirectamente, o Ocidente conseguirá criar mais
instabilidade na Síria usando a Arábia-saudita como sua aliada, nas pretensões
de eliminar o regime sírio.
O interesse do Irão na construção
da bomba atómica tem a ver com o poder estratégico de hegemonia xiita sobre a
região. A Turquia (sunita) não tem bomba atómica mas como membro da Nato está
protegida pelo seu poder atómico. Por tudo isto e também contra Israel o Irão construirá a bomba atómica, embora muita gente se perca em
conversa fiada para um público desatento. Israel é para o regime iraniano o
símbolo do Ocidente. O Ocidente apoia a Arábia Saudita porque ela é inimiga
figadal do Irão. O Ocidente ao apoiar os rebeldes apoia simultaneamente os
interesses contraditórios de Sunitas e Xiitas, segundo o mote: o inimigo do meu
inimigo é meu amigo!
A Oposição
matou mais Civis que o Regime de Assad
Por trás dos combatentes da liberdade (os rebeldes) escondem-se muitos
terroristas ao serviço do ódio e da vingança em nome dum deus ciumento à sua
semelhança e de interesses de poder. Os nossos Meios de Comunicação Social, na
sua informação habitual, tomaram partido pelos rebeldes tal como já têm feito
em relação a outros países da África do Norte.
Na Síria, até agora já foram
mortos mais de 9.000 pessoas, tendo sido, mais da metade deles, morta pelos
rebeldes. Disto mal se noticia! Os rebeldes na Síria assassinaram, torturaram e
tomaram como reféns Alevitas (cf. Human Rights Watch) e mataram, já nos
primeiros três meses, 200 soldados e polícias. Torna-se fácil uma rebeldia (com
espírito não melhor que o dos governantes) que conta de antemão com o apoio do
Ocidente e duma imprensa ávida de libertinagem e de violência para noticiar.
Embora a maioria da população apoie a ordem estatal com Assad à sua frente,
os rebeldes (TSA), que dominam apenas parte da cidade de Homs, pelo facto de
usarem a palavrinha mágica „Liberdade”, granjeiam logo as simpatias gratuitas
de muita gente não interessada em conhecer os ideários e os interesses que se
escondem por trás da guerrilha.
Ocidente “aquece o conflito”, afirmam pessoas sírias interessadas na paz e vêm
na Constituição de Assad um passo importante na intenção de reformas.
Argumentam: o que é preciso é o diálogo dos grupos dentro do país e não uma
atitude exterior elaborada longe de toda a realidade. Organizações sérias da Síria testemunham que os rebeldes mataram mais civis
do que os órgãos de segurança de Estado. O problema é que o Ocidente parece
interessado numa história mal contada.
Torna-se fácil falar da ”primavera árabe „ a quem desconhece a geografia e
os mapas culturais da região.
Em actos de desespero costuma dizer-se, “mal por mal Marquês de Pombal” e o
facto lamentável mas real é que, para já, teremos que assentar na agenda: Nos
países da região árabe a razão estará mais do lado dos militares, dado a
política ser determinada pela emoção e pelas mesquitas às sextas-feiras.
O Ocidente tem dois problemas por
resolver: a crise económico-cultural e o problema árabe. O Médio Oriente constitui o problema futuro próximo da Europa (óleo,
desemprego, pobreza e refugiados). No futuro, os problemas da África do Norte também
aumentarão porque os USA cada vez se desinteressarão mais desta região e a
Europa terá de aguentar sozinha com os seus problemas. Esta região encontra-se
vocacionada para muitas convulsões sociais porque incontrolável e ingovernável.
Os grupos Al-Kaida encontram-se agora mais presentes na África do Norte que
nunca. É um facto que as esperanças da
juventude só poderão ser desiludidas por governos e pelas facções religiosas
organizadas em partidos. A energia que investem na religião deveria ser
canalizada para a reconstrução dos seus países e na promoção cultural do povo. O
mal vem de raiz e vem duma socialização árabe que se desenvolve num jogo entre a
ditadura e a guerrilha com um espírito fascista de base. No caso da Síria a
ditadura do governo contra a ditadura da rua alimentam-se da guerra civil de
xiitas, sunitas e alevitas, de uns contra os outros e os cristãos de premeio. Neste
enredo, o Ocidente sempre que intervém apoia os falsos. Os povos vizinhos da
Síria deveriam ser os primeiros a preocupar-se pela situação e não o Ocidente.
A situação não é fácil devido aos interesses hegemónicos entre sunitas
(Turquia) e xiitas (Irão). Os diferentes grupos muçulmanos têm movido a NATO a
fomentar os seus interesses e a assim poderem entre “irmãos” atribuir a culpa
ao estrangeiro. O apoio do ocidente às forças rebeldes da Síria só ajudaria a
Síria a tornar-se num estado Sunita. Isto interessaria à Turquia e à Arábia
Saudita que deste modo afirmaria a sua facção religiosa contra a concorrente
xiita do Irão.
Tal como no Iraque onde apenas há
partidos religiosos de xiitas contra curdos, de sunitas contra xiitas e de todos
contra os cristãos, na Síria não há forças seculares.
Infelizmente, a paz em que a Europa tem vivido continua a ser um estado de
excepção. A maneira como falamos e interpretamos outros povos dá a impressão de
vivermos num mundo do sonho, num estado de graça.
António da Cunha Duarte Justo
Antoniocunhajustogmail.com
www.antonio-justo.eu
(1) No séc. VII sunitas e xiitas terrorizavam
e matavam quem não se convertesse. O fundador do Wahhabismo, Maomé ibn Abdel
Wahhab (1740), na tradição primitiva, limpou do Islão todas as aquisições
históricas com tendências de compromisso e tolerância. O movimento de Wahhab
conseguiu fundar a Arábia Saudita de hoje em 1932. O Wahhabismo da Arábia
Saudita é espalhado com ofertas de dinheiro a grupos, financiamento de
construção de Mesquitas e distribuição de livros gratuitos. Dinheiro, carisma e
brutalidade duma parte e a sede de petróleo da outra formam uma mistura explosiva.
2 comentários:
Excelente texto!
Fez-me melhor entender a região.
Abraços a todos,
Vilson
in "Diálogos Lusófonos"
Amigo Dr. Justo
Obrigado.
Mostrou-nos a Síria dos dois lados.
É bom para termos avaliação correcta.
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