Fraqueza
de identidade nacional faz do Português o Imigrante modelar
Por António
Justo
O emigrante português é feito de céu e terra, movimenta-se entre cidadão e
estrangeiro sendo sua bandeira a saudade onde ventos estranhos movem a
recordação. Nele mora o fado, aquela dor do mundo que o torna irmão de toda a
criatura e de todos os povos. Como a onda do mar sente que o seu eu se constrói
a partir do nós, por isso sofre o todo na parte e goza a parte no todo. Sob o
cânone luso “à terra onde fores ter faz como vires fazer”, o português torna-se
num imigrante adaptado. Neste sentido, talvez o português e o brasileiro sejam
dos povos menos complicados e mais agradáveis, nos países de recepção, porque
reconhecem e vivem a interculturalidade na consciência de que são ao mesmo
tempo onda e mar (parte de um todo). O Povo português é especialista em integração
como revela a sua maneira de estar diferente da de outros povos, quer em termos
de colonização quer na qualidade de imigrantes.
Presença
portuguesa e Visibilidade da sua Identidade cultural
O português não é estranho nas nações onde chega porque estranha é já nele
a condição. Enquanto outros estrangeiros se integram e outros constroem as
barricadas dos seus guetos, o português, geralmente, deixa-se assimilar
reservando a portugalidade para a alma. É do génio português ter uma
cidadania alargada (ser francês com os franceses, suíço com os suíços, alemão
com os alemães…), nele palpita a alma universal. O emigrante é ele e as suas
circunstâncias – é cidadania sem cidade na procura de uma identidade alargada.
Nas suas asas traz o longe, nos seus pés traz o perto e no seu desejo a vontade
de se tornar uma personalidade implantada.
Numa sociedade de templo profanado em que cada um faz dela um mercado,
seria óbvio que o português acentuasse a sua identidade e expressasse não só
como indivíduo mas como povo com missão universal; é importante tornar mais
visível, no âmbito das instituições, a sua característica portuguesa, de
humanidade e universalidade através de maior intervenção activa social,
cultural, política e empresarial. Portugal que deu mundos ao mundo precisa de
reflectir a sua identidade, não acentuando tanto a ideologia que ele assimilou
da França nos tempos modernos mas mais o espírito europeu que o tornou grande
no mundo, ao tornar-se expressão da Europa, através dos descobrimentos e da
emigração. Neste sentido, tem também na Suíça o bom exemplo de uma nação
pequena, mas também ela grande por ter sabido manter viva e cultivar no seu
povo, a tradição do seu génio. A comunidade portuguesa radicada na Suíça
pode reconhecer na bandeira suíça aquele sinal comum característico da sua
identidade que os tornou grandes e lhes concederá perpetuidade.
Toda a vida individual e cultural é processo de identificação, um contínuo
fluir para a realização e para a verdade. Nascemos como indivíduos, formando
pouco a pouco a nossa identidade / consciência, num acumular de camadas
formadas de educação e experiência de vida que determinam o nosso ser de
pessoa. A formação da identidade consciente (personalidade – aquilo que dá
visibilidade) acontece de maneira privilegiada num espaço livre que proporciona
vestígios individuais e culturais adaptados à geografia e à cultura em
diferentes ramos de expressão.
Portugal tem de recuperar a consciência de si não esbanjando a força da
tensão que o tornaria forte se não resolvesse muitos dos seus problemas apenas
com o tubo de escape que é a emigração. Antoine de Saint-Exupéry constatava: “O
mundo inteiro afasta-se quando vê passar um Homem que sabe para onde vai”!
(Esta é a diferença que marca na migração um cidadão ocidental e um cidadão
muçulmano). Aquilo que se pode revelar como fraqueza de identidade nacional
e faz do português o migrante modelar não é só fraqueza é também testemunho de
alma grande e de ideário universal. O português não se deixa aprisionar em
termos de cultura, quer ser ele e mundo sem ser metido numa gaveta.
A nossa existência não se expressa só como
indivíduos mas também como comunidade. A ignoração da identidade do povo conduz
à apatia das massas e à morte da colectividade. O português, na qualidade de cidadão e de povo,
continua a ter algo especial que é o seu sal, muito necessário para ajudar a
temperar a vida dos povos do mundo numa consciência simples de irmãos que em
conjunto querem celebrar a festa da vida.
