Amar e ser
amado entre egoísmo e altruísmo
Por António Justo
Se fores capaz de transmitir a alguém
o sentimento de ser amado, de ser considerado e ser aceite, ele acreditará em
si mesmo e a sua autoconfiança fará milagres.
O eu faz parte do nós e o nós expressa o encontro com o
tu que leva ao reconhecimento do eu como relação em torno do amor.
O egoísmo está presente em todo o ser
humano; faz parte da energia que conduz à identificação e à diversidade. Egoísmo
e altruísmo são atitudes que se requerem em certo equilíbrio.
Na
nossa vida do dia-a-dia verificamos que amar alguém, gostar de uma coisa ou de
um ideal implica entrega e que fazer algo ou dedicar-se a alguém, desinteressadamente,
traz consigo a consciência de que o serviço prestado, reverte também em benefício
de si mesmo sem ter sido pretendido. A alegria, que se proporciona a outrem,
recebe-se de volta, na ressonância de uma satisfação comum. Isto implica altruísmo,
mas sem auto-negação.
A
necessidade de identificação, de reconhecimento e o grau de narcisismo próprio
levam-nos a navegar entre amor próprio, auto-negação e amor autêntico a si
mesmo.
A consideração
pelos outros (altruísmo) é saudável se não se realiza à custa do próprio
bem-estar. Sofrer ou tortura-se para que alguém se sinta feliz, a ponto de
desconsiderar as próprias necessidades e de não considerar os próprios limites,
leva uma pessoa a não se dar conta de si nem dos próprios sinais psíquicos nem
físicos que, não tomados a sério, acabam em doenças. A natureza vive do esforço
individual e comum, no respeito pelas necessidades de cada um. Sem entrega nem
esforço não há transformação nem desenvolvimento. A vida define-se como relação
aberta na procura de autonomia individual. Geralmente a energia mais acentuada
é o egoísmo.
Dá-se
desrespeito e autoexploração quando se exagera no altruísmo por razões de
perfeccionismo ou excesso de ênfase no dar resposta ao que outros esperam de
nós. Muitos tornam-se vítimas das
espectativas dos outros e aquela energia positiva despendida, que deveria
provocar satisfação, torna-se em incómodo por ter sido tirada à custa da
própria substância e não do que transbordava dela.
O
oposto destas atitudes e comportamentos (egoísmo exacerbado) acontece num outro
tipo de pessoas que estão tão fascinadas de si mesmas (narcisismo) que só veem
o mundo e os outros na própria perspectiva, crivando a realidade pelos próprios
interesses; o narcisista ama a imagem de
si mesmo a ponto de viver enamorado do seu ego. A falta de reflexão e a
inexistente sintonia/compaixão com o outro leva o/a narcisista a não notar as
necessidades do outro e a viver num mundo infantil, no ego de príncipes
encantados.
Auto-obsessão no amor próprio
Para
se poder avaliar do grau doentio do amor próprio (grau de narcisismo) há que
observar critérios patológicos como
egocentrismo, sentimento de superioridade, auto-obsessão, falta de empatia, forte
susceptibilidade (expressa no conto “A Princesa e a Ervilha), desvalorização e
exploração de outros.
Por trás do fanatismo também se
encontra sempre narcisismo e um sentimento de inferioridade a querer ser
compensado. Nele o ego é tão
embalonado que sobe sem reconhecer o próximo (ou usa-o como pretexto ao serviço
da sua ilusão); geralmente vive centrado na mente e só se identifica com algo
longínquo que o ultrapassa, embora reprogramado no próprio ego. Orienta-se por
slogans que ele próprio escolheu, conferindo-se assim um sentimento de
soberania e de poder.
A sociedade ocidental é
cada vez mais narcisista. O narcisismo é um amor próprio aparente; na realidade
está preso a sensações de inferioridade e falta de amor próprio equilibrado.
Todo o narcisismo é egoísta, mas nem todo o
egoísta é um narcisista. O ego (amor próprio doentio) manifesta-se sob três
tendências: possuir, dominar e/ou querer ter valor (ser importante). Se uma
destas três características tiver um valor acentuado então poder-se-ia falar de
egoísmo sublinhado.
