Paradoxo do Centralismo francês versus Federalismo germânico
Por António Justo
O dilema da EU resume-se no confronto de dois sistemas de
organização político-administrativa e na dualidade de interesses de uma
Alemanha que é demasiado grande para ser só nação e demasiado pequena para ser
império! A Alemanha como fulcro da
Europa teria de estar, por natureza, virada para leste (Rússia) e para o
ocidente (países latinos), o que implicaria a consequente implementação dos
seus interesses económicos nos dois sentidos e consequentemente uma desquitação
europeia dos EUA, o que inquietaria a França e outros países da EU. Devido
à sua situação geográfica e social-histórica, a Alemanha, a longo prazo, não
poderá deixar de oscilar entre o expandir da sua influência no sentido do Leste
e no sentido do ocidente (e sul), o que constitui problema para uma França (A mudança da Capital de Bonn para Berlim é também
consequência da sua resposta à fidelidade histórica). Um outro aspecto que,
no meu entender, a opinião pública publicada tem menosprezado é o facto de a
Alemanha resumir federalmente nela a grande ideia europeia de Carlos Magno, “o
pai da Europa”. A Alemanha federal já
realizou de maneira exemplar o caminho que a EU terá de realizar, não por convicção,
mas por força das circunstâncias económica e estratégicas mundiais (o
afirmar-se de novas constelações concorrentes, como China e grupos supranacionais).
A atual filosofia centralista de Bruxelas corresponde a
uma violação dos seus interesses e do seu génio pois quer amarrá-la
definitivamente aos romanos e por outro lado despreza os processos de
desenvolvimento da independência histórica das diversas soberanias europeias.
Os países latinos de pensamento mais abstrato e
centralista não estão dispostos a aceitar a realidade da influência económica
germânica nem a compreender a dicotomia dos interesses de um país forte no
centro e norte da Europa. A União Europeia, fora de sentimentalismos bairristas,
para ser construída com os pés na terra, terá de ser construída a partir da
Alemanha e para já no sentido de uma confederação de Estados.
O Brexit é um aviso e terá de constituir para a Alemanha,
um grande momento de reflexão crítica sobre o constructo da EU até agora
artificialmente produzido. Consequentemente, a EU que temos, precisa de uma
substancial remodelação a nível de concepção e de modelo de realização (repensar
a organização política de vários Estados num „Estado federal" que, a nível
internacional, perdem autonomia, porque as constituições estatais se teriam de
subjugar a uma constituição central). De considerar que o que hoje a
inteligência não vê, amanhã a necessidade obrigará.
Trump que joga
com dilema germânico, que se torna também no dilema da Europa, tenta cativar o
Reino Unido no sentido do império anglófono e ao mesmo tempo enfraquecer a
Europa, debilitando a Rússia, com o aumento da presença militar da NATO na sua
fronteira e com a implementação de sanções económicas. De notar também a
agressividade do governo dos USA contra o actual empreendimento russo-alemão de
construir um gasoduto entre os dois países. As guerras são sempre de base económica e
ideológica no sentido de formar hegemonias…
O problema alemão
não resolvido historicamente será o de se decidir por expandir no sentido leste
ou oeste. Os USA e a França farão tudo
por tudo para que a Alemanha se vincule exclusivamente ao Ocidente europeu. Forçar
a Rússia a unir-se à China constituirá, porém, um erro europeu histórico que adiarão
o natural processo de desenvolvimento e definição europeia.
A EU tem de arredar caminho na sua estratégia de
desautorizar nações membros e de se armar em juiz sobre os países a ponto de os
humilhar, como tem acontecido a membros que se manifestam ainda adolescentes
nas suas atitudes e exigências. A estratégia de fomentar oposições ou de se
castigar grupos rebeldes num país membro corresponde a uma estratégia de guerra
e não de paz, ao contrário do que pretende defender com a criação da EU como
espaço de paz. A Europa, atendendo à sua História e à história dos diferentes
países, está vocacionada a tornar-se antes numa confederação de Estados e não primeiramente
numa apressada federação em que estes teriam consequentemente de renunciar à
sua soberania, historicamente alcançada depois de muitos séculos de lutas.
O Presidente
francês Emmanuel Macron disse na TV suíça (11.06.2019) que daria o seu voto a
Ângela Merkel para Presidente da Comissão Europeia, embora a chanceler alemã tenha já excluído
essa hipótese. Mácron disse aí que a “Europa precisa de personalidades fortes
que tenham uma credibilidade e competência pessoal para preencher as posições”
(Talvez sob esta proposta se encontre a
esperança de uma mulher germânica amarrar mais a Alemanha aos interesses da
Europa do Sul!). A concretização dessa proposta resolveria o empasse da
escolha em via para tal posto, mas não resolveria a questão de fundo da EU. A
questão a resolver será a de transformar o constructo EU numa instituição
orgânica europeia. O Povo a acordar não
quer que Zeus desvie a Europa para fora dela… Segundo a mitologia grega a
Europa era uma princesa fenícia que deu o nome ao continente Europeu. O Deus
Zeus apaixonou-se por ela e para passar desapercebido aos ciúmes de sua mulher
transformou-se num touro misturando-se nos reses de touros do pai de Europa e
como era brilhante e manso seduziu a princesa Europa, que ao colocar-se no seu
dorso se viu transportada rapidamente para Creta onde desfrutou dela, abandonando-a
mais tarde.