Os portugueses no estrangeiro sobressaem pela
fraqueza de identidade nacional que os torna, por vezes invisíveis onde vivem e
consequentemente muito queridos em todas as sociedades acolhedoras. Enquanto outras etnias se afirmam, por
vezes, pela negativa, contrapondo-se à cultura que os acolhe, os portugueses
deixam-se assimilar facilmente, perdendo já na segunda e terceira geração o
perfil exterior de português. Tanto a afirmação pelo gueto como o
desaparecer pela assimilação não passam de extremos que deveriam ser resolvidos
através de uma integração consciente na sociedade acolhedora. Não somos apenas
indivíduos mas também povo. Uma política baseada na multicultura e no gueto
contradiz o desenvolvimento cultural e social dos povos; este acontece num
processo natural de intercultura, numa atitude aberta e benevolente de dar e
receber, tal como mostraram os portugueses com o interculturalismo no Brasil.
Acolhedores e acolhidos enriquecem-se mutuamente dando assim oportunidade ao
desenvolvimento.
Não chega fortalecer
elos pessoais de ligação urge criar estruturas
Portugal e os portugueses são portadores de uma grande cultura, não
precisam de se esconder; com os descobrimentos, foi o povo da Europa que no
século XIV e XV mais contribuiu para o desenvolvimento da humanidade, criando
pontes entre continentes e civilizações. Daí a naturalidade de uma auto-estima
que se quer mais presente num assumir de responsabilidades nas instituições
culturais e políticas dos países hospedeiros. O esforço dos partidos
portugueses no sentido de estarem presentes na emigração através dos deputados
torna-se anacrónico se não acompanhado por uma política e uma estratégia de
integração de emigrantes nas diferentes instituições dos países de imigração. Seria
um equívoco centrar o discurso político em torno de quatro deputados (partidos)
para a emigração e deste modo distrair o português da iminente necessidade de
ele se integrar nas estruturas políticas das nações onde se encontram. Estas
manifestam o grau de cidadania e de identidade dos grupos inseridos numa
sociedade.
Uma identidade individual fraca enfraquece a
identidade da comunidade e vice-versa. Numa altura em que a prática política europeia se
manifesta doentia será preciso que cada pessoa e cada país redescubram a
substância da sua identidade para poder assumir a responsabilidade e a missão
como cidadãos e comunidades na construção de uma Europa à altura dos seus
antepassados.
O 25 de Abril de 74, na resposta às exigências inovadoras do Vaticano II
bem como à revolução 68 e à necessidade de democratizar Portugal, possibilitou
novas experiências numa sociedade cada vez mais complexa a agir como colectivo
no concerto das nações europeias. Como identidade colectiva histórica que
sempre construiu pontes interculturais, resta-lhe consciencializar-se da sua
tarefa e corporalidade necessárias em diáspora. A identidade é processo vivo,
nunca acabado, entre cidadão e sociedade na construção da própria casa, da casa
portuguesa, da casa onde nos encontramos e da casa universal, a que demos resposta
outrora com os descobrimentos. Numa altura em que a Europa atravessa uma forte
crise de identidade torna-se importante a consciencialização e fomento da
própria identidade na relação com as identidades vizinhas. A diferença
(identidade) é a constante natural na evolução de um todo feito de
complementaridades (A Suíça é um país com uma democracia onde toda a Europa
pode aprender).
Atendendo à fraca capacidade organizativa das
comunidades portuguesas seria lógica uma preocupação primordial do Estado
português em fomentar o associacionismo, tal como fez a Igreja nos princípios
da emigração dos anos 60 na Europa. Não chega o amor dos portugueses e seus
descendentes pelo país de seus pais e avós, é preciso que os governos
implementem activamente a organização associativa no sentido de Portugal se
tornar social e institucionalmente mais visível e presente. Não chegam elos de ligação, são precisas
estruturas organizadas que possibilitem um rosto colectivo que mantem vivas as
tradições e ideais do Portugal maior. Portugal é festa é celebração e como tal
precisa de mais organização para melhor possibilitar uma sociedade global em
festa...
Toda a sociedade civil política e religiosa deverá empenhar-se no sentido
de impedir os défices de identidade. A nova geração emigrante traz pressupostos
que lhe facilitariam uma maior visibilidade social. As diversas associações
sociais, religiosas e culturais têm aqui uma missão de relevo de modo a
preencher também o vácuo da burocracia diplomática e parlamentar. Como contraposto
à ilusão política permanece a acção individual e associativa. Necessita-se mais e mais construir uma nacionalidade
espiritual, o portuguesismo de rosto universal, a ser reconhecido pelo sistema
político parlamentar para que nessa qualidade fomente as associações e
iniciativas num agir intercultural inclusivo. Em comunidades passadas a
influência da massa era esmagadora, hoje espera-se mais do indivíduo na
renovação das comunidades.