“Nunca me ligaram” – A falta
de autoconfiança – Fuga a si mesmo
A
tendência egoísta, se demasiadamente acentuada, é sintoma de carência afectiva
e falta de empatia; provem de um buraco na personalidade, que poderá vir da falta
de apreciação na infância (a experiência inconsciente do “nunca me ligaram” ou
de uma infância do “laissez faire” onde tudo lhe foi removido do caminho; sem
necessidade de enfrentar obstáculos não teve ocasião de se situar, nem de criar
raízes estáveis de relação. Então fica pela vida fora uma falta de
autoconsciência que se compensa e sacia na realização automatista de um
programa desastroso outrora aprendido e internalizado.
Esta programação inconsciente provém
de um sentimento internalizado do " Eu não sou Ok”, "Eu não tenho
valor", "não sou bem-vindo", "Não sou suficiente”, etc. Tanta criança arma teatro e até dança em torno dos
pais e dos educadores, tal como o gato ao encostar-se às pernas do dono, mas
sem conseguir obter a atenção e dedicação devidas porque o adulto, no momento,
se encontra fechado nele, alheado no seu mundo de pensamentos, longe da
situação; encontra-se a viver um outro filme, num outro mundo que não é o seu,
nem o da criança…
Esta
amarga experiência infantil, somada a muitas outras, cria um buraco na alma
daquela personalidade que passa a ter a necessidade de se destacar perante os
outros – tem a necessidade de ser em
tudo super, para poder sentir-se aceite e amada; nessa necessidade, mendiga
agora a atenção que não teve e, em consequência disso, é incapaz de se
definir por si mesma, de descansar em si mesma e de fazer as pazes também com
os próprios defeitos.
Foi
programada por alguém tipo árvore frondosa que não deixa vingar nada debaixo
dela nem a seu lado, (talvez por alguém com trastorno limite de personalidade –
narcisista-borderline), que faz da criança uma escrava ao serviço da sua
vaidade. Conheci tais pessoas que só viam os outros em função delas e isto
chegava ao extremo de abusar da criança que quando chamada, sistematicamente,
tinha de deixar tudo imediatamente e correr, sem ter direito ao tempo dela, sem
um momento de pausa para se dar conta do próprio existir e das próprias
necessidades (nela passou a existir as necessidades dos outros): o pai/mãe
chamou, sem respeito pelo que a criança estava a fazer, e a criança ficou automaticamente
comprometida com a vontade alheia; aprendeu a responder às necessidades do
outro sem ter em conta a própria necessidade, passando a ser uma estrutura interrompida; a criança não teve tempo para
construir a autoconfiança que vem da capacidade de dar resposta a si mesma e
aos outros num ambiente de amor,
consideração e aceitação. Agora, como adulta continua a responder à
necessidade de ser perfeita ou de parecer perfeita.
Como
vivemos numa sociedade de apelo ao narcisismo, a sua tendência para a auto-optimização,
de ser cada vez mais bonita, melhor e de subir mais alto, leva-a, ainda mais, a
viver fora dela. A consequência pode ser o desenvolvimento de uma personalidade
com uma atitude desafiadora e intolerante para consigo e para com os outros (ou
uma pessoa sempre a correr atrás de gurus narcisistas porque a sabedoria
interior foi perturbada).
Muitas vezes, pessoas estruturadas
desta maneira são condicionadas a procurar compensar o buraco psíquico com o
perfeccionismo ou com um sentimento insaciável da necessidade de produzir
sempre mais e melhor; nunca se sentem satisfeitas com o que fazem porque uma
força internalizada lhes diz que, para serem boas, têm de ser melhores e
produzir mais para serem aceites pelos outros! Sentem-se sempre
incompletas; e como o stress não resolve problemas acumulam ainda outras
inconveniências.
Amor próprio equilibrado entre
egoísmo e altruísmo
Nem
mais nem menos: “Ama o próximo como a ti mesmo”, adverte o Evangelho! O
pressuposto para se amar verdadeiramente o próximo prevê primeiro o amor a si
mesmo.
Se nos observamos bem a nós e ao mundo,
notaremos que tudo é relação (relacionamento parentesco). Sem um tu não há um
eu e sem um eu não há um tu e só no reconhecimento recíproco se dá lugar ao
nós.
