Na Esperança do Zé do Telhado
António Justo
Independentemente de interesses nacionalistas e de posições partidárias em relação
à economia da UE, Bruxelas deveria criar
um imposto de solidariedade em benefício dos países de economia fraca, tal
como fez e faz a Alemanha em benefício da antiga Alemanha de leste, que se
encontrava em situação pior que a Grécia; só o investimento produtivo poderá
diminuir as diferenças. O que a Alemanha unida não conseguiu, dentro dela em 25 anos,
não o conseguirá a UE em relação aos países da margem em 50 anos. Enquanto
os povos de toda a Europa não notarem que a guerra dos especuladores
financeiros em conivência com os Governos é contra os povos serão estes explorados
em favor das instituições.
Na discussão, em torno da Grécia e das suas dívidas, são notórios os
timbres das vozes da noite; tudo fala com opinião segura, como se fosse tão
fácil governar um Estado como seria governar uma casa.
A UE tornar-se-ia credível se executasse uma política em favor dos povos e não
só a favor das instituições. A nível de nações seria necessário um governo de
salvação nacional onde os interesses partidários e as ideologias fossem postos
de lado para se encontrarem soluções orientadas apenas pelo bem-comum. Enquanto
uma opinião pública coitadinha reagir como reage as personalidades
representantes das instituições continuarão a justificar a política de cúpulas
de Bruxelas e a justificar grupos marginais que apostam em políticas de “Zé do Telhado”.
Actualmente não é possível uma discussão objectiva porque cada pessoa investe
demasiado capital na sua opinião. O aspecto positivo de que a Grécia se pode
gloriar é ter chamado a atenção para a política unilateral da troika, uma
política contra o povo e a favor das instituições.
Quanto à Grécia a Alemanha tem de aceitar um compromisso podre porque se a
Grécia saísse do Euro a Alemanha perderia os 60 mil milhões de Euros que lhe
emprestou. Portugal emprestou 1,1 mil milhões de euros. De recordar que o
perdão de metade da dívida grega em 2012 (de 100 mil milhões de euros), então
nas mãos de privados, prejudicou bancos portugueses: o BCP e o BPI perderam
então 590 milhões de euros. Por outro lado, os problemas das instituições bancárias
são saldados com o dinheiro do contribuinte.
O problema do Euro vem das diferentes economias e diferente produtividade
entre os diferentes países e regiões e da diferente distribuição das empresas
produtivas. Um mesmo euro forte para todas as economias discrimina as economias
mais fracas. Por isso, como alguns ecónomos defendem, os países com pouca
competitividade deveriam ter ao mesmo tempo o euro e a moeda nacional (euro,
dracma, etc.); deste modo, estes poderiam dar resposta às diferentes economias
e concorrer com os países fortes porque teriam a moeda interna com que regulariam
o mercado interno de maneira aferida ao país; deste modo quem quisesse consumir
produtos importados teria de pagar muito mais e os países mais fortes teriam
mais dificuldade em exportar porque os seus produtos seriam mais caros
Falta uma discussão séria com propostas de programas realistas e construtivos
para se conseguir uma UE menos injusta. Falta a vontade política para tal;
disso e dos programas económicos é que valeria a pena falar. Por vezes tem-se a
impressão que um sistema financeiro falhado procura adiar a sua queda lambendo
as feridas de uns e outros. De resto, quanto mais se ergue a garganta ao céu
para lamentar a situação, mais a injustiça pode agir desapercebidamente!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-Justo
Passo a apresentar dados que, ao lado de outros, poderão
ajudar a rejuvenescer opiniões.
“A Grécia já tem condições muito melhores do que
Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no
pagamento desses juros. O resultado é que enquanto nós, com uma dívida
proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB contra 180%), pagamos o
equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre 2,5% e 3,6%. Ou seja, a
dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que conta. Mais: não somos
só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de juros superior à dos
gregos, os italianos e os irlandeses também estão na mesma situação.” José
Manuel Fernandes, Segue o artigo
Estou
farto do choradinho dos desgraçadinhos dos gregos
- Por José Manuel Fernandes - 14/2/2015, 19:39
Os problemas da Grécia não começam agora
no Syriza nem acabarão com o Syriza. São problemas antigos, entranhados, que
fazem do país um corpo cada vez mais estranho numa união monetária como o euro.
