Política de Emigração – Um Projecto por nascer
António Justo
O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José
Cesário, apresentou à discussão pública, um anteprojecto de alteração à Lei que
regula o funcionamento do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Surge
atrasadamente e tem a pretensão de ser apresentado na Assembleia da República
em Novembro e de possibilitar novas eleições para o CCP em 2015.
O CCP é um órgão consultivo do Governo para as políticas
relativas à Emigração e às Comunidades Portuguesas, que se reúne, bienalmente,
em plenário.
Com a iniciativa o Secretário de Estado tem como
objectivo elevar o número de conselheiros de 73 para 80, desejando que todos
sejam eleitos por sufrágio directo e universal por mandatos de quatro anos;
quer que o CCP deixe de ter presidente; quer também fazer depender o seu
financiamento das receitas consulares (até ao presente o CCP era constituído
por 63 representantes eleitos directamente e 10 nomeados). O Dr. José Cesário aponta
para uma verba a atribuir ao CCP correspondente a 0,5% das receitas do Fundo
para as Relações Internacionais, o que corresponderia a 140 mil euros.
O propósito de “fazer corresponder o universo eleitoral
do Conselho das Comunidades Portuguesas ao da Assembleia da República”, é mais um empecilho para o CCP e baseia-se
na esperança dos partidos portugueses de, com uma cajadada, matarem dois
coelhos: a motivação pelo trabalho partidário nas comunidades portuguesas, que
reverterá em favor de eleições para os deputados da emigração e do parlamento
europeu; isto revela-se como uma estratégia partidária inteligente mas não
virá servir a vida de associações e iniciativas integradas ou a integrar na
sociedade de acolhimento. Até ao presente para poder votar bastava ter-se 18
anos e estar-se inscrito num consulado. A nova medida é mais uma medida de exploração
do trabalho do emigrante: de facto o candidato ao CCP terá de motivar as
pessoas a recensearem-se para as eleições da Assembleia da República sem
receber um chavo de apoio por esse trabalho. Se isto não for um xeque-mate ao CCP,
revelar-se-á como seu domesticador. Por outro lado, a política portuguesa não
está interessada em aproximar o português do consulado; pelo contrário!
Diz querer “aumentar a responsabilização do Governo e das
representações diplomáticas portuguesas nos trabalhos” do CCP. Atendendo à situação
do CCP, não seria mais eficiente obrigar as representações diplomáticas a uma
estratégia de aproximação das associações em vez de criar mais intermediários,
pontes que se tornam em alibi para o verdadeiro encontro de administração e
administrados?
A nova proposta também prevê um CCP sem presidente próprio;
deste modo o CCP deixa de ser uma referência e perde toda a sua autoridade, até
porque o seu porta-voz passaria a ser o Secretário de Estado (Uma estratégia
muito esperta e muito característica da nossa república!). E depois, uma
democracia, cada vez mais verbo-de-encher, admira-se de gerar cidadãos
demasiadamente preocupados com o próprio pão!
Nos anos 80, antes da existência do CCP, os governos e algumas
das suas repartições organizavam “congressos” em Portugal e também na emigração
a que convidavam representantes de portugueses na diáspora, para assim auscultarem
a voz da emigração. Era uma altura em que a administração portuguesa, sem
experiência em questões de migração, se mostrava interessada em dialogar e
ouvir personalidades e representantes associativos. Nos meados dos anos 90
desapareceu o interesse da administração portuguesa por auscultar os problemas
da emigração; mostra-se , a partir daí, só interessada em formalizar um
“diálogo” que queria ver só dentro das próprias fileiras administrativas. O CCP teve a pouca sorte de ser criado
neste contexto pela Lei n°48/96 de 4 de Setembro. Entretanto os interesses do
governo na emigração revelam-se apenas de caracter económico.
O CCP tem sido um órgão embora legal, sem consistência
própria nem resultados palpáveis. Pelo que se depreende continuará a ser uma
estrutura sem suporte, condenando a viver de mobilização em mobilização e a
perder-se no jogo de culpa e desculpa ao serviço duma política feita em cima do
joelho. Tem sido usado como instrumento adiador de esperanças. Sem base, não
passa de um órgão de troca de impressões; tem
tido o trabalho de uma certa formação de consciência política e de possibilitar
a ordenação de fileiras a nível partidário. De resto quer-se credibilidade
mas sem crédito para uma política a que falta a fé. Anda-se no jogo das
escondidas e o problema é que o governo também sabe que pode substituir o
trabalho do CCP pelo de um assessor de imprensa que recolha e resuma os artigos
publicados na diáspora, além da convocação de um congresso ou outro, seja a
nível de firmas, de políticos comunais da diáspora ou de encontros de
juventude. (Não se fale já do manancial da actividade de caixeiros viajantes,
em que se têm esgotado os Secretários de Estado das Comunidades).