Nos
polos equilibrados, do egoísmo (amor a si mesmo) e do altruísmo (amor ao
próximo), gera-se a sintonia/compaixão (em termos religiosos, a caridade) sem
tirar a responsabilidade ao outro nem a liberdade a si mesmo. O verdadeiro
altruísta não se satisfaz com o resultado do seu bem-fazer porque sente a
legítima satisfação da relação com o outro na gratidão e na alegria que dimana
no todo.
O Homem não pode ser apenas um fim em
si nem sequer um meio para a finalidade dos outros. Através do próximo chegamos à consciência do eu que é o
encontro das relações. Em torno da palavra eu se forma o Homem e a humanidade na
consciência de serem identidade em processo e a caminho de uma meta que não é o
colectivismo, mas a comunidade, à imagem da fórmula trinitária onde o eu
pessoal e o nós se reúnem e expressam em pessoa.
Se
no nosso interior há tempestade não é saudável compensar o desequilíbrio da
alta ou baixa pressão em nós, mediante a abertura de um ventículo para o
exterior, uma adição; esta pode substituir o sintoma por algum tempo, mas volta
imprevistamente. Primeiro há que alcançar a bonomia, a bonança dentro de nós
para que a nossa acção se torne benéfica ad intra e ad extra. Uma certa tensão é
sempre necessária douto modo a vida tornar-se-ia num “buraco negro” …
O
altruismo saudável não funciona para acalmar a má consciência nem tão-pouco para
afugentar o medo. Quem exagera no altruísmo, para adquirir reconhecimento,
facilmente cairá em depressão ou Burnout!
A auto-realização implica um egoísmo
sadio, um egoísmo sem egocentrismo. Também
estamos chamados a promover o bem alheio, mas não à custa da própria felicidade.
Uma pessoa contente transmite contentamento aos outros; uma pessoa infeliz anda
envolvida pelo manto da escuridão e propaga o escuro nos outros.
Segundo investigações psicológicas 75%
das pessoas agem devido a influências exteriores sem saberem, muitas vezes, o
que é importante para si.
Há
muitas pessoas com um padrão comportamental de tendência altruísta que chegam a
colocar a defesa da vida do grupo acima da individual. e uma maneira de se
tornar reconhecido e aceite, uma tendência natural a ajudar os outros.
Uma
dedicação despreocupada ao próximo faz parte do desenvolvimento pessoal
espiritual e psicológico…. Quando for capaz de descansar em mim mesmo, sem
necessidade de andar sempre a arranjar a casa do meu eu ou do próximo e quando
sentir o sol do carinho que em mim brilha independentemente dos defeitos que
tenha, então o sol interior irradiará na minha atuação e na minha atitude para
o exterior.
Então
compreenderei a satisfação do gato e do cão que – sem a necessidade de
controlar ou de se controlar - despreocupadamente se rola no chão, de pernas
para o ar, vivendo, de maneira aberta, a satisfação do momento sem qualquer
medo nem receio.
Por
vezes há pessoas que passam uma vida sacrificando-se para os outros. Esquecem
que temos esta vida para também treinarmos e aprendermos aquela alegria e gozo
que, sem adiamentos, antecipa a realização futura. Somos individuações na
comunidade.
Neste
sentido, a primeira tarefa será aprender a amar-se, criando assim o fundamento
para se poder mudar. Doutro modo anda-se a dar aos outros a compensação do amor
que nos foi negado e nos faltou. Uma vida, realizada na alegria do viver,
proporciona a resposta dos outros no respeito, amor e sintonia; então não se é
enganado nem se engana o próximo com amores nem dedicações esforçados. Surge
então o calor do dar e receber da mesma energia divina (amor) que flui dentro e
fora no nós.
Deus
criou-nos a nós tal como criou o sol e em nós colocou a sua energia que vem de
dentro para fora, do interior para o exterior. A opção pela autonegação
dedicando-se só aos outros é tão perigosa como a dedicação só a si mesmo porque
ambos surgiriam, não da realização e da riqueza, mas da falta que conduz a uma
abnegação desequilibrada. O sol divino tem de brilhar primeiramente em nós para
nos abrir e através de nós brilhar e aquecer os outros.
Sou com o todo sem me perder nos outros, sou com o outro
consciente de que ele e eu somos apenas parte do todo.