Escolho algumas frases quase ao acaso.
Frases de uma espécie de “discurso único” sobre a Grécia em que esta é sempre
apresentada como vítima. Vive-se “uma grave crise humana”, escreve-se na carta
que 32 personalidades enviaram ao primeiro-ministro. E, claro, não há razão
para qualquer “discurso punitivo”, a Grécia não tem culpa de nada. A chanceler
Merkel, como sentenciou Mário Soares, é que a “responsável principal pela
desgraça da Grécia “. Tudo por causa de “uma política destruidora”,
explicou de seguida o professor Louçã, como agora é apresentado. E, também, por
causa do “delírio especulativo” que criou “uma pilha de dívida”, algo que
se aplica certamente a um país onde 80% da dívida é hoje detida pelos seus
parceiros europeus, país que também paga as menores taxas de juro e até
beneficia de um período de carência. Claro que tudo isto coincide e reforça o
que Alexis Tsipras diz que sempre que tem um microfone pela frente: “devastaram
o Estado” e “criaram uma enorme crise humanitária”. Quem o ouve diria que fala
do Darfour.
Este discurso é cansativo e unilateral.
Pode parecer muito piedoso, mas acabará por não ajudar a Grécia no longo prazo.
E obscurece o tema que devíamos estar a debater: pode uma zona monetária com
uma moeda como o euro fazer conviver no seu interior, sem constantes
sobressaltos, crises e tensões, países tão diferentes como a Grécia e a
Holanda, ou Portugal e a Finlândia?
É por isso que é importante contrariar
este “discurso único” e, sobretudo, desmontar muitos dos mitos que o alimentam.
1. O primeiro mito é que a Grécia de hoje
é a herdeira da Grécia da Antiguidade, a Grécia que devemos a nossa civilização
e que inspirou a nossa democracia.
Esta ideia só muito parcialmente é
verdadeira. A cultura grega clássica nasceu e cresceu numa região muito mais
vasta do que a da Grécia actual. Basta pensar que, se de facto Sócrates, Platão
ou Tucídides eram atenienses, Heródoto, o primeiro dos historiadores, era de
Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia); Arquimedes, o
matemático, era de Siracusa, na Sícilia; Tales de Mileto, o primeiro filósofo
ocidental de que se tem notícia, era de Mileto, hoje na Turquia; Heráclito, o
“pai da dialéctica, era de Éfeso, igualmente na Turquia; Aristóteles era
de Estagira, que fica hoje na Grécia mas que na época pertencia à Macedónia;
Euclides, o “pai da geometria”, era de Alexandria, no Egipto; Pitágoras, o do
célebre teorema, se nasceu na ilha grega de Samos, desenvolveu a sua
escola em Crotona, uma povoação no sul de Itália; e por aí adiante.
Por outro lado, se pensarmos nas famosas
sete maravilhas do mundo antigo, cinco deles pertencem indiscutivelmente ao
mundo grego, mas dessas só duas, a Estátua de Zeus em Olimpo e o Colosso de
Rodes, ficavam no que é a actual Grécia. Duas estavam no que é hoje a Turquia –
o Templo de Ártemis em Éfeso e o Mausoléu de Halicarnasso – e a último no
Egipto, o Farol de Alexandria.
A Grécia moderna tem menos de dois
séculos, pois antes o seu território estava sob domínio otomano. Quando o país
foi criado, havia uma tão radical ausência de ligação ao passado que foi
preciso inventar uma família real. O nosso D. Pedro IV chegou a ser convidado
para ser o primeiro rei da nova Grécia independente, mas como recusou o
trono acabou por ser entregue a Oto da Baviera, filho de Luís I. Estávamos em
1832 e ele tinha apenas 18 anos.
A Grécia que hoje conhecemos nasceu assim
por vontade das grandes potências europeias – Reino Unido, França e Rússia –,
que a criaram na Conferência de Londres. Tudo para, algumas décadas passadas,
voltar a perder a soberania, já que o país declarou bancarrota em 1983 (três
anos depois de Portugal) e foi obrigado a ficar sob a tutela dos credores. Uma
Comissão Financeira Internacional instalou-se em Atenas e passou a controlar
directamente o orçamento de Estado. Era a troika desses tempos, mas com menos
cerimónia e menos piedade: 10% da população acabou por emigrar.