A verdadeira integração dá-se na convivência do dia-a-dia com os vizinhos e
expressa-se no mercado de trabalho, a nível empresarial, na cultura e na
política. A identidade social organiza-se principalmente em torno da língua e
da cultura (religião) o que, contudo, nos não deve levar aos exageros da
estratégia árabe. Não existe uma sociedade concreta nem abstracta que se possa
basear apenas num senso comum de paz, liberdade e justiça. Isto permanece um
sonho que deverá levar à formação de identidades abertas nesse sentido mas
nunca se conseguirá porque a identidade pressupõe a diferença. O filósofo
Auguste Comte defendia a ideia de que uma sociedade sem religião não pode
subsistir, desintegrando-se com o tempo nas redes da polis. De facto também a
autonomia é um sonho necessário mas não alcançável. A solidão experimentada na contemplação
do mar ou das estrelas cria a consciência da necessidade de um todo.
Facit: Torna-se urgente uma maior participação na vida social do país de
acolhimento e na política através de uma participação activa e filiação nos
diferentes partidos do país de acolhimento. Esta seria a melhor exemplo de
integração, um testemunho de cidadania e uma maneira de dar rosto a Portugal.
(1)
António da
Cunha Duarte Justo
(1) Minha
homenagem ao 10 de Junho – o dia de Portugal e das comunidades portuguesas (aparecerá em livro!)
4 comentários:
Caro Dr. António Justo:
Não concordo com a sua perspectiva geral em relação aos portugueses. Os portugueses, mesmo os mais humildes e de fracos instrumentos de autodefesa cultural, têm pelo lado de dentro da cabeça a esfera armilar de Portugal e dos descobrimentos. E Nela, há lugar para todas as Nações, com na última Ceia de Cristo, que ostenta na sua sala de jantar em cada casa portuguesa. Por isso navegam, mesmo às vezes, sem barco. E o homem do leme tremeu e disse….!
Como gostaria de ter o tempo necessário para ler os seus artigos na totalidade, a maioria das vezes profundamente reflexivas mas também extensos. O que por esse motivo me impede de prosseguir em continuidade.
Por favor! Escreva o mesmo, mas abuse mais da organização titulada do seu texto que ensaia muito bem.
Cumprimentos
LMC
Caro Professor
De acordo. Não vejo no meu artigo nada que contradiga a sua visão. Apenas a intenção de chamar a atenção do governo e instituições para no estrangeiro cuidarem de dar rosto à grandeza e universalidade que os emigrantes trazem no coração e por vezes não conseguem dar expressão para a sociedade acolhedora por falta de organização ou apoio organizativo. Constato com mágoa que muitos se deixam assimilar pelo facto de viverem isolados perderem tradições e até o hábito de organizarem encontros e festas.
Atenciosamente
António Justo
Caro Dr. António Justo:
Não me leve a mal. Gostei do que escreveu! Precisamos lançar a aoto-estima nacional para cima
Escrevi: “Não concordo com a sua perspectiva geral em relação aos portugueses…”
Trata-se do relevo da autoflagelação, compaixão ou misericórdia? Penso que não é o caso. Em sofrimento, todos dizemos ai! Onde está o meu colo?!
Mas precisamos da Esperança!
Portugal não pode perder a Esperança, nem os portugueses!
As minhas palavras são de aconchego arrebitador e não de bota a baixo.
Cumprimentos e estima!
LMC
Prezado Professor,
Muito obrigado. Muitas vezes, a perspectiva que lanço em relação a portugueses tem como panorama a emigração portuguesa. A necessidade de “auto-estima” como afirma, é realmente, pelo que observo na Internet, um ponto fraco de portugueses que se digladiam em lutas partidárias, por vezes à margem da dignidade humana do outro, denegrindo uma parte de Portugal; um outro aspecto crítico talvez venha da observação da afirmação em Portugal de um certo espírito estrangeirado contra a tradição, que observo depois da revolução. Os emigrantes continuam entregues a si mesmos sem grande empenho por parte do Estado. Em todo o meu acompanhamento e intervenção no meio migrante só pude observar empenho por parte do Estado nos anos 80. Depois surgiu uma ou outra iniciativa mais ou menos oportuna.
Penso que “o relevo da autoflagelação, compaixão ou misericórdia” poderá expressar o sentido crítico mas não justificara certamente a falta de esperança. Talvez o português, com um lugar e um destino assinalado: a humanidade e a universalidade, sofra não só a parte que lhe pertence mas por vezes também a dos outros, sofre e vive o mundo nele. Quando falo de compaixão entendo-a no sentido cristão de altruísmo, ressonância, sintonia, empatia e capacidade de embarcar com os outros; reconheço tudo isto também na palavra saudade.
Muito obrigado por suas achegas ou críticas que me obrigam a pensar mais.
Com muita consideração e agradecimento.
António Justo
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