Uma
maneira consciente de avaliar o amor no trato de si mesmo será o de se permitir
tomar decisões que deem satisfação independentemente do que os outros dirão ou
esperam. Quando a voz do interior não é sorvida pela voz de fora, então vive-se
naturalmente, o Reino de Deus, como os “pássaros e os lírios do campo”
aceitando os cumprimentos e as críticas dos outros como aqueles aceitam o sol e
a chuva. Então o que faço dá alegria e contentamento porque faço-o
simplesmente, sem sentimentos de obrigação ou de culpa muito embora num
sentimento de sintonia/compaixão. Então
a felicidade e a infelicidade dos outros não me ensombram porque o meu viver
compreende amar os outros e deixá-los ser como são.
Tenho
que pôr nos pratos da balança da minha vida, de um lado o amor, o respeito, o cuidado
que tenho para comigo e no outro prato as necessidades dos outros.
Deixo
entrar e sair de mim o ar dos sentimentos positivos e negativos sem os reter,
do mesmo modo, como entra em mim o ar mais ou menos oxigenado que respiro.
Aceito o dentro e o fora, o dia e a noite, a luz e a sombra, o sucesso e o
fracasso sem o medo de me negar ou afirmar para ser aceite. Consideração e
estima iluminam as minhas relações sem me deixar prender em pensamentos
negativos, devaneios, dúvidas e medos. Não sou vítima de ninguém e na qualidade
de consciência reflectida assumo a responsabilidade de ser, ser com os outros
numa dinâmica de ser para mim e ser para os outros.
Reconhecer-se e aceitar-se
Para se chegar ao nível do “ama o
próximo como a ti mesmo” há, em primeiro, que se reconhecer a si mesmo, como
advertia a frase no frontispício do templo de Apolo em Delfos aos que nele
entravam. Reconhece a ipseidade (“conhece-te a ti mesmo”) e nela os teus pontos
fortes e fracos, as facilidades e dificuldades como fluxo e refluxo da mesma
realidade. O segundo passo é “aceita-te como és” com os teus lados de luz e de sombra.
E se me encontro numa altura em que me não posso aceitar, então aceito a não
aceitação. O terceiro passo será: aceitar em si uma possibilidade de mudança,
mas sem limite de tempo e sem pressão de auto-optimização.
Em paz de consciência
Muitas
pessoas têm na sua consciência um juiz interior muito rigoroso sempre a apelar
pata o dever: esse juiz malformado diz: “eu devo…, tenho que…” ou “a gente deve…,
a gente tem que…”
Muitas
vezes, esta é a voz do “eu paterno” que continua escondida e a mandar em nós.
Este juiz fala do alto da sua cátedra e por isso é preciso substituí-lo por um
juiz Anjo, que não condena embora faça ver as coisas positivas e negativas com
objectividade e que gosta de ti tal como és.
Dos
erros se aprende para a próxima vez. Deus ama-te como és, no antes, no agora e
no depois; faz algo que te dê alegria, não te deixes subjugar apenas pelo
programa do dia-a-dia, doutra maneira vive o programa em ti, sem que tu vivas
porque só serves.
Muitas
vezes surge em nós uma sensação corporal ou um sentimento espiritual
desagradável e não temos tempo para lhe dar atenção e compreender o que esse
sentimento ou sensação nos quer dizer; muitas vezes esse mal-estar apenas nos
quer dizer que excedemos os nossos limites.
Sentimentos
agradáveis são sinais de que nos encontramos em consonância com a situação do
momento. Se o sentimento é torturante talvez se dê ao facto do sentimento puro
se misturar com devaneios, conflito interno, a tentativa altiva de dominar uma
sensação, etc..
Do
sentimento de aceitar e ser aceite surge o contentamento de se encontrar com o
dia ou com o próximo, venha ele como vier. Chega a boa intenção de procurar o
bem em tudo e de se experimentar contentamento, independentemente da gratidão que
se receba. Então a viva sorri para mim e eu sorrio para a vida na consciência
de que a dor e a alegria servem o todo.
A
realidade do eu-tu-nós encontra-se magistralmente delineada na fórmula
Trinitária onde a Relação é de tal maneira viva e misteriosa que ganha
expressão numa terceira pessoa. Neste sentido, a abertura e a entrega expressam
a liberdade amorosa.
© António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e teólogo
Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4712
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