Assassínio do alemão Walter Lübcke pela Extrema Direita,
“Rede de Resistência Democrática” … nas pegadas da “Fração do Exército Vermelho”?
Por António Justo
A 2/06/2019 foi
assassinado, em frente de sua casa, Walter Lübcke, presidente distrital do distrito de Kassel,
alegadamente, por mão traiçoeira da extrema direita, com um tiro na cabeça. Na
sequência do crime, foi preso, como
suspeito, o neonazi Stephan E.
Lübcke, político da CDU, que era conhecido pelo seu
empenho em favor dos refugiados, incomodava de maneira especial a cena parda da
sociedade. Aquando (2015) da abetura de um lar para refugiados ele foi apupado
por alguns presentes. Lübcke, homem de texto claro e não habituado a engolir
cobras e lagartos, dirigiu-se então aos apupantes dizendo: "Vale a pena
viver no nosso país. É preciso defender os valores, e aqueles que não os
defendem, se não
estiverem de acordo, podem deixar este país a qualquer momento. Essa é a
liberdade de cada alemão."
Desde então não se fizeram esperar ameaças contra ele por
parte dos “Cidadãos do Império” ( Reichsbürgern) e da extrema-direita "Nuremberga
2.0 Alemanha - Rede de Resistência Democrática" que colocara Lübcke numa
lista de inimigos, porque tinha participado na "islamização, na
desdemocratização, na repopulação da Alemanha" (1).
Desde 2011, circula na Internet uma lista negra da rede
extremista de direita com pessoas consideradas desagradáveis e em que constava
também Lübcke.
Este facto trágico não pode ser considerado como um caso
isolado. Depois de ter sido encontrado morto no seu jardim já outros dignitários alemães têm recebido ameaças de morte. Desde 2015
cresceu “enormemente" o potencial de terror de direita na Alemanha. O medo
do islão e insatisfações difusas mudaram o clima social e estão a mudar a constelação
dos cenários governantes.
O assassínio de Walter Lübcke provoca imensa excitação e
medos na sociedade alemã porque esta ainda tem bem presente na memória a
atmosfera social que se viveu da década dos anos 70 até 1998, causado pela Fração
do Exército Vermelho (RAF), uma organização terrorista extremista de esquerda (“Bando
Baader-Meinhof”), responsável por 33 assassinatos de líderes políticos, empresariais,
administrativos, funcionários aduaneiros e soldados americanos. A divisão na sociedade alemã e europeia é
hoje semelhante à dos tempos da “guerra fria” entre os propagandistas do
capitalismo e os do socialismo (hoje os militantes internacionalistas e os
nacionalistas). Então a ala esquerda da sociedade encontrava-se extremamente
descontente até ao ponto de se sentir vítima do sistema; atualmente é a ala direita da sociedade que se sente
descontente e vítima, provocando nos seus extremos reacções de violência que
poderiam, com o tempo, vir a igualar a violência da Fração do Exército Vermelho
(2) de outrora.
Num país que parece ter a visão geral de tudo, o Governo
encontra-se cada vez mais na necessidade de se explicar. O cidadão normal
sente-se cada vez mais existencialmente inseguro e sem perspectivas de futuro. Muitos
são do parecer que o direito penal se tornou insuficiente na luta contra o
extremismo de direita e a julgamentos demasiado laxos na solução do crescimento
da delinquência social.
De facto, com a
imigração muçulmana, a Europa já não é a mesma; tornou-se numa Europa de
extremos condensados; especialmente para o cidadão europeu, torna-se mais
difícil viver nesta EU dividida em duas trincheiras (direita e esquerda), cada
vez mais agressivas e fanáticas. A crescente politização do dia a dia envenena as relações e enegrece o horizonte e as
perspectivas de vida do cidadão, tornando possível assassínios como este. A sobranceria
dos dirigentes e a insatisfação dos desnorteados não possibilitam uma
plataforma de interesses comuns. As agressões que antigamente eram compensadas
em jogos ou em guerras extramuros são hoje vividas dentro da sociedade numa
espécie de guerrilha. No discurso
público falta o cultivo de uma tolerância global, uma tolerância de diferentes
horizontes e perspectivas e não apenas uma tolerância do politicamente
correcto, ou apenas reduzida ao que fomenta a própria ideologia e opinião. Também nos formadores da opinião pública
(Media) se pode ver uma certa divisão: os Media considerados sérios como
multiplicadores do politicamente correcto (discurso oficial) e os meios
virtuais sociais de interesses difusos mais multiplicadores de alegados
interesses do cidadão.
Numa época em que o extremismo político se expande, põe-se
a questão até que ponto a democracia é capaz de integrar extremistas da direita
e da esquerda. O clima político encontra-se em mudança numa sociedade que se
sente cada vez mais insegura e em que a política não consegue refelectir nem
explicar o próprio agir. Num clima de intolerância recíproca, cada parte
considera a outra ilegítima, não concedendo margem para compromissos; passa-se
à lei da selva, do “quem pode, pode” e do quem não pode abaixa-se... A politização da linguagem tem concorrido
para a rudeza da expressão; a violência normaliza-se, seja de forma velada em
palavras polidas ou de forma manifesta em palavras grosseiras que conduzem a
actos violentos. Tudo é usado para colocar o adversário na lista negra. Neste
ambiente confuso e perturbado, o Estado desleixa o seu dever de proteger o
cidadão.
Ser a favor ou contra é um direito democrático, mas existem redes extremistas de direita e redes extremistas
de esquerda que não abdicam da violência para impor os seus fins; como não se
trata de perpetradores individuais, tanto a ala esquerda como a ala direita da
sociedade deveriam analisar as cenas extremistas criticamente numa perspectiva já
não de perpetrador único mas de redes organizadas e de ONGs. Há 13.000 extremistas da direita que estariam prontos a
usar da violência, na Alemanha de hoje (3).
Na Alemanha é agora bastante criticada a existência do órgão
de proteção da Constituição (BfV). Nos Estados torna-se por vezes difícil
desmantelar certas redes maléficas porque por razões de Estado, os órgãos de
protecção da constituição (Ministério do Interior) bloqueiam o acesso a
ficheiros e actas, por espaços de 30, 50, 90 e até 120 anos.
Geralmente são 30 anos de bloqueio a jornalistas e historiadores
e de uma maneira geral os documentos secretos das autoridades podem ser vistos
depois de 60 anos. A lei alemã permite tais prazos de tempo (casos de espionagem,
etc. dizendo para tal tratar-se da protecção dos informantes que correriam
perigo, no caso de se tornarem públicos).
A protecção da Constituição em sentido lato refere-se a
todas as medidas de consolidação e defesa da Constituição contra insurreições e
revoluções, bem como contra outros ataques anticonstitucionais e perturbações
constitucionais. Na Alemanha há uma discussão aberta sobre a oportunidade dos
órgãos de protecção da constituição, sendo estes, por vezes, vistos, mais como
impedimento do que prevenção contra a extrema direita.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do
Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5489
(2)
Fração do Exército Vermelho: https://de.wikipedia.org/wiki/Rote_Armee_Fraktion
Sem comentários:
Enviar um comentário