Nos últimos 70 anos, o crescimento económico tem garantido
a Europa pacífica… agora que “outros valores mais altos se levantam” como a (China)
e em que o povo se começa a intrometer no processo da EU instam grandes
transformações. Um aparelho burocrático a que falta a alma (povo), se não arrepia
caminho, corre, cada vez mais o perigo de se transformar numa ilusão…
O centralismo exagerado foi o coveiro de grandes
civilizações. O que está em jogo na EU é
a velha luta europeia entre o centralismo francês e o federalismo germânico e entre
a hegemonia americana na Europa e uma Europa que possa olhar de olhos nos olhos
os EUA, além da falta de realismo de que grande parte da Rússia é europeia (ao
contrário de uma Turquia que já o foi e cujo movente é puramente económico).
A experiência feita dos nacionalismos como fonte de
guerra e o seu ressurgimento atemoriza muitos bons pensantes europeus (de
momento, porém, tais movimentos não expressam mais que a necessidade de correcções
num conceito de EU talvez demasiado capitalista-socialista).
A EU como a Europa
encontram-se em contínuo processo de mudança tendo, depois da II Grande Guerra,
criado vários laços circunstanciais (1).
A EU tem estado a ser construída em contradição com a
dinâmica da formação orgânica das estruturas de um Estado. Daí o Brexit e os
movimentos nacionalistas surgentes como sintoma de um problema maior: o da
oligarquia burocrática de Bruxelas atrelada a um globalismo liberal anónimo e
sem limites. Tem-se feito muito trabalho louvável, mas falta a coesão que lhe
daria vida e esta chama-se povo.
A EU tem de ser refeita; o permanente estado de crise de Bruxelas
vem principalmente do facto de os seus actores terem querido fazer do cume da
pirâmide a sua base ao ignorar povo e a tradição. A oligarquia transforma-se assim numa espécie de Olimpo longínquo em
oposição aos terráqueos. Tudo seria mais fácil se não fossem as duas almas da
europa a terem de ser metidas num só corpo (EU): o génio federalista alemão
ligado à terra e o génio centralista francês mais um parto de cabeça e por
outro o génio católico latino em confronto com o protestantismo nórdico.
Não admira que o Presidente francês Mácron esteja a
avançar com o seu desejo de liderar o discurso sobre a reorganização de uma UE (2)
a fim de a modelar no sentido centralista do tipo francês (3); é também compreensível
que os alemães se mostrem reservados, embora uma verdadeira União Europeia
possa ser mais bem acomodada, posteriormente, num molde federalista à
semelhança do alemão.
A hora dos alemães só chegará depois de alguns erros
economicistas e de alguns exageros latinos. Os movimentos nacionalistas, que se
encontram de vento em popa apesar das anticampanhas da classe estabelecida nas
capitais europeias, são a melhor prova de como tem sido mal encaminhado o
discurso sobre a Europa: um discurso demasiadamente orientado no sentido
autoritário e autocrático provoca o desrespeito nos relegados a espectadores. A
agressão que durante anos se cultivava contra Angela Merkel e o seu Ministro da
Economia, nalguns estados latinos, pode considerar-se em parte equivocada ao querer
reduzir o espírito alemão ao aspecto económico.
Objecto de uma discussão séria seria a elaboração de um
superestado central ou de uma confederação, e assim se ultrapassar um discurso público reduzido
ao economismo. A observação das duas mentalidades pode ser constatada no partido francês de
Le Pen que luta no sentido de uma soberania nacionalista centralista e no
partido alemão AfD que centra o seu discurso mais num contexto europeu cultural
que colmataria numa EU – uma confederação de estados que respeite a gene de uma
europa das nações.
Que seria dos bons se não houvesse os maus e que seria
dos maus se não houvesse os piores nem os melhores! Do desprezo recíproco surge
a energia alimentadora da guerra que descrita na perspectiva do discurso de uns
e dos outros só pretende o bem, o desenvolvimento.
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo (História e Português)
In Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5485
(1) A crise do carvão na França levou a França a
aproximar-se da Alemanha em 1950, através da Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço, considerada por Robert Schuman como a “primeira etapa da federação
europeia”, a criação da OECE como resposta ao Plano Marshall (1948), a criação da
NATO em 1949 sob gerência dos USA e que culmina no reconhecimento dos USA como
a grande potência mundial, relativizando os tradicionais potentados nacionais
internacionais vigentes até à primeira guerra mundial).
(2) ALEMANHA FEDERALISTA CONTRA FRANÇA
CENTRALISTA NA REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA? https://antonio-justo.eu/?p=5353
(3) MACRON QUER A REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA QUE
OS PAÍSES NÓRDICOS NÃO QUEREM https://antonio-justo.eu/?p=4764
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