A história lá prosseguiu, com momentos de
glória e de tragédia, mais uma bancarrota em 1932, mas sempre com um traço
distintivo, bem definido pelo historiador grego Nicolas Bloudanis: “na Grécia o Estado só funciona de forma
intermitente”. Pior: “de cada vez que o Estado funcionou menos mal, tratava-se
de um Estado autoritário onde as liberdades políticas e civis estavam
limitadas. (…) Na memória colectiva grega o Estado é um Estado autoritário de
que convém desconfiar”.
Foi este país que em 1974 saiu, tal como
nós, de uma ditadura, mas que, ao contrário de nós, beneficiou desde o primeiro
momento de uma espécie de “via rápida” para a adesão à então CEE. Alguns
líderes dessa época, como o presidente francês Giscard d’Estaing, achavam que a
Europa não seria Europa sem uma Grécia que viam como genuína herdeira da Grécia
da Antiguidade Clássica. Foi ilusão que durou pouco tempo: fazendo jus à sua
real natureza de país entre o balcânico e o levantino, a Grécia logo tratou de
se opor à entrada de Portugal e Espanha, ameaçando com um veto que só foi
ultrapassado quando Bruxelas enviou ainda mais dinheiro para Atenas. Um país
solidário, portanto.
2. O segundo mito é que, se é verdade que
os gregos cometeram erros e falsificaram as contas, toda a culpa da situação
actual é dos alemães e das suas “políticas punitivas”.
Não, não e não. Os gregos não cometeram
apenas alguns erros que, com paciência e pedagogia, certamente ultrapassariam.
Os gregos sempre actuaram de acordo com uma cultura política que pouco ou nada
tem a ver com a da Europa Ocidental e, se algum erro maior fez a Europa, esse
erro foi permitir a sua adesão à moeda única, fechando os olhos a todas as
evidências e ao mais elementar bom-senso.
De facto não deve haver em nenhum outro
país do euro hábitos políticos tão clientelares e nepotistas como os da Grécia.
Durante décadas os dois principais partidos, o PASOK e Nova Democracia – que
são também os dois principais responsáveis pela situação a que o país chegou -,
como que pertenciam a duas famílias, os Caramanlis e os Papandreou. Mas não
eram apenas os partidos que se estruturavam em torno de grandes famílias, o
país também os seguia de acordo com o mesmo tipo de tradição. Como descrevia na
época o mesmo Nicolas Bloudanis, na Grécia “não se votava por ideologia” – até
porque verdadeiramente esses dois partidos pouco se diferenciam ideologicamente
–, votava-se em função dos benefícios materiais (e dos empregos) que podiam ser
distribuídos. O que nem sequer é demasiado estranho, pois se apesar de tudo os
gregos não foram totalmente absorvidos pelos otomanos isso deveu-se à sua
fidelidade a duas velhas tradições culturais: a rouspheti, ou
dispensa recíproca de favores e de protecções, e a mesa, ou rede de
contactos e conhecimentos. O terreno era pois propício ao suborno e à cunha.
A vitória do Syriza pode ter a virtude de
quebrar, pelo menos em parte, estas lógicas ancestrais, lógicas que se
entrelaçam com a corrupção e a fuga aos impostos. Mas, em contrapartida pode
fazer regredir o pouco que, apesar de tudo, tinha evoluído na abertura da
economia. Basta recordar que, antes do resgate, a Grécia mantinha centenas de
empresas nacionalizadas na década de 1980, quando na Europa já se privatizava,
o que fazia com que o Estado empregasse directamente 45% da população activa. O
poder dos políticos gregos sempre se baseou muito na distribuição de sinecuras
e convivia bem com sindicatos poderosos que tinham garantido que, nalgumas
empresas do Estado, se chegassem a pagar-se 18, 20 ou mesmo 22 ordenados por ano.
O número de funcionários públicos também era imenso: o dobro da média europeia
em proporção da população. Para além disso, eram pagos acima da média: um relatório da OCDE anterior ao resgate indica-nos que um terço do
total do dinheiro pago em salários em toda a economia grega era só para pagar
aos funcionários públicos.
