Participação de
Protestantes na Liturgia católica
António Justo
Os bispos católicos alemães, reunidos em Ingolstadt, possibilitaram a
recepção da Comunhão aos cônjuges evangélicos de casamentos mistos (cônjuge
católico e protestante), como se pode ler na Declaração da
Conferência episcopal à Imprensa, de 22.02.2018.
A conferência episcopal fez uso do artigo 844 §4 (*) do CDC (código de
direito canónico) determinando a elaboração de um “guia” para orientação da
recepção da Comunhão para cônjuges católicos e protestantes que depois será ou
não aplicada por cada bispo na sua diocese!
Assim, o cônjuge protestante
que “afirme a fé da Igreja Católica” no que toca à Eucaristia, poderia receber
a comunhão (depois de um
exame de consciência sério” sob a guia de um sacerdote a pessoa delegada para o
facto. O que antes o Direito Canónico possibilitava aos protestantes em perigo
de morte é agora alargado à decisão acreditada da consciência individual.
O Cardeal Reinhart Marx esclareceu
que esta regulamentação se limita a casos individuais e sob certas condições,
pois não existe sobre o assunto uma solução geral ou dogmática. As decisões são
tomadas nas comunidades locais.
O facto de as igrejas protestantes não pertencerem às “igrejas apostólicas”
constituía grande impedimento à participação conjunta na Eucaristia.
Os bispos alemães fizeram
uso do discernimento episcopal que o CDC lhes concede e da Exortação “Alegria
do Amor” do Papa Francisco. A Amoris Laetitia alarga as competências dos
bispos.
A situação, de uma Alemanha em que a cristandade é composta, meio por meio,
de católicos e protestantes, motiva os bispos alemães a considerarem o problema
da intercomunhão como uma “necessidade grave” prevista no CDC. A excepção é
alargada. Um assunto sibilino, a nível de interpretação.
A iniciativa dos bispos, preocupados em dar resposta às necessidades
pastorais numa sociedade católico/protestante com muitos matrimónio mistos, é motivo de consternação e de espanto para
muitos católicos, em regiões, fora da Alemanha, religiosamente mais homogéneas.
Tudo isto não é tão inocente como parece, atendendo ao facto de a Igreja
alemã se caracterizar por uma certa convivência natural entre religião e
secularismo e se reservar para ela, em colaboração com o Estado, na imposição
do imposto religioso a membros. Isto não é, porém, critério suficiente para
contrariar a preocupação dos bispos alemães.
Importante será a missão de
preservar a unidade da fé na Igreja Católica embora muitos receiem que corre o
perigo de se protestantizar. A fé cristã concreta também não se deixa demarcar
por linhas fronteiriças de católicos e protestantes. Ela segue, na prática, mais a intuição do que
dogmas, independentemente de os povos latinos acentuarem mais a Cruz e os
alemães acentuarem mais a Ressurreição.
Os dogmatistas e pastoralistas não deveriam puxar demasiadamente o elástico
da argumentação até ao ponto de aqueles exigirem que o cônjuge protestante se
declare 100% católico (neste caso surgiria uma outra situação a nível conjugal
e em relação aos impostos).
Uma certa ambiguidade também pode ser um instrumento prático, importante
e útil para resolver certos problemas provenientes da relação do sagrado e do
profano, da relação crente-instituição e de assuntos ecuménicos.
Tudo isto poderá
dar oportunidade para aprofundar espiritualidades e aquilo em que se presume
crer.
Sem deixar de
atender e de responder a necessidades concretas, urge não perder a
apostolicidade, doutro modo reduziríamos o sacerdócio a uma mera actividade de
assistentes sociais (pastorais). O perigo do relativismo e de influências
ideológicas não se deixa facilmente evitar.
Não se trata de compatibilizar só a doutrina com a realidade sociológica, mas
sobretudo de aprofundar o que se encontra por trás do mistério da eucaristia
que deve permanecer mistério sem ser reduzido a um mito que se esgote na
simbologia; para isso é preciso uma catequese mais adulta e aprofundada não
dirigida apenas ao conhecimento.
© António da Cunha Duarte
Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo, http://antonio-justo.eu/?p=4691
(*) O DC também permite a administração de alguns sacramentos
a pessoas de outra confissão; concretamente: «Art.º. 844.4. Se houver perigo de
morte ou, a juízo do Bispo diocesano ou da Conferência Episcopal, ou urge uma
outra necessidade séria, os ministros católicos podem, licitamente, administrar
esses mesmos sacramentos também a outros cristãos que não estejam em plena
comunhão com a Igreja Católicos, desde que não tenham acesso a um ministro de
sua própria comunidade e o solicitem espontaneamente, desde que professem a fé
católica com respeito a esses sacramentos e estejam bem-dispostos ".
Em Unitatis redintegratio, nº 8
também se diferencia: "A importância da unidade normalmente
proíbe a comunicação. A aquisição da graça às vezes o recomenda." A
autoridade episcopal local deve determinar com prudência a maneira de atuar em
concreto, tendo em consideração as circunstâncias do tempo, lugar e
pessoas, a não ser que a Conferência episcopal, de acordo com
seus próprios estatutos, ou a Santa Sé disponham de outra forma. "
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