No Rescaldo do Segundo Pedrógão Grande (64+42 mortos)
António Justo
Desta vez as labaredas dos fogos, juntas ao silêncio dos seus novos 42
mortos, acordaram o Presidente Rebelo de Sousa, levando-o à província onde a
vida se sofre e sente (Oliveira do Hospital); aqui pediu contas aos
governantes, com um discurso iluminado.
Numa hora em que já não chegam os sentimentos para governar a nação, Rebelo
de Sousa constatou: “O certo é que a
fragilidade existiu e existe e atingiu os poderes públicos e exige uma resposta
rápida e convincente”; Marcelo quer a humanização da política portuguesa;
talvez demasiada exigência para um Estado habituado a dar abrigo aos seus boys
e a deixar o povo na rua!
Costa pode continuar descansado, Rebelo de Sousa não é Sampaio!
O aviso do Presidente não
pode ser motivo para a direita empolar nem para a esquerda se responsabilizar;
num habitual regime de amigos, o Estado é meio e não fim. Pedro
Siza Vieira, consultor do governo, velho colega de faculdade de António Costa, passa
a novo ministro adjunto e o confrade Eduardo Cabrita assume o MAI. Costa pode continuar
descansado, Marcelo não é Sampaio!
A fumarada sempre existiu, apenas iludida por alguns outonos soalheiros num
entardecer já demasiado longo que as labaredas dos fogos vêm pôr mais à vista. A
Geringonça só foi possível contra o voto maioritário do povo, num parlamento espelho
de um país demasiadamente virado para uma esquerda de tradição jacobina. Este
país é muito equilibrado, não gera criminosos só suspeitos.
Os fogos seriam uma trágica oportunidade para o povo português conseguir
maior equilíbrio político e cultural.
Uma sociedade que só gera extremismo de um lado do hemiciclo parlamentar terá
de continuar sempre a mancar e nas pausas a olhar para o ar, à espera que
melhore o tempo!
Uma política, a jogar entre Estado e povo, com um António Costa às fintas
entre governo e parlamento não oferece sustentabilidade criadora de futuro; a confiança não se gera com palavreado,
embora o inconsciente português sinta que “com papas e bolos se enganam os
tolos”. Um Estado adulto não poderia servir o país baseando o seu atuar em
compromissos de interesses partidários sem que os partidos estabeleçam um
compromisso com o povo.
A esquerda radical
portuguesa pode atuar descansada; sem adversários, basta-lhe falar de uma
ultradireita, só presente na sua fantasia, para justificar a real existência do
radicalismo de esquerda (em psicologia, a este fenómeno, chama-se projecção!).
A esquerda moderada vai-se aproveitando bem deste fenómeno, pois até dá a
impressão de sere um conglomerado temperado representante do centro popular.
Num país político, de
consciência sem pesos nem medidas, a culpa vive num beco sem saída e a
responsabilidade também;
não é o sentido de responsabilidade que o orienta e desculpa, mas a consciência
política embotada de um estado de graça garantido pela culpa (dívida) sempre
coberta por um Estado em estado sem cobertura, mas que serve de para-raios a
quem se instala debaixo dele. Mas a vida é assim: o poder não se merece, apanha-se e a maioria ainda não notou isso.
Entre o sobressalto da tragédia e as insónias de sonhos de um futuro
fumegante, o presidente acordou e falou para um povo sonâmbulo de ouvido surdo
e olhar vidrado numa música distante.
António Costa não pode varrer a casa porque só tem o cabo da vassoura, a
vassoura encontra-se no Parlamento. O problema é que a Geringonça, com o seu
parlamento, quer ser esquerda responsável e esquerda radical ao mesmo tempo.
António da Cunha Duarte
Justo
Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4488
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