Se este era o quadro geral, todos nos
recordamos da história dos 45 jardineiros que tratavam dos quatro arbustos de um
dos hospitais públicos de Atenas. Ou do Instituto para a Protecção do Lago
Kopais, um lago que está seco desde 1930. Ou de as filhas dos funcionários
públicos falecidos enquanto estas ainda eram menores receberem uma pensão
vitalícia.
E se o Estado gastava desta forma, e tinha
mais funcionários do que qualquer outro, não foi preciso chegar a austeridade
para não funcionar minimamente. Ainda hoje, por exemplo, entidades como a Transparency
Internacional combatem situações como as que eram prática corrente nos
hospitais, onde só com subornos se
conseguia uma consulta a tempo e horas, e só com subornos muito maiores se chegava
à mesa de operações. Era esse o sistema instituído e todos sabiam como ele
funcionava.
Enquanto isto, não se pagavam impostos.
Mais uma vez é famosa a história de os serviços tributários utilizarem
helicópteros para localizarem as casas com piscinas para poderem cobrar a
respectiva contribuição, mas é menos conhecido o facto de não existir na Grécia
um registo cadastral minimamente funcional que permitisse, por exemplo,
calcular um imposto equivalente ao IMI. Foi para tornear esse problema que esse
imposto começou a ser cobrado com a conta da electricidade, uma decisão tomada
no tempo da troika e que levou ao incumprimento e ao corte da luz a centenas de
milhares de gregos.
Um Estado clientelar e gigante, uma
economia dependente e corporativa, um sistema político nepotista e uma
sociedade civil habituada á corrupção e à dependência: não é possível imaginar
terreno mais fértil para, quando o dinheiro barato da moeda única começou a
chegar, se terem cometido todos os excessos. Todos os nossos problemas, que
eram e são muitos, são uma brincadeira de crianças ao lado dos gregos.
3. O terceiro mito é que foi o resgate que
estrangulou a Grécia, fez crescer a sua dívida, uma dívida que agora
é impagável.
Não há dúvida que quando a troika chegou a
Atenas cometeu muitos erros de abordagem, alguns dos quais até corrigiria
depois na Irlanda e em Portugal. Houve medidas de uma imensa brutalidade –
basta recordar que enquanto em Portugal se preservou e até se actualizaram as
pensões mais baixas, na Grécia nem prestações na casa dos 300 euros escaparam.
Mas essa é só uma parte da história. A
outra é que nunca, desde a primeira hora, o governo grego, os políticos gregos,
fizeram um real esforço para reformarem o seu país. Começavam sempre por dizer
que “não é possível”, “não vai funcionar”, acabavam por ceder depois de
culparem a Alemanha, e a seguir arrastavam os pés. No princípio chegou a
acontecer ter havido um acordo para reduzir os salários dos funcionários
públicos, uma condição imposta para a Grécia conseguir os primeiros empréstimos,
a lei ter saído e depois, nas costas do ministro das Finanças, vários membros
do Governo terem criado criaram novos suplementos remuneratórios que repunham
os vencimentos anteriores. Muitas leis exigidas nos acordos também foram
rapidamente aprovadas no parlamento para depois ficarem meses ou anos à espera
dos decretos regulamentares. Para ver a ineficiência com que o programa foi
aplicado basta lembrar que com dois resgates, mais quase dois anos de
troika do que nós e um sector público muito maior do que o nosso, as receitas
das privatizações gregas nem chegam a ser metade das conseguidas no nosso país.
Não surpreende assim que a espiral
recessiva que tantos previram para o nosso país e que não se materializou,
tenha na Grécia provocado uma queda de 25% do PIB. Mesmo assim é necessário
colocar de novo as coisas em prespectiva: apesar dessa queda, o PIB per capita,
em paridade de poder de compra, dos gregos é neste momento sensivelmente igual
ao dos portugueses. O nosso salário mínimo também é menor do que o grego,
e muito menor ficará se o Syriza levar por diante as suas intenções.
Tudo isto mostra que, se por lá a
“catástrofe” é assim tão grande, não é por falta de riqueza, é pela conjugação
de muitas destes factores de que tenho vindo a falar e que convenientemente são
sempre esquecidos. Mais: na última reunião do Eurogrupo os ministros das
Finanças da Eslováquia, da
Eslovénia ou de Malta lembraram que mesmo sendo nos seus
países, na altura, menor o PIB per capita, eles mesmo assim emprestaram
dinheiro aos gregos. Já alguns ministros de antigos países do
Leste recordaram a Varoufakis que aquilo que tinham
emprestado correspondia ao que gastavam em subsídios de desemprego.