A Política
mede-nos pelo que valemos e fazemos e não pela discussão; nas últimas eleições
para o CCP em 2008 só houve 12.000 votantes num universo que se quer de 5
milhões de emigrantes e luso-descendentes. Recorde-se que no mundo das comunidades
portuguesas há 2.700 associações. Atendendo a esta realidade, é ingénuo
queixarmo-nos do facto de o CCP não ser tomado a sério e de se encontrar
reduzido à característica de alibi ao serviço dos Secretários de Estado das
Comunidades, de si já sobrecarregados e com uma casa (Secretaria de Estado) que
não conseguem pôr em ordem? Naturalmente que cada conselheiro vale o que vale
mas só por si e pelos que o apoiam!
Enquanto
representantes de emigrantes se continuarem a encostar às organizações do
Estado reduzirão as suas potencialidades e repetirão, cá fora, o que a
república faz lá dentro. Encontro-me desde 1980 nestas
quejandas e constato que o discurso apenas se repete e a pouca diferença que tem
revela-se apenas nas cores… muito empenho individual, sempre o mesmo activismo
fundado no amor à camisola que se traz e ao gosto de correr. (Aquando da luta
pela manutenção do Vice-consulado de Frankfurt sugeri que se ocupassem pacificamente
as instalações consulares para que as acções recebessem caracter de poder e não
apenas de conversa justa mas fiada; resultado: prevaleceu a conversa e com ela
o encerramento do consulado. Apesar de tudo
realizou-se uma manifestação em que as cortes partidárias se juntaram todas.) Tudo
isto acontece porque as crianças exigem e só os grupos organizados se impõem. Na
falta de eficiência fica o calor da fé onde se aquecer. Entre a razão e o
sentimento de a ter, há porém distâncias infinitas.
Um outro problema grande, é o facto da imprensa
portuguesa (não da emigração) se estar marimbando para a realidade da emigração
e limitar a pouca informação a jornalistas de ideias já feitas. Um outro
equívoco está em falar-se da realidade migrante quando nos deparamos com muitas
realidades e o universo da diáspora portuguesa ser demasiado complexo para
poder ser tratado por uma secretaria de Estado das Comunidades nas dimensões da
nossa (só a sua vertente económica e cultural já daria pano para mangas!).
Naturalmente que é preciso apresentar caminhos
alternativos aos de Lisboa; estes têm de surgir da realidade da vida das
comunidades da diáspora e não de uma mera vontade política (partidária) que
muitas vezes desmotiva pessoas não interessadas na cor da camisola.
Infelizmente o sentimento de pertença a uma cor política ainda é motivo de segregação
no organigrama partidário inferior. Os emigrantes portugueses na Europa não souberam
libertar-se duma politiquice partidária bebida levianamente no 25 de Abril. A cor política da camisola tem determinado
a confiança entre as pessoas, impedido, muitas vezes, a sinergia de esforços e
o estabelecimento de redes consistentes; em termos de diáspora, a cor
política só deveria ser relevante, a nível de integração política, nas
comunidades de recepção. Uma comunidade portuguesa
integrada nos partidos alemães e nas suas associações de cultura prestaria
serviços incalculáveis para todos, a nível de futuro. Este deveria ser o centro
de gravidade duma política de portugueses emigrados.
O problema mais
grave com que a emigração se depara é o facto de, em Portugal, haver um
ressentimento recalcado contra os emigrantes. A ausência dos 5 milhões de
Portugueses, nos meios de comunicação social em Portugal, é o maior problema e este
está na base das atitudes duma política de emigração comum a todos os governos.
Neste contexto não haverá deputados nem conselheiros que tenham autoridade nem
audiência justa.
O problema cívico crucial dos portugueses da diáspora situa-se
na manutenção e fomento de associações. Deste não se fala porque seria de
interesse nacional mas este transcende os interesses políticos. O trabalho mais
eficiente revelar-se-á no empenho da criação de associações e iniciativas nas
comunidades de inserção. Da inserção dos portugueses nas comunidades receptoras,
seja a nível económico, cultural ou político, se aproveitarão os emigrantes e se
aproveitará Portugal porque em cada associação em que se encontre um emigrante
luso lá se encontrará um embaixador de Portugal.
Boa noite CCP,
bom dia associações; a noite é longa e o dia ainda por levantar!
António da Cunha
Duarte Justo
(Antigo Conselheiro Consultivo da Área Consular de
Frankfurt)
www.antonio-justo.eu
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