Pós-facto - a palavra do ano no discurso do populismo das
elites e do povo
António Justo
A
palavra do ano
A Sociedade para a Língua Alemã (SLA)
escolheu a palavra pós-facto como palavra do ano 2016. Fundamentou a sua
escolha no argumento de que nas discussões sociais e políticas valem mais as
emoções do que os argumentos e os factos. Na Alemanha surgiram movimentos
populares que se queixam da “imprensa mentirosa” por esconder aspectos
negativos relativos aos refugiados/estrangeiros e acusando a política de andar
atrás dos acontecimentos e só reagir “a posteriori” à crise dos refugiados,
etc. Como pano de fundo, a SLA considera o resultado do referendo e das
eleições que tiveram como consequência o Brexit e a eleição de Trump como fruto
da emoção e não da razão. Assim, a opinião pública já não se orienta pela
exigência da verdade mas pelo sentimento da verdade. O jornalismo representante
da classe estabelecida classifica o Brexit, a eleição de Trump e a crítica geral
à política de refugiados como resultado do populismo.
Populismo tornou-se em palavra de ordem
Daí o uso da palavra populismo de
maneira inflacionária por críticos e criticados e em especial pelo jornalismo
estabelecido que comenta as novas formações políticas (críticas do regime) como
meramente baixas e emocionais à margem de argumentos. A palavra populismo ou
populista é conotada depreciativamente por cheirar demasiado a povo e usar
palavras demasiado claras e simples numa retórica que se quer complicada.
A emocionalização da sociedade e da política evita deixar
espaço para argumentos e factos. Prescinde-se da argumentação porque chegamos
ao “quem pode pode e quem pode manda”! No discurso o sentimento passa a ter
mais importância que a razão factual. Este fenómeno é de observar tanto na retórica
elitista como na popular.
A
classe política e jornalística também usa palavras discriminatórias e
emocionais para classificar o novo fenómeno que considera refutado pelo facto
de o denominar de populismo ou populista; em vez de usar argumentos contra as teses e aspirações deste, o
jornalismo, considerado sério, abusa deles e do público que informa ao fazer uso
de adjectivação negativa e de palavras emocionais como "populistas", “intolerantes”,
"racistas", "discriminadores", “pós-fácticos”, "direitas",
"fundamentalistas", etc e ao evitar discutir os seus argumentos.
Em vez de entrarem numa discussão séria
sobre as questões que aqueles levantam, entram numa verdadeira campanha de
difamação do adversário ou de quem se torne incómodo. Alimentam-se das mesmas emoções
que condenam nos outros (p.ex. AfD).
Exemplo de manipulação grosseira
Para dar um exemplo do que está em jogo
refiro aqui o que observei num canal de notícias da TV pública alemã,
relativamente ao governo da Polónia, que não alinhava na política de asilo que
a Alemanha queria impor à UE; na notícia o emissor televisivo apresentou
pessoas do governo polonês a preto e branco e de forma ralentada. O povo inocente
que vê as imagens de tal notícia, numa televisão a cores, nem nota que a
apresentação das referidas pessoas a preto e branco cria inconscientemente no
espectador a ideia de um governo atrasado e das imagens em câmara lenta sugere
um caracter ameaçador! O mesmo se observa em reportagens em que se quer dar a impressão
de haver muita gente embora havendo pouca, filmando os poucos de forma
continuada mas de várias perspectivas, ou para manipular empatia
apresentarem-se imagens de crianças ou mulheres que choram e não outras mais
características e relevantes para compreensão da situação. Isto é manipulação
banal em programas informativos que se suporiam objectivos e independentes na informação!
A sabedoria popular costuma dizer que “em casa
sem pão todos ralham e ninguém tem razão”; no caso talvez fosse mais apropriado
dizer que todos ralham porque todos têm razão e o alarido que se nota nos meios
de comunicação social é devido ao facto de haver uns que teriam muito a perder
e outros que quereriam ganhar algum! Na nossa praça
pública, na luta de interesses contra interesses ganha quem tem o megafone na mão.
Temos o populismo dos de baixo contraposto à arrogância do ‘superiorismo’ dos
de cima. Um caminho para a solução seria cada grupo deixar de
projectar as suas sombras no outro, para poder superar situações unilaterais polares.
© António da
Cunha Duarte Justo
Pegadas do Espírito no Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4108
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