Resta o argumento final: a dívida não é
sustentável, pelo que a Grécia precisa ainda de mais ajuda (mais dinheiro) da
Europa. Mais uma vez estamos perante uma “verdade mediática” que lida mal com a
realidade dos factos. Primeiro, porque nenhum outro país do grupo dos que foram
resgatados beneficiou até hoje de um perdão de dívida como a Grécia já
teve. Foi em 2012, representou cerca de metade da dívida que estava então em
mãos de privados e tirou do deve e haver da Grécia 100 mil milhões de euros,
uma quantia que, se fossemos nós os beneficiados, nos aliviaria de muitas
das nossas aflições. Nessa operação dois bancos portugueses, o BCP e o BPI,
perderam 590 milhões de euros, dinheiro que fez muita falta ao financiamento da
nossa economia.
Mas o ponto principal nem sequer é esse. A
Grécia já tem condições muito melhores do que Portugal ou a Irlanda – prazos
mais dilatados, melhores juros, carência no pagamento desses juros. O resultado
é que enquanto nós, com uma dívida proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB
contra 180%), pagamos o equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre
2,5% e 3,6%. Ou seja, a dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que
conta. Mais: não somos só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de
juros superior à dos gregos, os italianos e os irlandeses também estão na mesma
situação.
4. O quarto e último mito é que, liberta
(de novo) de parte da dívida, a Grécia voltaria a crescer, a ser próspera e,
por isso, pagaria mais facilmente o remanescente dos empréstimos.
Não há nenhum político que não goste de
ter dinheiro para gastar e distribuir. Não é preciso ter “consciência social”,
basta querer ser reeleito. Por isso a simples ideia de que haveria mais
dinheiro no orçamento porque passaria a haver menos dinheiro para pagar juros é
muito tentadora. Já é muito menos evidente que isso induzisse um crescimento
económico sustentável e é fácil ver porquê. Primeiro, temos a experiência do
passado: dinheiro barato e abundante foi o que a Grécia teve até à crise de
2008, mas isso não deixou a sua economia mais forte e mais competitiva, bem
pelo contrário. Depois, temos a evidência das reformas que ficaram pela metade,
o que significa que a Grécia está muito longe de estar em condições para
concorrer num mundo globalizado permanecendo, ao mesmo tempo, no
colete-de-forças de uma moeda única. Finalmente, há o programa do Syriza, o
possível retrocesso em algumas dessas reformas e o regresso a um passado
próprio de uma economia fechada, protegida e ineficiente.
Um bom exemplo daquilo de que falamos é o que se passa no
Porto do Pireu. Um terço
foi privatizado e é hoje gerido por uma companhia chinesa. É eficiente, é um
modelo de organização, tem cada vez mais movimento e faz cada vez mais negócio.
Os outros dois terços continuam nas mãos do Estado – e dos sindicatos – e
continuam a perder clientes e movimento, sendo um espaço sujo e por vezes
degradado. Neste momento ninguém ainda percebeu se este pedaço do porto do
Pireu vai acabar por ser privatizado, como estava previsto e parece ser vontade
do ministro das Finanças, ou se tudo fica como está, como quer o ministro da
Marinha.
A vitória do Syriza talvez mude alguma
coisa na cultura de nepotismo que sempre dominou a política grega, pode ser que
até consiga combater a corrupção com mais eficácia e até ser mais diligente no
combate à evasão fiscal. Mas essa vitória não mudou a natureza da Grécia
nem os seus hábitos culturais: só a perspectiva de que ia ganhar levou milhões
de gregos a deixarem da pagar impostos, abrindo num só mês um buraco de 1,6 mil
milhões de euros, buraco que tornou ainda mais difícil a vida ao Governo que
depois elegeram.
É por estas e por outras – e por tudo o
que distancia a Grécia de ser um país capaz de cumprir com as regras de uma
união monetária – que não vejo forma de esta não voltar ao dracma, mas cedo ou
mais tarde. Sendo que nestas coisas mais cedo costuma ser melhor do que mais
tarde.” Em http://observador.pt/opiniao/autor/jmf1957/
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